Sessão da Câmara novamente suspensa por manifestação pró-CPI da Saúde

População voltou a exigir investigação da pasta no plenário da casa na noite de terça-feira. Vereadores se posicionam
quinta-feira, 28 de maio de 2015
por Jornal A Voz da Serra
Pela segunda vez este mês uma sessão da Câmara foi suspensa ante a revolta de populares com a não instauração pelo Legislativo de uma CPI para investigar denúncias de possíveis irregularidades na Saúde (Amanda Tinoco/A Voz da Serra)
Pela segunda vez este mês uma sessão da Câmara foi suspensa ante a revolta de populares com a não instauração pelo Legislativo de uma CPI para investigar denúncias de possíveis irregularidades na Saúde (Amanda Tinoco/A Voz da Serra)

Crise. Difícil descrever com outra palavra o momento atual da relação entre o Poder Legislativo municipal e boa parte da população friburguense. Na noite de terça-feira, 26, pela segunda vez no mês uma sessão ordinária da Câmara de Vereadores foi suspensa mediante protestos pró-instauração da CPI da Saúde, antes que a ordem do dia pudesse ser devidamente cumprida.

E a situação não chegou a surpreender. Antevendo o tipo de pressão que poderia sofrer, o governo enviou diversos funcionários para o plenário, antes mesmo do início da reunião — de tal modo que ele já estava praticamente lotado quando os primeiros manifestantes começaram a chegar, sendo estes barrados ainda na entrada por excesso de lotação.

Claro que a iniciativa serviu apenas para exaltar ainda mais os ânimos, com direito a carro de som às portas da Câmara e muito barulho quando, finalmente, o manifesto teve autorização para ocupar o plenário, levando o presidente em exercício, vereador Marcelo Verly, a finalmente suspender a sessão. A reportagem de A VOZ DA SERRA estava lá para ouvir o que os vereadores tinham a dizer a respeito do imbróglio.

Pierre Moraes: “O poder Legislativo vem se tornando o papel higiênico do poder Executivo”

Uma das vozes mais exaltadas era a do vereador Professor Pierre. “O poder Legislativo vem se tornando o papel higiênico do Poder Executivo. Porque a porcaria quem faz é o Executivo, e depois manda para a Câmara limpar a sujeirada que eles estão produzindo por lá. O mais triste é que há aqueles [vereadores] que se submetem a se tornar papel higiênico do prefeito.”

Sobre o trâmite do recurso apresentado pelo vereador Cláudio Damião, questionando o modo como foi arquivada a proposta de CPI, Pierre também tinha questionamentos a apresentar. “É uma situação incompreensível, porque durante a sessão plenária fui fazer a pesquisa, como é normal no Sistema de Apoio ao Legislativo (SaPL), para ver onde estava o requerimento do vereador Cláudio Damião relativo ao recurso da CPI. Ele não aparecia no sistema, a partir da pesquisa do parlamentar Cláudio Damião. Levantei o questionamento sobre essa situação, e o vereador Nami Nassif se manifestou dizendo que tinha dado um despacho relativo ao recurso do Cláudio Damião, só que este despacho também não aparecia no sistema. Ante o meu questionamento a secretaria da Casa fez toda uma pesquisa dentro do SaPL e encontrou o requerimento, que não estava disponibilizado — ele estava oculto dentro do sistema — e então ele voltou a aparecer. E aqui há um dado interessante: ele aparece no momento da sessão, no dia 26/05. Todavia, foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no dia 12 de maio. Ora, isso é interessante! Afinal, como é que consta a apresentação dele no dia 26, se ele teria tramitado em data bem anterior? Esse é o primeiro questionamento. O segundo é que não se encontra no SaPL o movimento do despacho da CCJ alegado pelo vereador presidente. Ele diz que fez o despacho. Onde é que está esse despacho no sistema SaPL, que é o instrumento de transparência da Casa? Esse é outro ponto de questionamento levantado no plenário.”

