Ninguém Entra, Ninguém Sai

sexta-feira, 12 de maio de 2017
Foto de capa
Hsu Chien (à frente) nos bastidores do filme "Ninguém Entra, Ninguém Sai" (Foto: Gui Maia)

O gênero comédia domina o circuito brasileiro de cinema há anos, e, para nossa alegria, temos a estreia da mais nova diversão do cinema brasileiro em Nova Friburgo: o filme “Ninguém Entra, Ninguém Sai”.

Desde 2011, essa tendência que se percebe no cinema foi denominada de neochanchada, a volta à tradição do humor escrachado das chanchadas, gênero bastante popular até a década de 60. Uma comédia predominantemente voltada para as classes populares, suas piadas são sobre situações casuais, mas tudo com uma roupagem moderna.

A ascensão da classe C é uma das causas da grande procura a este gênero cinematográfico. Os shoppings centers foram e estão sendo abertos em bairros e cidades onde não havia cinemas. A presença das classes baixas nas salas de cinema fez com que os produtores e os diretores investissem no que o mercado deseja. Hoje, é tão importante lançar um filme em cidade do interior quanto no bairro de classe alta das capitais. A comédia tem exercido um papel primordial em resgatar o público das salas de cinema.

Com isso, o filme “Ninguém Entra, Ninguém Sai” reforça o poder do cinema brasileiro nas salas de cinema e apresenta uma comédia que preza pela qualidade técnica com atores conhecidos do grande público, além de inúmeras referências do mundo do cinema. Na história, um acontecimento inesperado surpreende os casais durante seus encontros amorosos em um motel. Repentinamente cercado pela polícia, pela imprensa e por curiosos, agora ninguém poderá entrar, e pior, ninguém poderá sair do motel. Inspirado livremente na crônica “No motel”, de Luis Fernando Veríssimo.

A cidade do Rio de Janeiro é personagem, sua exuberância logo no início nos mostra ao que o filme veio. Muitos elementos políticos, sociais e culturais que a cidade passa hoje em dia estão representados nas personagens. Para nossa alegria, o diretor do filme, o querido Hsu Chien, cedeu uma entrevista ao jornal.

Leo Arturius - O gênero comédia tem dominado o circuito do cinema nacional, com isso, tem obtido sucesso de bilheteria por um lado e críticas pelo outro. O que o seu filme inova em relação ao gênero?
Hsu Chien
 - Quis fazer algo diferente em relação ao tema e a forma de conduzir a comédia. Boa parte das comédias recentes tem como tema a vontade de enriquecer. No nosso filme, as pessoas só querem ser felizes e poder realizar as suas fantasias, até mesmo de forma simbólica. Dentro desse motel que é uma espécie de Ilha da fantasia, eu quis buscar referências das comédias malucas e nonsenses dos anos 80, onde imperava o politicamente correto, que é algo proibitivo nos dias de hoje e de engajamento de todas as áreas. Gosto do elemento lúdico e surreal que essas comédias tinham.

A comédia é vista como de difícil realização, e o seu filme reúne grande elenco de sucesso. Como encontrar o tom correto dos atores para que o filme tenha coerência?
Quando escalamos o elenco, não foi pensando em escolher determinado ator de determinado grupo de humor que fazia sucesso, até porque depois que acabamos as filmagens, boa parte do elenco acabou sendo contratado para o programa "Vai que cola", do canal por assinatura Multishow. A nossa intenção, e era preciso devido ao humor subversivo do filme, era escalar humoristas que fossem bons atores e que entendessem a proposta do filme. Acabou que quando demos conta, tínhamos comediantes de várias escolas de humor diferente. Nosso filme tem mais de 40 personagens, cada um com uma personalidade diferente do outro. Foi preciso que todos se alinhassem no mesmo tipo de humor que o filme pedia, então tive que equalizar essas varias "escolas de humor", de varias gerações, para que não ficasse esquizofrênico.

Sergio Mallandro é um ícone da televisão e cinema, e tê-lo no filme reforça sua importância. Você brinca com o que ele tem de melhor, pode nos contar do processo de escolha do ator e construção da personagem?
Sergio Mallandro veio por indicação da distribuidora do filme, a Imagem Filmes, pois para o papel do Pai Lilico, era necessário alguém que tivesse um perfil totalmente carismático para poder seduzir sua clientela. Como ele é meio porra louca, quando veio o nome do Mallandro, achamos genial, pois é inegável o carisma e o apelo que ele tem no inconsciente, principalmente para quem nasceu nos anos 80.

