O Inútil Essencial - a explosão de rock do Vazio

sábado, 30 de abril de 2016

A banda friburguense O Vazio lançou no último mês o álbum Inútil Essencial. Um disco de rock inspirado no som dos anos 1970, com muita raiz de blues e letras muito filosóficas, falando sobre os principais conflitos que rodeiam o interior das pessoas e sobre sua devoção à música. Em entrevista, o vocalista João Vazio contou à Discopédia como foi o processo de concepção desse álbum, que está disponível para audição online em diversos canais, que você pode acessar através da página do Facebook da banda. Confira agora um pouco desse papo, onde o músico também falou sobre o rock friburguense.

[DISCOPÉDIA] O Inútil Essencial está bem sombrio, bluesy e bem firme em influências setentistas. Gostaria de saber como vocês pensam as melodias das composições.

[O VAZIO] As palavras, os riffs, as batidas... tudo existe em simbiose, na música. Música é discurso. Arte é discurso. Quando você sente o desejo de dizer algo – e acredita no que sente – a sensibilidade molda o discurso para que ele seja um retrato desse desejo. Aí, você lança mão de todo o instrumental de que dispõe, adquirido ouvindo e fazendo discursos, conforme o desejo lhe determina. O discurso deste álbum é sombrio porque vivemos tempos sombrios e isso deve ser posto em questão. O blues é o início de tudo. É a raiz. É a fonte. É a voz de pessoas que também viviam tempos sombrios. É visceral e cru. A influência setentista é o traje ideal para este discurso.

As letras de vocês têm toda uma viagem filosófica, com algumas metáforas e devoção ao rock n roll. Para quem essas letras falam?

Já me desculpo antecipadamente pela presunção, mas vou citar Nietzsche: Para todos. E para ninguém. Acho que estas palavras são para todos porque todos os que quiserem vão poder ver nelas o espelho das suas próprias questões. Falo de questões da vida e, por mais que a vida se manifeste de maneiras diferentes em cada um, todos lidamos com as mesmas questões; a solidão, a curiosidade, o medo a paixão, a morte, a tragédia do viver. Falo da vida. Então, falo para qualquer um que esteja vivo.

 E falo para ninguém, porque as palavras deixam de ser minhas assim que ganham o mundo e o espelho de minhas próprias questões não vai com elas – mesmo que a carga emocional deste possa ir. A vida nos dá a possibilidade fantástica de atribuir a ela o sentido que quisermos e este sentido por nós atribuído é o que há de mais legítimo para nos motivar e guiar durante esta jornada. A arte é o meu sentido. O catalizador da minha presença. O rock é um caminho. Um raciocínio, uma visão de mundo. Certamente, não falo para ouvintes. Falo para interlocutores.

Teve alguma ideia inicial que vocês tiveram para o álbum que no final acabou não funcionando?

De novo, sim e não. Tivemos várias coisas que não aconteceram como esperávamos. A começar pelo fato de que estávamos sem guitarrista durante quase toda a gravação do álbum. Porém, como eu disse antes, até mesmo os erros e imprevistos foram aproveitados. Temos convenções e detalhes nas músicas que vieram de “erros”. Tudo foi aproveitado. Fagocitamos tudo e vocês podem ouvir o resultado. Por exemplo: temos guitarras gravadas por amigos, eu (cantor) gravei guitarras, o Lucas Santos (baterista) gravou guitarras e o Bruno Eller (baixista) gravou guitarras. Por fim isso foi parte do que deu a característica sonora do álbum. Hoje, o Lucas é o guitarrista e o Alexandre Sorin entrou na batera.

Em 2014 vocês lançaram o single com as músicas “Mais Atrante Que Uma Solução” e “Vendi Minha Alma Ao Rock N’ Roll” no rádio. Recentemente uma pesquisa revelou que vinis estão vendendo mais que música online e o Brasil vai voltar a fabricar K7. Vocês acham que vai rolar um movimento inverso nos próximos anos? Pretendem investir nesses formatos?

O rádio é um veículo poderoso. Ainda é o lugar onde a maioria das pessoas ouve uma música pela primeira vez, é gratuito, atinge áreas muito vastas. Sobre as pesquisas, tenho sempre algumas ressalvas com estatísticas. O vinil vende mais do que a música digital porque raramente pode ser obtido de graça. O que não acontece com o formato virtual, que é baixado gratuitamente aos montes.

Sobre o K7, só tenho elogios. A fita K7 possibilitou que o punk tivesse uma rede independente de produção e troca de conteúdos fantástica antes da era da internet. O formato digital muitas vezes mutila a dinâmica da música, com uma série de harmônicos que não precisavam estar lá, com compressores demais. A música não respira.

Fizemos a masterização do álbum no padrão dos discos de vinil. Passamos o som para fita e depois digitalizamos de novo. Deixamos um monte de sujeira de propósito.

Estes formatos (vinil e K7) se ajustam muito bem à estética adotada para o álbum e creio que os usaremos conforme a nossa possibilidade e objetivos – como toda ferramenta de que dispomos. Como eu disse, temos um monte de idéias inúteis e essenciais na cabeça. Aguardem.

Pra vocês o rock de Nova Friburgo tem uma característica que é muito própria? Qual é a identidade do rock autoral friburguense?

Talvez seja a variedade de sonoridades, a heterogeneidade do público e o engajamento dos artistas. O histórico do cenário. Acho que o rock daqui se caracteriza justamente pela cena que aqui se desenvolve já há algumas décadas e pelos atores que fazem parte de sua trama – que têm diversos problemas, mas que também têm identidade.

Se vocês encontrassem um gênio que dissesse: “Posso realizar um desejo qualquer de vocês para mudar a cena de Nova Friburgo”, o que mudariam?

Acho que eu pediria para mudar a cidade. Ou o país. Ou o mundo. Entende? Não o espaço físico. Nem propriamente as pessoas. Apenas o pensamento, a cultura que rege estas pessoas e gera esta cidade, este país, este mundo neste espaço físico. A cena se modificaria como consequência da modificação empreendida pelas pessoas em si mesmas. Aí reside a raiz do problema de onde se originam todos os problemas. Pediria que as pessoas tivessem horizontes mais amplos, vontades mais fortes e interesses menos mesquinhos. Todas as pessoas – nós.

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