Christiano Huguenin: “Tem que encarar o problema de frente! E não ficar dando barrigada e empurrando para depois”

O vereador Christiano Huguenin, advogado, explicou qual seria o trâmite normal para o recurso. “O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, tendo recebido o recurso, deve dar o seu parecer e distribuir o documento para que os demais membros da CCJ também possam exarar seus pareceres. Até o momento isso não aconteceu. Eu, como membro da CCJ, não recebi o documento e também não vejo motivo para que não se possa dar o parecer verbalmente na sessão de hoje [terça-feira]. Os membros poderiam se manifestar e, dependendo do resultado, julgar o recurso hoje mesmo e deliberar para o plenário. Não tem que ficar fugindo. A verdade é que não tem parecer nenhum da CCJ nesse sentido, muito menos do presidente.”

Perguntado sobre como acreditava que a situação deveria ser resolvida, Christiano foi direto. “Eu entendo que, uma vez que a sessão já foi interrompida, a Comissão de Constituição e Justiça poderia se reunir, dar seu parecer sobre o recurso, e então vir para o plenário deliberar, e ponto. Não tem que ficar prorrogando uma situação que já se arrasta aí há dois ou três meses, e quem só perde é a população. Se o governo não quer implantar a CPI, então que os vereadores que apoiam o governo venham aqui e digam claramente: ‘Nós não queremos implantar a CPI’. Ponto. Tem que encarar o problema de frente! E não ficar dando barrigada e empurrando para depois.”

Cláudio Damião: “Nada mais me causa espanto com um governo dessa natureza”

Autor da proposta de CPI e do recurso que questiona seu arquivamento por parte da mesa diretora, Cláudio Damião também tinha palavras duras para descrever a postura da Câmara diante do tema. “Existe um prazo de dez dias para encaminhar esse tipo de requerimento. Estão escondendo a possível resposta de CCJ, que não é encontrada em lugar nenhum. Nem o presidente da CCJ sabe onde está o parecer dele. A impressão que eu tenho é a de que ele sequer leu o recurso que eu apresentei. Se ele não tem como mostrar a resposta que ele tem ao meu recurso, então ele poderia dar a resposta aqui em plenário como fez várias vezes com matérias do Executivo. E causa espanto... Aliás, nada mais me causa espanto com um governo dessa natureza, não é? O prefeito requerer a presença dos servidores dos cargos comissionados à Câmara para que ocupassem os lugares a fim de evitar que o movimento social, que as associações, os sindicatos e a população que é favorável à instauração da CPI e contrária aos abusos cometidos por esse governo pudessem comparecer e fazer seu protesto. Mas nem nisso eles conseguem ser eficientes, não é? Porque só faz com que irrite mais ainda a opinião pública, com que crie mais revoltas ainda à população. E até dentro do corpo de servidores, que está se sentido usado, colocado numa situação aviltante. Porque alguns sequer sabiam que a votação seria sobre a CPI. Foram convocados aqui sem saber inclusive por que estavam vindo aqui. Então é um prefeito sem rumo, sem direção, e com uma base de representação na Câmara de mesma natureza. Eu fico impressionado com o que eles fazem, porque se eles não querem a CPI é porque deve ter muita coisa, muita coisa para esconder. Então nós temos que forçar a mão, brigar, insistir, e essa CPI tem que vir. Porque é o dinheiro público, é o interesse público, é a vida das pessoas, é a negligência, a omissão desse governo, e a gente não pode deixar isso passar do jeito que está passando”.