O filme confina muitas pessoas num único lugar, e fica claro que a diversidade está presente. O quanto esse elemento pode agregar valor ao filme e pode se tornar referências para os próximos filmes brasileiros?
A produtora Martha Alecar, viúva do cineasta e ator Hugo Carvana, assistiu ao filme e muito emocionada, me agradeceu, dizendo que o filme lembrava as produções de Carvana, que justamente, aconteciam em lugares fechados e com um elenco enorme ("Bar Esperança"). Tem gente que viu referências de "O Anjo Exterminador" e " Um convidado bem trapalhão". Não é fácil filmar com tanta gente em espaços pequenos, mas é um ótimo desafio.

O filme abre com grande exibição de lindas imagens da cidade do Rio de Janeiro, e a história do filme se passa dentro de um motel. As personagens representam as questões que a cidade vive hoje em dia?
Sim, totalmente. Eu digo que o Motel é o personagem principal do filme, e ali é o lugar para onde as personagens seguem para realizar as suas fantasias. Porém, com o advento da quarentena, sob os auspícios do "Governo", eles precisam reaprender a lidar com as outras pessoas e entenderem as suas diferenças. Isso é uma metáfora com base na sátira política, onde cada personagem representa um Órgão do Poder. Existem diálogos que cutucam de certa forma a condição socioeconômica e política do nosso país. A comedia é um dos melhores gêneros para se fazer crítica, pois a comédia vive das tragédias humanas para fazer rir.

Esse é o seu primeiro longa-metragem no papel de diretor, mas sua experiência vem de mais de 60 filmes como assistente de direção e outras funções. Como você entende a extensa vivência ao longo dos anos em set de filmagem na chegada do momento de assumir a direção?
Foi fundamental para eu poder ter segurança e confiança no trabalho de Diretor de um longa-metragem, esse enorme aprendizado que tive como assistente de direção, trabalhando com alguns dos mais renomados diretores do Brasil. Com esses diretores, aprendi a decupar, dirigir atores, administrar os humores, coordenar equipe e principalmente, saber otimizar o meu tempo de filmagem. É muita responsabilidade dirigir um longa metragem, ainda mais como Diretor contratado.

Muitos estudantes de cinema sonham com o papel de direção, mas o quanto ajuda a larga experiência em outras funções antes de assumir a grande responsabilidade?
Muito dessa resposta esta na pergunta acima. Mas complemento, dizendo que um primeiro passo para a Direção é para que o aluno estude muito. Já peguei muitos alunos de cinema que nunca haviam visto clássicos de Bergman, Tarkovsky, Jean Renoir, Godard, etc, e dei uma bronca neles. Não tem como querer dirigir sem ter referências de grandes clássicos do cinema. Eles são a nossa base para tudo, o verdadeiro estudo e aprendizado se encontram nesses filmes. Não tem como fazer Cinema, sem ter paixão pelo que faz.

O filme contou com o financiamento de patrocinadores e do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), desde o surgimento da ideia até ter o dinheiro na conta, quanto tempo levou?
Na cartela inicial, existe um crédito que diz que o projeto foi aprovado em 2011. Ou seja, foram exatamente 6 anos entre a aprovação no edital do FSA e o seu lançamento. Como eu disse anteriormente, fazer Cinema não é fácil. Precisa haver muita determinação e disciplina.

Assistir filmes pode ser o melhor curso de cinema, e sabemos que você é um grande cinéfilo, quais são suas referências para a construção deste filme?
Pedi para que todos os atores assistissem a 2 filmes clássicos: "Um convidado bem trapalhão", de Blake Edwards, e "Um dia de cão", de Sidney Lumet, pois são filmes que também falam sobre enclausuramento com muitas pessoas que não se conhecem. Foi fundamental que os atores assistissem, assim eles se sentiram mais seguros tendo essas referencias.

O que podemos esperar do seu próximo filme, pode nos contar?
Leo, tenho 2 projetos em edital, mas como falei acima, demora muito para ser aprovado. Ate lá, vou dando cursos, palestras e fazendo outros trabalhos. Filmar é apaixonante, mas nossa, a gente espera muito para fazer outro filme! hehehehehe

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