Uso de medicamentos psicotrópicos por crianças e jovens

O médico e psiquiatra Cesar Vasconcellos de Souza fala sobre os remédios que atuam no cérebro e dá dicas para que as crianças tenham mentes saudáveis sem precisar deles
domingo, 29 de novembro de 2015
por Cesar Vasconcellos de Souza
Uso de medicamentos psicotrópicos por crianças e jovens

Segundo o médico e farmacologista clínico, professor Antonio Carlos Zanini, da Universidade de São Paulo (USP), os brasileiros estão em 4º lugar como consumidores de medicamentos no mundo, perdendo apenas para norte-americanos, franceses e alemães. Em torno de 1998 havia no Brasil cerca de 55 mil farmácias, sendo que o ideal, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Brasil, seria 25 mil. Em nosso país de cada duas pessoas, uma se automedica. De cada três remédios vendidos, apenas um é receitado por médico.

Nós, brasileiros, somos muito medicados. Em países desenvolvidos consome-se três caixas de remédios por ano por pessoa sadia, enquanto que no Brasil se consome onze caixas por ano por pessoa sadia. Cerca de 50% dos medicamentos prescritos são desnecessários.

Muitas pessoas vão aos médicos porque querem tratamento. Mas tratamento é diferente de cura. Tratamento geralmente envolve o uso de algum medicamento. Enquanto que cura, envolve a mudança de aspectos do estilo de vida da pessoa, que poderá até eliminar alguns medicamentos que ela vinha usando porque passa a praticar algo saudável que naturalmente melhora a saúde.

Vejamos o uso, por exemplo, do estimulante metilfenidato, conhecido como Ritalina. Ele é indicado para pessoas com TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Pesquisa feita pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) pela psicóloga Denise Barros revelou um aumento de cerca de 800% no consumo do metilfenidato nos últimos 10 anos. Segundo a Junta Internacional de Controle de Narcóticos, ligada à ONU, o que o Brasil produzia e importava desta droga em 2003 passou de 122kg para 578kg em 2012, um aumento de 373%. A pesquisadora encontrou que foram consumidos 94kg em 2003 e em 2012 pulou para 875kg. Um aumento de 775%. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2010 foram vendidas 2 milhões e 100 mil caixas desta pílula sintética enquanto que em 2013 vendeu-se 2 milhões e seiscentas mil caixas.

Pessoas saudáveis que não apresentam critérios para o diagnóstico de TDAH ou qualquer outra doença que justifique o consumo desta medicação, têm usado a Ritalina na busca de melhorar o desempenho escolar. Este remédio é o estimulante mais consumido no mundo, mais do que todos os outros estimulantes juntos.

Peraltice não é hiperatividade

Muitas crianças que recebem diagnóstico de TDAH são, na verdade, peraltas, sem serem hiperativas. E muitos pais querem algo concreto para acabar com “o problema” do comportamento do filho sem atentar para as causas da alteração que a criança apresenta. O “mundo moderno” tem buscado soluções descartáveis, superficiais, sintéticas, feitas em laboratório, menos pensar da causa para o efeito. Quando nós, médicos, gastamos longo tempo na consulta para explicar as causas do sofrimento do paciente e evitamos oferecer um rápido atendimento seguido de prescrição de remédios, alguns pacientes não gostam porque estamos tentando mexer na causa do problema, que pode ser mais complexa do que pensamos. Mexer na causa em geral envolve tocar em coisas difíceis de serem abordadas e mudadas no estilo de vida da pessoa. É mais fácil sair da consulta com uma receita crendo que a química resolverá tudo. Não resolverá tudo.

Perguntas importantes a serem feitas quanto ao que fazer ao lidar com criança ou jovem agitado, ansioso, depressivo, podem ser: “Ocorreu algum distúrbio emocional importante nos parentes nas duas últimas gerações dessa pessoa? A maneira de pensar e agir deles pode ter contribuído geneticamente para o sofrimento psicológico desse indivíduo? Foram (ou são) avô, avó, pai, mãe, tio, tia, pessoas com diagnóstico de algum transtorno psiquiátrico, mesmo não tratado devidamente e mesmo talvez não tão severo, mas real? Esta criança ou jovem vem sofrendo numa famíia disfuncional, complicada? É uma criança mais sensível do que outras?” Ser mais sensível não é doença.

