Por que a maioria das mulheres vítimas de violência retira a queixa?

Em Nova Friburgo, número de pedidos ultrapassa os 70% na Deam
quarta-feira, 08 de março de 2017
por Alerrandre Barros
Delegada Danielle Barros (Foto: Henrique Pinheiro)
Delegada Danielle Barros (Foto: Henrique Pinheiro)

“Ele está indo na igreja, no AA [Alcoólicos Anônimos] e fazendo tratamento psicológico. A gente voltou e agora estamos bem.”

Foi essa a frase que Maria* disse na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) para justificar o pedido de retirada de queixa contra o marido que, em dezembro do ano passado, atirou contra ela no distrito de Lumiar. A mulher não foi atingida pelos disparos durante uma briga do casal, mas o homem foi preso. No início deste ano, ele conseguiu um habeas corpus e a tentativa de feminicídio segue na Justiça.

Em Nova Friburgo, mais de 70% das mulheres vítimas de violência doméstica e que denunciaram o agressor na Deam pediram para tirar a queixa no ano passado. A Lei Maria da Penha define que a renúncia à representação só pode ser feita durante audiência específica e na presença do juiz. E é isso o que acontece com a maioria dos casos na cidade.

“O grosso das ocorrências de violência contra a mulher em Friburgo envolve agressão física, lesão corporal dolosa e ameaça. Mesmo que a vítima peça para retirar a queixa, a investigação continua na delegacia e encaminhamos o inquérito para o Ministério Público, mas como nesses casos a vítima não colabora com as investigações, o processo acaba arquivado. Quando o caso é muito grave, como feminicídio, por exemplo, não, o processo continua”, conta a delegada titular da Deam, Danielle de Barros.

As mulheres vítimas de violência doméstica são encaminhadas para exames de corpo de delito e também para atendimento especializado no Centro de Referência da Mulher (Crem). Para a coordenadora do órgão, psicóloga Débora Spezanes, é preciso enfatizar que a efetiva aplicação da Lei Maria da Penha é fator essencial para a proteção da mulher e seus filhos, assim como o apoio psicológico, jurídico e assistencial para que se rompa esse ciclo de violência e as mulheres consigam efetivamente resgatar suas vidas e cidadania.

“Existem situações em que as mulheres, mesmo correndo risco de morte, retiram a queixa pelo simples fato de estarem ameaçadas pelo agressor, por dependência econômica ou simplesmente porque o mesmo muda sua atitude e elas acreditam nessa mudança, aliás é o que a maioria das mulheres deseja. No entanto, assim que os agressores se veem livres do processo passam a agredi-las novamente e a reagir com mais violência. É o chamado ciclo da violência, que se não for estancado com a ajuda de profissionais capacitados pode realmente levar essa mulher a óbito”, avalia a coordenadora do Crem.

A delegada Danielle acredita que é preciso oferecer também tratamento especializado para o agressor. Ela contou nesta terça-feira, 7, que está desenvolvendo um projeto em parceria com o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) para que o homem também tenha acompanhamento psicológico a fim de evitar reincidência.

“Há casos na delegacia de casais que vão e voltam várias vezes. Esse é um relacionamento doentio. O casal precisa de tratamento, seja para continuar a relação ou terminar de vez. Por isso, acredito que não basta a mulher ser atendida pelo Crem ou pelo Projeto Arca (Atenção e Respeito à Criança e ao Adolescente). É necessário que o homem também seja acompanhado por psicólogos, assistentes sociais. Eu quero trazer isso para a Deam”, defende Danielle.

Agressão contra elas

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) divulgou nesta semana que 118 novos casos de lesão corporal contra mulheres são registrados todos os dias nas varas judiciais do estado. Nos últimos seis anos, quase 260 mil ações por lesão corporal contra mulheres foram ajuizadas, cerca de 195 mil casos de ameaças contra mulheres foram registrados e mais de 120 mil medidas protetivas de urgência foram expedidas pela Justiça.

Por causa desse grande número, o tribunal participa da Semana da Justiça pela Paz em Casa, criada pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, com o objetivo de julgar o maior número de crimes relacionados à violência doméstica e de gênero. Os juízes responsáveis por crimes como feminicídio intensificarão a realização de audiências e de júris de processos que envolvam crimes de violência doméstica contra a mulher.

“Nesta campanha, buscamos fornecer maior agilidade aos julgamentos, aumentando o número de audiências e julgados em sentenças proferidas neste período. Talvez possamos atribuir o histórico de elevação desses dados de violência contra a mulher à maior divulgação da própria lei Maria da Penha, à qualificação do crime de feminicídio como uma peculiaridade do crime de homicídio envolvendo a violência de gênero, e possamos ter um retrato mais fidedigno dos números dos dados estatísticos”, disse o juiz auxiliar da presidência do TJRJ, Marcelo Oliveira.

Desde que foi lançada em março de 2015 a Semana da Paz em Casa, os magistrados fluminenses que atuam nos 11 Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher em todo o estado (cinco deles na capital) realizaram 7.932 audiências e proferiram 6863.

*O nome é fictício para preservar a vítima.


#NãoàViolênciaDoméstica (Box)

O que fazer em caso de agressão física?
A primeira coisa é ir à delegacia mais próxima e registrar um boletim de ocorrência. Em todos os casos de violência, é recomendado que a vítima procure uma delegacia o quanto antes, para que os indícios e marcas da agressão não sumam, assim, haverá mais provas.

Como funciona este procedimento?
O delegado irá instaurar um inquérito policial e encaminhar a vítima para o Instituto Médico Legal (IML), para registrar os vestígios da agressão em corpo de delito. Ele também vai oferecer medidas protetivas de emergência, em até 48 horas.

Quais são essas medidas?
Tirar o agressor do lar, determinar uma distância mínima entre a vítima e o agressor e encaminhar a mulher para um abrigo, cujo endereço é secreto.

O que uma mulher deve fazer se for ameaçada?
Ela pode se dirigir à delegacia e registrar a ocorrência. A palavra da mulher é de grande valia nestes casos. Após o registro da ocorrência, a Polícia Civil vai investigar o caso e encaminhar para o fórum. Provas e testemunhas auxiliam no inquérito, como mensagens de texto, áudios, familiares ou vizinhos que presenciaram as ameaças.

O que acontece com o suposto agressor durante o processo de investigação e caso seja condenado?
O suspeito vai responder criminalmente e, se condenado, pode ser preso. Caso alguma medida protetiva seja descumprida, a prisão preventiva pode ser decretada. Quando a pessoa é indiciada, consta nos antecedentes criminais se o processo foi arquivado ou se houve condenação.

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TAGS: violência contra a mulher
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