Zezinho do Caminhão: “Hoje eu me sinto envergonhado de ser um representante da Câmara Municipal de Nova Friburgo”

Um dos vereadores mais críticos em relação ao andamento dado à sessão era Zezinho do Caminhão. Após ter seu microfone cortado ainda no início das atividades, o parlamentar fez diversas críticas ao que classificou como uma postura autoritária vinda da presidência da Casa. “Essa Câmara tem cometido arbitrariedades aos montes. Agora o vereador está fazendo uso do microfone, dentro de uma questão de ordem, que é um direito do parlamentar, e aí vem de cima para baixo um autoritarismo muito grande da presidência e corta o microfone do vereador porque a fala não está agradando. As falas que agradam aqui são referentes ao Executivo. Hoje [terça-feira] a Câmara está desesperada porque em várias votações que estavam previstas o governo está em minoria, ele perderia todas. Os requerimentos seriam todos aprovados, a questão da CPI da Saúde seria aprovada... Então hoje usaram de vários artifícios para a sessão ser interrompida — ao todo foram três interrupções. O plenário está repleto de membros do Executivo em cargos de confiança, e mesmo tendo ainda várias cadeiras desocupadas a entrada foi fechada para que a população não subisse. Novamente, uma atitude arbitrária e de autoritarismo da presidência da Casa. Eu fico envergonhado. Esse tipo de coisa empobrece muito a instituição Câmara, não dá para o parlamentar atuar dessa forma. Hoje eu me sinto envergonhado de ser um representante da Câmara Municipal de Nova Friburgo. Com esse tipo de atitude é inconcebível a população bater palma para essa instituição. Cada vez a população vai se afastar mais, e a falta de credibilidade vai ser cada vez maior. Eu só quero saber como é que essas pessoas, que lançam mão deste tipo de artifício, em 2016 vão ter coragem de bater nas portas para pedir voto de confiança e ser representante dessas classes.”

Wellington Moreira: “Aqui nós temos políticos que representam o prefeito e temos políticos que representam o povo”

Sempre duro em suas críticas, o vereador Wellington Moreira foi o primeiro a utilizar o termo “manobra” ao se referir à tentativa de encher o plenário com funcionários comissionados do governo. “A gente mais uma vez está vendo uma vergonha, uma manobra política na Câmara Municipal. Eles estão pensando que impedindo as pessoas de subirem ao plenário elas não vão ficar sabendo do que acontece aqui dentro. Mas eles precisam entender que nós temos a TV Câmara, as sessões são transmitidas para as pessoas em casa, e elas vão ficar cada dia mais indignadas. Peço apenas à população que observe atentamente quem são os vereadores que estão com eles, porque aqui nós temos políticos que representam o prefeito e temos políticos que representam o povo. E aqui nós vimos mais uma vez que não houve respeito para com os vereadores, não houve respeito para com o vereador Cláudio Damião, e eu espero que daqui para frente isso mude. Mas, infelizmente, a gente está vendo aqui que hoje a Câmara nada mais é do que o quintal da Prefeitura. Político tem que ser honesto e transparente, tem que ter caráter. Esse é um governo que não tem nada de transparente, e é podre.”

Nami Nassif: “Estão agindo de má-fé comigo e com a Comissão de Constituição e Justiça”

Citado por diversos parlamentares, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Nami Nassif, também tinha sua versão sobre os fatos. “Recebi o recurso no dia 12, e lá pelo dia 15 eu despachei ele para cumprir as exigências. Não dei meu parecer, até porque o que me entregaram três folhas com o ofício, supostamente de um recurso, mas não entregaram todo o procedimento do processo anexado. Estava sem registro, sem nada. Entregaram três folhas para que eu assinasse. Não estava o despacho do presidente, não tinha o número do processo, não tinha nada quando me entregaram isso. Mas eles foram surpreendidos porque eu joguei meu despacho no SaPL, justamente para que as pessoas não ajam de má-fé, como agora estão agindo de má-fé comigo e com a Comissão de Constituição e Justiça.”

