Ética e discurso - sobre falar e fazer

sábado, 23 de setembro de 2017

“... quem sabe, faz; quem não sabe (ou não quer), critica quem faz!”

A palavra que constrói é a mesma que destrói. A linguagem que é capaz de levantar é a mesma responsável por abater. Sem ética, a palavra se torna instrumento perigoso.

Ética – mais do que o conjunto de valores que regem uma sociedade – é a forma concreta como se age e como se fala. Ético é o sujeito que se assume como protagonista da ação ou da omissão; sujeito que age por vontade própria porque reconhece-se como autor dos seus atos; com respeito à alteridade, sem esquivar-se da responsabilidade, porque entende o lugar do outro e não deixa de responder sempre por suas atitudes; finalmente, ético porque age com liberdade, ou seja, porque, mais do que autor de seus atos, não se permite alienar por nada nem por ninguém: é, verdadeiramente, livre.

A sociedade brasileira tem passado por uma remodelação em seus mecanismos de organização político-social e de prestação dos serviços (públicos e privados), bem como na forma de controle e fiscalização deles. O que não mudou na proporção desejada pela sociedade é forma de fazer “política”. Há, ainda, em pleno século XXI, o ranço da política coronelista. Da política vista como carreira pessoal em vez de espaço para prestação de serviço à população.

Ainda resiste a política como exercício do poder; da política como meio de ascensão social e econômica; da política como substitutivo do trabalho; da política como realização do indivíduo.

Nisso tudo vê-se com clareza que as armas preferenciais dessa política rasteira é a linguagem manipulada para criação de inverdades e a falta de ética por absoluto desrespeito ao coletivo.

Nossa democracia ainda esconde muitas injustiças. Uma delas – não necessariamente a pior – é a falta de representatividade dos eleitos. A proporção dos votos é muito reduzida se comparada à totalidade da população do colégio eleitoral em questão. Isso fomenta a falta de fiscalização popular. Favorece a falta de responsabilidade eleitoral.

Pior ainda é a rejeição que as classes políticas sofrem. A população, em sua maioria, ainda condena a pessoa pelo simples fato de estar nessa ou naquela função política.

Essa condenação está diretamente ligada à linguagem e à ética. Nossos políticos – as exceções só fazem reforçar a regra – engendram uma linguagem vazia e adotam uma ética sem a menor consistência.

Vivemos uma confusão entre falar, expor ideias, prestar contas e fazer propaganda. Uma conturbada relação entre fazer e falar.

Num tempo de exposição exagerada e de holofotes famintos por uma novidade por mais quinze minutos, políticos se confundem com celebridades e cultivam ares de artista. No tempo das redes sociais e das emissoras de cada esquina, falar e agir com linguagem engabeladora e ética discutível é o pão nosso de cada dia.

O problema é que isso, para além de desacreditar a classe, desestimula o cidadão de bem. Faz pensar sobre a validade do trabalho-serviço ao próximo e da exposição às lentes ávidas por escândalos e difamações.

É lamentável, mas, nesse cenário, impera a lógica do “quanto pior, melhor”. Para quem deseja, apenas, ascender pessoalmente, a crítica ao trabalho alheio não se dá por conta da necessidade de melhoria ou reparos no serviço prestado; antes, no achincalhamento público do outro, na tentativa de repercussão positiva para si.

O que está em jogo não é o serviço público, mas, ao contrário, as vantagens que o público traz para o particular.

Enquanto perdurar a lógica da política como carreira, da linguagem como arma, da ética como engodo e do serviço como vitrine, a sociedade só fará se deteriorar e os maus terão mais chances.

Entre falar e fazer há um abismo imenso; saltar de um lado ao outro exige coragem e, antes de tudo, competência. Em outras palavras: quem sabe, faz; quem não sabe (ou não quer), critica quem faz!

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