Saúde em foco: farpas, ironias e provocações na Câmara Municipal

Sessão específica foi descrita como “terapia de grupo” por membro do Conselho Municipal de Saúde
quarta-feira, 30 de março de 2016
por Ivan Correia
Sessão específica da Câmara, convocada por Zezinho do Caminhão, discutiu a saúde no município (Foto: Marcio Madeira)
Sessão específica da Câmara, convocada por Zezinho do Caminhão, discutiu a saúde no município (Foto: Marcio Madeira)

Às 0h07 da quarta-feira, 30, o relógio do painel eletrônico da Câmara marcava o fim de mais uma sessão. Logo abaixo, a duração: cinco horas e 31 minutos. Descrita por um membro do Conselho Municipal de Saúde como “uma terapia de grupo”, a sessão específica sobre saúde em Nova Friburgo foi marcada por farpas incidentais, provocações irônicas e algumas indiretas. Convocada pelo vereador Zezinho do Caminhão, o objetivo da sessão foi debater a saúde local. Para isso, foram convidadas autoridades do Executivo para prestarem esclarecimentos, entre elas o prefeito Rogério Cabral, além da Defensoria Pública e do Ministério Público.

Compondo a mesa com os vereadores estavam o secretário de saúde, Rafael Tavares Garcia, o diretor-geral do Hospital Raul Sertã, Paulo Coelho, o diretor-médico do hospital, Bruno Furtado, além da representante do Conselho Municipal de Saúde, Ilma Santos. Tanto a Defensoria quanto o MP não enviaram representantes à sessão. O prefeito não compareceu. Entre os vereadores, o único ausente foi Renato Abi-Ramia, embora seu nome constasse como presente no painel eletrônico. Já a plateia estava praticamente vazia.

Zezinho abriu a sessão apresentando os dois principais pontos de pauta: uma eventual demora na marcação de exames e dificuldades na realização de cirurgias eletivas. “Já passaram vários secretários e a situação só piora”, disse o vereador, que a certa altura mencionou seu próprio quadro de saúde: “Eu mesmo preciso fazer uma endoscopia. Não tenho plano de saúde, mas, sinceramente, vou pagar um exame particular porque não tem como esperar isso tudo. Agora, e as pessoas que não tem recursos, como fazem?”. O parlamentar disse também que “o assistencialismo precisa acabar”, afirmando que é comum a população procurar vereadores para pedir que intercedam diretamente em seu favor para conseguir marcação de exames ou outros procedimentos no hospital.

O secretário de saúde e o diretor-geral do hospital reconheceram que não é possível oferecer à população a agilidade e a eficácia desejada, mas foram diretos ao explicar o porquê desse deficit qualitativo, além de oferecerem alguns contra-argumentos para as críticas dos vereadores. O secretário Rafael Tavares mencionou que muitos dos que atacam a gestão da saúde não conhecem o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e sua natureza tripartite de financiamento, atribuindo a responsabilidade, erroneamente, à uma suposta falta de boa vontade e competência política.

Tavares ponderou que críticas muito genéricas, por mais incisivas que sejam, em nada contribuem para se resolver a questão da saúde. Convidou: “Qualquer um que tenha uma crítica objetiva pode me procurar. Vou responder, ainda que muitas vezes possa não agradar”, disse ele completando: “Algumas vezes a resposta a um pleito será um ‘não’, mas desafio qualquer um a sair de meu gabinete sem, pelo menos, uma explicação objetiva para o porquê desse não”, enfatizou.

Já Paulo Coelho mencionou que uma sucessão de supostas “denúncias” através de mídias sociais são flagrantemente falsas e só geram confusão no setor. Citou um caso onde foi alegada falta de soro antiofídico no município e que uma paciente corria risco de vida pela falta do soro, após ser picada por uma cobra. Revelou que não só o município tinha estoque e que a paciente o recebera. O secretário lembrou que a crise financeira que atinge o país só fez agravar ainda mais a situação, uma vez que o deficit nos repasses de verbas federais é grave, sendo as áreas de saúde e educação as mais afetadas pelo ajuste fiscal proposto pelo governo federal.

Rafael Tavares ponderou ainda que é importante avaliar a situação da saúde com proporcionalidade, ou seja, não se levar em consideração somente aquilo que deixa de ser feito. Argumentou que, quando considerados a progressão daquilo que é realizado (número de atendimentos realizados, cirurgias, exames e reformas estruturais feitas), a avaliação da atuação de sua equipe seria outra.

