Travessia

sábado, 14 de abril de 2018
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Ainda estamos em tempo de Páscoa. Páscoa significa passagem. Travessia.  Tem a ver com quem somos hoje e quem podemos ser amanhã. Tem a ver com superação.

É uma espécie de promessa escondida dentro de nós que nos convida para sair, para avançar, para transformar.

É também como uma luz lá adiante que nos impele a caminhar. Um alvo, uma meta, um desafio. É como o horizonte do qual a gente se afasta toda vez que dele se aproxima mais.

A questão é saber o que é que alimenta o que mora dentro de nós. E que tipo de impulso tem brotado de nossas entranhas. Porque o que sai da boca do ser humano é mais importante do que aquilo que por ela entra (Mc 7,14).

É saber que tipo de horizonte se descortina aos nossos olhos. Porque, no fundo, não há horizonte além do que os olhos são capazes de enxergar. Porque, onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração (Mt 6,21).

Talvez seja por isso que as grandes religiões funcionam com verdades absolutas preestabelecidas. É o jeito mais fácil de domar esse relativismo que habita a tensão entre quem somos e quem somos chamados a ser.

Objetifica o sujeito. Empobrece o indivíduo. Cria espaço para a preguiça existencial. Abre brecha para os usurpadores. Estabelece relação de chefes e súditos. Pastores e ovelhas. Inviabiliza a autonomia.

O desafio da Páscoa é a ruptura. O desafio de fazer a travessia.

É uma travessia que não se esgota em si mesma. Demanda sempre movimento. Afinal, o Israel libertado do Egito tornou-se opressor em Canaã.

A travessia exige vigilância. Supõe autocrítica. Requer coragem. Trata-se de um mergulho para dentro das profundezas desse desconhecido chamado eu. Tem a ver com um salto no abismo escuro que é o mundo, o outro, o tu.

Páscoa não tem a ver apenas com os ciclos predeterminados da natureza ou com a pretensão da confiança cega numa divindade provedora. É uma proclamação do risco da vida. E a confissão de toda sua ambiguidade.

É uma espécie de salto na direção do encontro consigo mesmo.

 

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