Vira-latas

Por Carlos Emerson Junior
sexta-feira, 09 de setembro de 2011
por Jornal A Voz da Serra
Vira-latas
Vira-latas

Logo que me mudei para Nova Friburgo, chamou minha atenção a grande quantidade de cachorros de ruas, os populares vira-latas. Geralmente dóceis e silenciosos, passam a maior parte do tempo dormindo, invariavelmente perto de concentrações de bípedes, perdão, humanos, como taxistas, comerciantes e até no prédio da prefeitura.

Conversando com amigos, aprendi que aqui existe o chamado “cachorro comunitário”, que nada mais é do que um ou vários cães “adotados” por moradores de uma rua, que se encarregam de sua alimentação, água, banho e cuidados veterinários. Muito bom mesmo!

Pertinho aqui de casa moram três dessas figuras, um mestiço de pastor belga, completamente negro e muito bonito, e outros dois que lembram um labrador de pequeno porte. São educados, não perturbam ninguém e dificilmente são vistos latindo. Em vários pontos das ruas próximas, encontramos potinhos com água fresca e ração.

Passei a fotografar os vira-latas com regularidade, em pontos diferentes de nossa cidade. No entanto, a que seria a melhor foto não foi feita por falta de equipamento, vejam só. Estava caminhando por qualquer motivo na Alberto Braune, quando ouvi uma gritaria quase na esquina da Rua Augusto Cardoso. Corri para lá. A polícia desconfiou de dois “elementos” que tinham embarcado em um ônibus da Faol, entrou no coletivo e prendeu os dois que, por sinal estavam armados.

Enquanto os ladrões eram retirados do ônibus, formou-se uma multidão do lado oposto da avenida, ao lado da banca de jornal, para aplaudir a operação e vaiar os dois manés. O curioso dessa história é que de um lado da banca estavam os humanos e do outro cerca de vinte cachorros vira-latas, sem entender nada do que acontecia, mas intrigados com toda aquela confusão. Caramba, seria a foto perfeita!

Enfim, vida que segue. Vira-lata é a denominação dada a cães e gatos sem raça definida, os SRD, segundo os mais politicamente corretos (humanos, não os cachorros, por favor). O termo vira-lata deriva do fato de muito desses animais, quando abandonados, serem comumente vistos andando famintos pelas ruas revirando latas e sacos de lixos, à procura de alimento.

Segundo os veterinários, encontram-se SRD de todas as cores, tipos e temperamentos. Costumam ser muito inteligentes e afetuosos, variando de acordo com as características herdadas. Via de regra, o vira-lata resgatado das ruas tem um temperamento mais dócil, companheiro e vigilante do que os outros cães. Além disso, é mais resistente a doenças.

Seria o vira-lata o legítimo cachorro brasileiro? De certa maneira, temos algumas afinidades, seja na miscigenação, o “jeitinho”, disposição para enfrentar diversidades e a resistência. Não à toa a expressão de efeito “complexo de vira-latas”, criada pelo escritor Nélson Rodrigues para definir o complexo de inferioridade do brasileiro diante do mundo, ficou famosa, apesar de equivocada.

Os cachorros vira-latas são boas-praças, independentes e inteligentes. Nós também, só precisamos acreditar nisso.

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Vira-latas são felizes? Acho que sim, pelo menos se considerarmos seu ponto de vista. Quantas vezes não sonhamos em sair por aí sem destino, sem ordens, sem chefes, lenços ou documentos? O escritor americano Jack Kerouac, autor do consagrado livro “On The Road” (Pé na Estrada), afirmava que “há sempre uma estrada em qualquer lugar, para qualquer pessoa, em qualquer circunstância”. E não é que ele tem razão?

O conceito de felicidade varia de um para outro. Com a idade, acabamos aprendendo que a felicidade não se mede, ela simplesmente existe. Felicidade é um estado de espírito e, se nos lembrarmos o quanto a vida é efêmera e preciosa, deixaríamos sentimentos como rancor, inveja e ódio para trás.

Pensem um pouco nas pequenas coisas que nos fazem felizes. Um belo céu, uma música, um livro, uma roupa, um emprego novo, o gadget da hora, um filme, um sorriso, um rosto, um beijo, um momento de solidão, os amigos, saúde, amor, uma fé. Com certeza, seria uma lista interminável!

Claro que a vida não é linear e vai ser muito dura e injusta em algum momento mas aí vem o bom vira-latas, ensinando que o importante é ter água fresca para beber, sobra de comida para forrar o estômago, sombra para dormir e a solidariedade dos amigos. Ter pedigree é muito bom mas não devemos centrar nossa felicidade em torno disso. Como brinca jocosamente uma amiga, “gosto sim de coisas sofisticadas e de alto nível, mas também posso morar amarradona numa casinha de sapê achando que é um palácio de cristal…”.

Felicidade é isso aí!

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Tal qual os vira-latas, será possível ser feliz em Nova Friburgo? Sem dúvida e mesmo sabendo que dias incertos nos aguardam, temos esperança. E onde há esperança, está a felicidade.

carlosemersonjr@gmail.com

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