Perguntado sobre qual seria o trâmite normal nesse tipo de situação, Nami expressou seu entendimento. “Esse recurso na verdade foi de autoria do vereador Cláudio Damião, e ele não sabe explicar se foi o presidente que praticou o ato [de arquivar a proposta de CPI] ou foi a mesa diretora. Ele não sabe explicar. Porque na verdade nós temos que entender o seguinte: o regimento interno prevê o recurso contra um ato do presidente, e o recurso dele diz justamente que o presidente não praticou o ato, mas sim a mesa diretora em conjunto. Mas eu não estou nem entrando nesse mérito, porque primeiro preciso analisar todas as questões. Mas uma delas eu já vou levantar de uma vez: se a CPI, como eles estão argumentando, com um terço das assinaturas dos vereadores é instaurada pela mesa diretora, porque sustenta o direito da minoria, como é que pode o plenário da Câmara deliberar se vai instaurar CPI ou não? Aí passa a ser direito da maioria, então o entendimento dele é incoerente e a CPI não está instaurada. O que acontece: eu, como presidente da Comissão de Constituição e Justiça, tenho que analisar diversos imbróglios jurídicos com muita calma. Eu e todos os demais membros da comissão, porque se eu tomar uma decisão errada, eu posso levar um mandado de segurança do presidente ou do governo municipal, então eu tenho que ser juridicamente imparcial. Agora, eu lamento muito o vereador Cláudio Damião estar todos os dias aqui na Casa, passar por mim e não me perguntar sobre o recurso, e agora vir me indagar no plenário e depois tentar me desmentir dizendo que não está registrado no SaPL. Está registrado sim, e depois vieram reconhecer que encontraram o despacho lá no SaPL. Esse tipo de política eu não faço, não vou fazer nunca. Eu acho que a Saúde é muito séria para que se faça política com ela. Existem várias deficiências na Saúde, e eu lamento tudo isso. Eu acho que aqueles que votaram contra a instalação de um projeto de OS (Organização Social) para as UPAs, aqueles que votaram contra a contratação de médicos por OS para suprir a necessidade da Saúde no município, quem votou contra a Comissão Especial para apurar a administração da Saúde na Câmara aqui, eu acho que essas pessoas não estão querendo melhorar a Saúde, estão querendo é palanque. Eu não vou entrar nesse jogo político, a minha questão é jurídica e tomarei todas as questões possíveis dentro da legalidade, para não beneficiar nem A nem B. Esse recurso na verdade é contra ato do presidente. O que ele quer que eu faça é o seguinte: eu posso entender, dentro dos imbróglios jurídicos, que nossa legislação fala em dois terços para a instauração de CPI, então é preciso ter cuidado para não criar um precedente nessa casa e depois cair tudo por terra. E amanhã sofrer um mandado de segurança por cometer uma ilegalidade”.

Luis Fernando: “Todos os vereadores deveriam se unir com as melhores intenções, para tentarmos ajudar a Saúde em Nova Friburgo”

Diretamente envolvido na questão por ser ex-secretário da pasta, Luis Fernando Azevedo também manifestou sua opinião sobre o caso. “Se tivesse CPI enquanto eu era secretário de Saúde, por mim não teria problema. Eu não devo nada a ninguém, como já falei em outras oportunidades. Muitos querem agredir, levam para o lado pessoal, porque querem de alguma maneira atrapalhar o [lado] político. Mas não pensam na população. A verdade é a seguinte: ser secretário de Saúde, lidar com Saúde, é muito complicado, muito difícil. Não é fácil mesmo. O que eu acho é que hoje, por exemplo, a pauta de CPI nem estava na casa. De repente vem uma multidão que só conhece um ou dois vereadores e vem fazer as colocações. É legal, faz parte da democracia, mas seria mais justo se estivesse na pauta. Essa questão não estava nem na pauta para ser julgada, não é? Minha opinião é a de que todos os vereadores deveriam se unir com as melhores intenções, para tentarmos ajudar a Saúde em Nova Friburgo. Independente de partidos políticos, ou de compor base governista, oposição ou ‘centrão’.”

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