Um primeiro passo para lidar, por exemplo, com crianças agitadas é perceber se e o quanto os cuidadores dela são agitados também. Se são, eles também precisam mudar. Um segundo passo tem que ver com o cérebro. É difícil ou impossível mudar um comportamento ruim tendo o cérebro intoxicado. Estudo na Universidade de Southhampton (Inglaterra) com 153 crianças de 3 anos de idade, e 144 entre 8 e 9 anos de idade, mostrou aumento da hiperatividade nas que usavam corantes artificiais junto ou separado com o corante de refrigerantes, benzoato de sódio. Eliminando corantes da dieta da criança, a hiperatividade diminuiu e voltou a aumentar quando usado de novo. Dar à criança alimentação natural, vegetariana, permite ao cérebro funcionar melhor.

Proibido em crianças e adolescentes

O pediatra Sergio Spalter diz que crianças precisam se sentir seguras, confiantes e acolhidas. Mas, em vários momentos da vida elas não recebem esse tipo de atenção, muitas vezes por causa de brigas do casal, nascimento de um irmão, pais superocupados etc. A criança sente falta do aconchego, não sabe como lidar racionalmente com certas situações, daí tende a manifestar esta falta com agitação, rebeldia, tristeza, ansiedade, fobias, além de adoecer fisicamente sem causa etc. Diante de tal comportamento, os pais ficam ainda mais nervosos e estressados. Tensão estabelecida na criança, ciclo vicioso completado.

O psiquiatra especializado em infância, Fábio Barbirato, relata que 10% das crianças e jovens sofre de depressão e ansiedade. E ele chama a atenção quanto ao uso de medicações psiquiátricas: “É terminantemente proibido o uso de benzodiazepínicos (Rivotril e Frontal) em crianças e adolescentes.” Segundo ele só nos casos graves e como último recurso é que se usariam estas drogas. O Rivotril piora a memória e atenção, e causa dependência. E alerta: “A Paroxetina é proibida em adolescentes de 10 a 16 anos. Se for usada em crianças, aumenta em quatro vezes o risco de suicídio. Até os 9 anos, deve ser feita a psicoterapia como forma de tratamento antes de recorrer a estes remédios”. Ainda segundo Barbirato, estes medicamentos devem ser receitados por psiquiatras com título em psiquiatria da infância pela Associação Brasileira de Psiquiatria.

Números comprovam aumento de consumo

Em 2015 foram vendidas no Brasil cerca de 23 milhões e 470 mil caixas de Clonazepam, a química do Rivotril. Cinco anos atrás as vendas chegaram a menos de 11 milhões de caixas, segundo o IMS Health.

As pessoas estão com menor tolerância para certas emoções. Há aumento da irritabilidade, impaciência, e piora quanto a tolerar sentimentos dolorosos como tristeza e angústia. Daí querem “algo” que as livre rapidamente destas emoções. Mas a vida real não nos livra de tristeza e ansiedade. O caminho saudável é aprender a lidar com estes sentimentos sem lançar mão imediatamente de um remédio sintético. Podemos aprender a lidar com nossas dores, perdas e medos sem ficarmos dependentes de remédios.

Rivotril ou Clonazepam produzem efeitos colaterais importantes, como sonolência, fraqueza muscular, fala mal articulada, tremor, vertigem, dificuldades com memória, sedação, dificuldades na aprendizagem, etc. O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor na Universidade Federal de São Paulo e coordenador da Uniad (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas), comenta que três meses de uso do Rivotril já são suficientes para produzir uma dependência desta medicação.

Quer evitar que seu filho, criança ou jovem, seja medicado com psicofármacos (remédios que atuam no cérebro)? Faça o seguinte:

1) Acolha a criança, reservando um tempo diário, se possível, para ela.
2) Valorize as conquistas dela, mesmo que pequenas segundo sua avaliação.
3) Tenha regras claras em casa, para organizar a disciplina. Explique o que pode e o que não pode ser feito. Estabeleça os limites.
4) Não se irrite quando a criança quebrar uma regra, gritando com ela. Não fale dez vezes que ela errou. Não seja cínico com ela. Aplique a regra, sem ficar nervosa(a) e sem cara fechada. Não minta para uma criança.
5) Se ela quebrar de novo a regra, aplique a disciplina previamente combinada.
6) Depois da disciplina, não fique emburrado(a) com a criança. Ao ser multado, por exemplo, por alta velocidade, ninguém fica emburrado com a gente o dia todo. Pagamos a multa e pronto.
7) Elogie a criança quando ela faz qualquer coisa certo e diga com frequência o quanto você a ama.
8) Dê o exemplo para seu(s) filho(s) exercendo, como pai ou mãe, autocontrole emocional.

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