Um capítulo a mais

segunda-feira, 03 de outubro de 2016

Cada ano que passa eu demoro mais tempo pra escrever a crônica da nova idade. Sim, a crônica da nova idade, que virou tradição. Autoflagelo ao contrário: eu começo a escrever como quem se castiga por um ano inteiro de cinzas, mas, no fim, acabo com um puta orgulho de mim — e dessa folia que eu sou. Às vezes eu demoro a escrever justamente pela demora em reconhecer meus motivos de orgulho. Ou de folia.

Só a necessidade de escrever uma crônica da nova idade já demonstra todo o meu cerimonial ao lidar com essa coisa de nova idade. Recebo o dígito novo com o olhar juvenil de sempre — esse olhar de quem grita o que pensa e revela mais que esconde. Espera presente. Os erros, os defeitos, bastaria percebê-los — e um pouco de coragem e uma dose cavalar de boa vontade para resolvê-los, ou, como frequentemente acontece por aí, escondê-los até dar tempo para que as pessoas fiquem encantadas demais comigo para sair de mim. Mas, não. Nunca dá tempo. O que os outros escondem, eu catalogo, ponho título e rimo, busco até um sinônimo no dicionário. O que comumente se guarda para os cinquenta minutos de terapia, eu publico no jornal da cidade, com a minha cara estampada ali em cima. Acho que, no fim, só um escritor entende o outro. Só sendo bom sentidor pra sentir essa dor. Depois dos escritores, só mesmo as meretrizes.

Eu fiz 29 anos no dia 10 de dezembro passado e até hoje não escrevi a crônica da nova idade. Dia do palhaço, dos direitos humanos, aniversário de Cássia e de Clarice. E já são sei lá quantos meses com esse texto agarrado na goela, como um comprimido que não sobe nem desce — que nem desengasga nem cura. Eu nunca sei se eu já percorri meio caminho ou se eu ainda tenho meio caminho a percorrer, mas estou sempre no caminho que leva a algum lugar. 

Entrou dezembro em 2015 e o preparativo do bolo de aniversário, seus oitocentos natais e novecentos e quinze réveillons. Passou janeiro e carnaval, semana santa e dia da mentira. Passou mês de noiva, dia dos namorados e dia dos pais. Setembro já foi embora, já voltou a primavera e daqui a pouco teremos a companhia dos nossos velhos papais noéis. E então eu faço 30, com o compromisso de uma nova crônica. Ou pelo menos, um capítulo a mais.  

É isso, cada texto é só um capítulo a mais.

TAGS:

Ana Blue

Blue Light

O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.