Teleco Ventura, um compositor friburguense

Através dele, autor de mais de 100 músicas, prestamos homenagem àqueles que transformam sons em partituras
sábado, 13 de janeiro de 2018
por Ana Borges
A música alivia, cura, embeleza, abençoa. A melodia captura a alma das pessoas, acentua lembranças, desperta sentimentos. Não dá para viver sem música. Tudo isso aí descreve a pessoa que Teleco é, e o músico que vive nele. “Sou o mais novo de cinco irmãos, e quando a minha deu um instrumento para cada filho, por ser o caçula, eu sobrei, porque os instrumentos eram caros. Mas logo ela percebeu como era importante pra mim, e quando chegou o Natal, foi o meu presente. Eu tinha 10 anos. E dos 5 filhos, eu fui o único que virou músico”, diz, brincando com a ironia do destino.

"Há música no ar, sons para serem ouvidos. Precisamos ouvir mais e melhor, fazer escolhas conscientes e inspiradoras”
O Dia Mundial do Compositor é comemorado em 15 de janeiro. E Nova Friburgo é privilegiada nessa seara: vivemos numa cidade rica, artisticamente falando, e a música ocupa um lugar de destaque, onde um número significativo de músicos e letristas nasceu e vive aqui. Para homenageá-los, escolhemos o compositor friburguense Teleco Ventura, autor de mais de 100 músicas. Artistas como ele, amadores ou profissionais, formados ou autodidatas, cada qual com seu talento produzem e costuram notas como só os mais sensíveis e criativos são capazes. Ouvem sons que passam despercebidos para a maioria de nós. E criam melodias que tocam nossos corações.

Desde o início de tudo, antes do surgimento do homem na Terra, o som já vibrava por aqui, estava em tudo. Nos céus, nas tempestades, na chuva, nos ventos, nos oceanos, nos pássaros, nas matas. Ao prestar atenção, como ocorria com o nosso maestro, o imortal Tom Jobim, em perfeita conjunção com a natureza, ele expressou, em toda a sua obra, e de forma definitiva, essa interação entre o homem e o seu habitat. Essa capacidade genial era resultado de sua sensibilidade e criatividade singulares.

Essas mesmas ferramentas estão presentes na caixinha de trabalho de Teleco, que ainda menino recebeu da mãe, uma criatura musical por natureza, pianista na igreja que frequentava - seu primeiro violão. E assim Teleco foi ser autodidata na vida. Vendo e ouvindo apresentações de conjuntos e bandas, em clubes, foi entendendo como as notas se sucediam, e foi aprendendo a tocar, sempre de “ouvido”, ou como prefere, de “olho”. Ao longo de sua existência, Teleco-Teco, como carinhosamente o chama sua prima, Adriana Ventura, acumulou cerca de 100 músicas, compostas em seus momentos de lazer, por prazer, inspiração, e até mesmo quando não estava (está) pensando em nada. É compondo, tocando, cantando, que Teleco alimenta seu espírito, clareia sua alma, se conecta com o que considera sagrado.   

Novo tempo com o teatro

“Certa vez, a Nara Leão disse que aprendeu a tocar de ‘olho’, não de ‘ouvido’. Acho que comigo é assim também, o som me leva, eu vejo a música chegando”, conta. Ao contrário da mãe, que estudou música na escola (Colégio Metodista Bennett, no Rio) e tocava lendo partituras quando era a organista da igreja metodista, em Friburgo. Já escrever a letra, não é assim tão fácil para Teleco. “Não domino a arte do letrista, para isso conto com parceiros melhores do que eu”, diz, rindo, com sincera modéstia. Mas, quem ouve “Me leva pra essa luz”, por exemplo, de sua autoria, discorda, porque ali está a prova de sua veia poética. “A música se instala na minha cabeça. Não trabalho com partituras, apenas gravo para não esquecer depois. Às vezes, no caminho entre a loja (Teleco é comerciante) e minha casa, faço uma música. Aí pego o violão e gravo. Quando prefiro que outro escreva a letra, procuro o parceiro que sei vai desenvolver bem a minha ideia. O Marcos Teixeira (Marreca) é um desses parceiros mais presentes. A gente tem uma sintonia legal, ele sabe o que a melodia está dizendo”.

Teleco não fica ansioso para compor, não se cobra. “Vou tocando o que já fiz, o que outros fizeram. Só quero tocar meu violão. Não sou um profissional da música, quer dizer, não vivo disso, não que eu não quisesse, mas a gente sabe como é difícil. Então, fazer música, para mim, é um deleite, embora não abra mão dessa atividade. Simplesmente, compor é fundamental na minha vida”, revela.   