Ele observou também os limites de ingerência de sua pasta para a solução da carência de alguns serviços e exames, citando como exemplo licitações que, por falta de interesse de parte da iniciativa privada, terminam desertas (licitações onde nenhuma empresa comparece para competir), dificultando ainda mais o aprimoramento da gestão. Além disso, lembrou a sucessão de quatro prefeitos e 11 secretários de saúde em um espaço de oito anos como um dos entraves para que a gestão possa contar com um planejamento de longo prazo adequado e eficaz.

Parlatório

A maior parte da sessão foi ocupada pelas falas da quase totalidade dos vereadores. A imensa maioria citou a extinção da Fundação Municipal de Saúde e a consequente mudança no modelo de gestão da pasta como uma das principais razões para o agravamento da crise no setor. Muitos argumentaram que, como a atribuição da forma de administração do Executivo cabe ao prefeito, não votaram contra a proposta de extinção da Fundação, apesar de discordarem. Alguns vereadores de oposição, como Cláudio Damião, foram mais incisivos e ironizaram: “Muitos vereadores ficam aqui dizendo que a culpa é a extinção da Fundação, mas se votássemos contra iam dizer agora que o problema seria o contrário”, pontuou.

Outro aspecto que permeou a fala de alguns vereadores foi uma crítica ao caráter vago das colocações de seus colegas. “Estamos, mais uma vez, desperdiçando uma oportunidade de fazermos as perguntas que o povo quer ouvir”, disse o vereador Gabriel Mafort. Nesse sentido, alguns vereadores, como Damião e o próprio Mafort, tentaram fazer questionamentos mais precisos, falando da necessidade de uma reforma estrutural na gestão da Saúde que privilegiasse as unidades básicas nos bairros mais populosos desafogando a demanda do hospital. Mesmo assim, a maioria acabou perpassando demandas muito pontuais e específicas, como a transferência de uma médica cubana de volta ao bairro onde foi originalmente lotada e questionamentos sobre pacientes específicos que aguardavam cirurgia no Raul Sertã.

Alguns vereadores, entre eles Alcir Fonseca e Gustavo Barroso, enalteceram o trabalho da equipe de Tavares, mesmo reconhecendo os desafios que o setor enfrenta. Ainda assim, todos os vereadores fizeram questão de celebrar a competência e dedicação dos funcionários do hospital e de outras unidades de atendimento, muitos chamando-os de “verdadeiros heróis”.

A temperatura aumentou um pouco quando chegou a vez do vereador Ceará, que questionou diretamente o diretor-geral, por exemplo, a respeito de sua qualificação para ocupar o cargo e o fato do mesmo “andar pelo hospital portando arma”.

O vereador Marcelo Verly, no entanto, disse em tom irônico: “Estou esperando até hoje, sentado, a indicação por parte da oposição de um nome, unânime, que pudesse substituir o doutor Rafael Tavares na Secretaria de Saúde. Lancei esse desafio aqui há alguns meses, solicitando em especial àqueles que são mais críticos pudessem se reunir, assinar um documento apoiando esse nome e eu o encaminharia ao prefeito, que assumiu comigo o compromisso de implementar essa medida. Até hoje, isso não aconteceu. Graças a Deus eu estou sentado, porque senão eu estaria um pouco mais cansado do que o habitual. Eu não tenho dúvida que a melhor posição hoje é a de estilingue. O dia que o estilingue virar vidraça... Se é que vai virar um dia”, enfatizou Verly, lembrando as dificuldades enfrentadas devido ao ajuste fiscal do governo federal e os efeitos da perda dos royalties de petróleo para o estado do Rio, além de frisar a importância da estabilização do quadro funcional da saúde para que seu futuro seja mais promissor.

Conclusão?

Tavares e Coelho foram ainda mais incisivos em suas respostas aos vereadores. “Entramos juntos e, por isso, se for o caso, sairemos juntos. Se um sair saem todos”, disse o secretário ao se referir a uma eventual saída ou demissão de um dos membros da direção do hospital ou até mesmo do próprio secretário. Disse, ainda, com ironia: “Fique à vontade, Verly, para me substituir”. Rafael Tavares defendeu o diretor-geral do hospital, lembrando que o SUS conta com um sistema de regulação que avalia a qualificação técnica de todos que ocupam cargos de chefia na área da saúde, entendendo sua formação como adequada e suficiente.

Coelho, por sua vez, defendeu com tranquilidade o fato de portar arma de fogo no hospital uma vez que é militar da Marinha, com capacidade técnica para exercer seu direito à porte legal de armas. Zezinho do Caminhão criticou a falta de realização de alguns exames, insistindo que o secretário de Saúde remetesse lista detalhada com aqueles que se encontram disponíveis e com atendimento regular.

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TAGS: saúde | Câmara Municipal de Nova Friburgo
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