Mas ele não foi sempre assim, tão “descomprometido”. Quando o ator e diretor (já falecido) Carlito Marchon, seu amigo de infância, o levou para o teatro, ele descobriu uma nova e fascinante forma de se expressar através de sua música. Foi convidado para fazer a música-tema de abertura e do final, a trilha, as vinhetas, enfim, música para cada personagem. Aliás, uma pequena parcela de sua obra para o teatro, está gravada no CD “Teatrando com Teleco Ventura”, uma produção do GAMA (Grupo de Arte, Movimento e Ação), por iniciativa do então presidente e fundador do grupo, o inesquecível Jaburu (Julio César Seabra Cavalcanti).

“Assim, descobri a magia do teatro, as possibilidades de novos caminhos para a música que eu fazia, até então. Eu tinha que adequar as composições aos personagens, ao cenário, a um conjunto de ações. Eu ia criando a trilha enquanto os atores construíam seus personagens, durante os ensaios. Um tinha cara de valsa, outro de chorinho, ou de rock’n’roll. Meu estilo musical é múltiplo, embora eu tenha uma queda por valsa. Quando aceitei fazer, pensei que ia ser complicado, mas, na verdade, foi fascinante, instigante. Mas, foi também, um divisor: a partir dali, fazer música virou compromisso para mim”, conta, rindo.

Após Carlito ter-lhe aberto as portas para o teatro, Teleco não se afastou mais. Trabalhou com a diretora e produtora Daniela Santi, depois se integrou à equipe do GAMA, a convite do Jaburu, para fazer a direção musical de uma peça. Nesse grupo, Teleco participou de inúmeros espetáculos, como “Em busca da água prometida”, de Ieda Lucimar, uma montagem que entrou para a história do cenário teatral de Friburgo e região. “Essa parceria com a Ieda, que eu nem conhecia pessoalmente, foi mágica. Letra dela, música minha. Parecia que tínhamos trabalhado a vida toda, juntos. Mas, só nos conhecemos no dia da estreia do espetáculo. Elogiou o trabalho e disse que eu havia feito exatamente o que ela tinha pensado. Foi uma parceria bonita, um encontro que simplesmente aconteceu e deu muito certo”, lembra.

Outro trabalho que Teleco destaca é “Um canto de amor a Friburgo”, que reuniu uma turma especial de compositores, e que ele gostaria de ver reeditado no bicentenário da cidade, em maio. E não se pode deixar de citar a montagem brasileira de “Os Saltimbancos”, com música do Chico Buarque. “Foi um trabalho gratificante, com o qual eu tive a felicidade de fazer novos arranjos, dar a minha versão para a montagem do Gama, em cima do trabalho do Chico”, relembra.

Processo de criação inspiração divina...

Valsas, cirandas, são gêneros que impulsionam a criatividade de Teleco. “Um dia fomos ensaiar o repertório de uma peça que o Jaburu estava montando, no teatro do Country, e por ali tinha uma exposição que estava aberta para visitação. Embaladas pelas músicas, as pessoas que estavam vendo a mostra começaram a se dar as mãos, ‘cirandando’ o que a gente estava tocando. Foi um daqueles momentos em que a gente se sente em outra dimensão, em perfeita harmonia com pessoas que a gente nem conhece, mas cria um laço de energia boa, que fica na gente para sempre, mesmo que nunca mais nos vejamos. Não importa quem sejam, seus nomes, onde moram. Tudo o que interessa, é o acontecimento, aquele encontro casual, efêmero, mas que cada um de nós vai lembrar pra sempre. A música propicia instantâneos como esses, únicos, que me parecem inspiração divina”, conta Teleco, emocionado.

Para ele, fatos como esses ficam na memória afetiva das pessoas, e, sem mais nem menos, vêm à tona quando se inicia um processo de criação. Voltam como ondas do mar, como vento, como ruído das folhas, como canto dos pássaros. Volta, inclusive, como silêncio.

“Como músico, eu vivo momentos inspiradores. Por isso estou sempre atento ao que hoje quase ninguém mais percebe. Há tanto para ser resgatado, há tanto sentimento dentro da gente, é tão bom dar um mergulho pra dentro da gente mesmo, ouvir o nosso silêncio, a pausa, estar só, estar consigo mesmo. As pessoas estão vivendo muito pra fora, para coisas que não acrescentam nada, que só aumenta o vazio de suas vidas. Há muito barulho, ninguém se ouve, ninguém presta atenção. É uma pena, porque o ar está cheio de música, há muitos sons, bonitos, para serem ouvidos. Precisamos ouvir mais e melhor, fazer escolhas conscientes e inspiradoras”, convida Teleco.

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