Nova Friburgo e a Hungria

Confira a entrevista exclusiva com Norbert Konkoly, embaixador da Hungria no Brasil
sábado, 07 de novembro de 2015
por Márcio Madeira
Nova Friburgo e a Hungria

Jovem, fluente em português a ponto de usar gírias com propriedade, íntimo de nossa cultura a ponto de fazer piadas com ditados e citações literárias, adepto de esportes radicais, apaixonado por samba, informal e acessível. Norbert Konkoly, embaixador da Hungria no Brasil, é a própria antítese do velho estereótipo do diplomata sisudo, cercado de protocolos e, por vezes, decorativo.

Visitando Nova Friburgo por ocasião da sessão específica da Câmara Municipal realizada no dia 29 de outubro, em homenagem aos países formadores de Nova Friburgo, Norbert Konkoly conversou durante cerca de uma hora com a equipe de A VOZ DA SERRA, dando uma visão bastante precisa e atual a respeito das relações entre Brasil e Hungria, e também dos desafios da crise humanitária que tem custado a vida de tantos refugiados na Europa.

A VOZ DA SERRA: Nós precisamos começar esta entrevista perguntando como surgiu essa ligação do senhor com os países de língua portuguesa, e por que o senhor aprendeu o idioma português.
Norbert Konkoly: Eu comecei a estudar português durante os meus anos na universidade em Moscou. Naquela altura todos os húngaros, e todos os alunos da Europa Central e do Leste Europeu que gostariam de estudar diplomacia ou relações internacionais, tinham que estudar em alguma universidade de Moscou.

E por que português?
Para dizer a verdade, foi o português que escolheu a mim. Em 1986, havia o planejamento de distribuir as línguas entre os alunos para que houvesse um especialista em cada idioma dentro de cinco anos. Então este foi um planejamento que não partiu de mim, mas eu rapidamente aprendi a gostar da língua, e também da cultura e da história de Portugal, de Angola, do Brasil... E depois eu não trabalhei num país de expressão portuguesa durante 18 anos. Na minha carreira profissional eu trabalhei quatro anos no Canadá; depois eu trabalhei em Budapeste por mais quatro anos; depois no Ministério; depois outros quatro anos na embaixada húngara em Londres; depois mais um período em Budapeste, onde fui chefe de departamento para as Américas, e por fim, em 2010, eu tive a honra de ir a Lisboa — e por isso tenho um sotaque mais próximo ao português de Portugal, misturado com sotaque do Distrito Federal e húngaro, tudo junto! (Risos). Em Portugal eu já comecei a organizar fóruns de negócios em Lisboa com os empresários brasileiros que atuam por lá, e fizemos um intercâmbio muito interessante envolvendo brasileiros, portugueses e húngaros.
 
O senhor está no Brasil há pouco mais de um ano. Dentro de sua longa experiência diplomática, o que nosso país está acrescentando à sua história pessoal?
É claro que todos os estrangeiros, todos os embaixadores gostam do Brasil por causa do clima, do sol, do mar, de tudo. Mas eu acho que encontrei aqui uma coisa que não se encontra em outras regiões do mundo, que se chama calor humano. Essa é uma atitude muito positiva aos estrangeiros, e também aos brasileiros entre si, que é um grande valor adicionado ao Brasil. Por isso gosto muito daqui, e tenho gostado tanto de viver aqui neste último ano.
 
Como o senhor descreveria a relação atual entre Brasil e Hungria?
Brasil e a Hungria vivem uma dinâmica muito forte. No último ano nós começamos muitas coisas. A Hungria declarou uma política que chamamos de “abertura para o sul”, e dentro deste direcionamento nós vamos prestar mais atenção ao Brasil do que antes. Abrimos um consulado-geral em São Paulo em abril. Lá existem cem mil húngaros, numa grande comunidade que começou a se formar durante a Primeira Guerra Mundial e continuou a crescer após a Segunda Guerra, e após a nossa revolução de 1956. É uma comunidade ativa, tem grupos de danças folclóricas, e grandes empresários. Há um empresário húngaro, por exemplo, que abastece de carne 5400 restaurantes em São Paulo. No Rio de Janeiro, por sua vez, nós abrimos uma casa de comércio para fazer mais relacionamentos, mais negócios, para facilitar o acesso de empresários brasileiros ao mercado húngaro, e também de empresários húngaros ao mercado brasileiro.
 
No plano da Educação a Hungria também se tornou um parceiro especial para o Brasil…
A Hungria é muito popular entre os estudantes brasileiros. Inclusive, quando eu entreguei minhas cartas credenciais à senhora presidente Dilma Rousseff ela logo perguntou: “Ah, o senhor é o novo embaixador da Hungria, então me diga, como a Hungria se tornou tão popular nesse programa de Ciência sem Fronteiras?” De fato, a Hungria já recebeu 2.400 alunos brasileiros em suas universidades. Provavelmente nós somos proporcionalmente o destino que mais recebe estudantes brasileiros em todo mundo, considerando-se o tamanho de nossa população. E sim, nós temos um segredo por trás deste sucesso. O primeiro é a própria Budapeste, que é uma cidade muito bonita e cheia de maravilhas históricas. Outro fator é que a educação húngara tem um nível muito elevado. A maior parte desses alunos cursa engenharia, e eles não apenas passam o ano nas salas de aulas, mas também participam da produção nas usinas, nas fábricas, tendo uma formação bastante prática.

Dentro deste contexto de uma relação que vem se aquecendo nos últimos anos, como o Sr. avalia uma iniciativa como a da cidade de Nova Friburgo, buscando renovar essas relações com as origens através das ativas comunidades de seus países formadores?
Eu gostaria de parabenizar essa iniciativa de Nova Friburgo. Conhecer as raízes e a história de um povo, de uma nação, é muito importante para que se possa planejar o futuro, para viver a vida da melhor forma no hoje e no amanhã. Temos aqui uma comunidade húngara que não é muito grande — não tem cem mil húngaros como acontece em São Paulo (risos) — mas é muito visível, muito ativa, com este nosso tesouro nacional que é a Dona Eva (Bito), uma pessoa de muita força e muita energia para fazer coisas que possam estreitar as relações entre a Hungria e essa comunidade de Nova Friburgo. Aceitar esse convite foi uma honra para mim, e chegar aqui e ver todo esse programa de ontem [29 de outubro] muito bem planejado, muito bem pensado, com muito respeito, com a presença do presidente da Câmara Municipal, do prefeito, dos vereadores, das autoridades, dos convidados e dos representantes dos outros nove países, foi uma experiência única. Gostei muito da cidade e gosto desta energia, porque as pessoas daqui querem fazer alguma coisa boa pela cidade, e pelas comunidades que fundaram e contribuíram para a formação da cidade.

Nova Friburgo tem a intenção de ter Sopron como uma cidade irmanada. O que o Sr. pensa a este respeito, e quais os benefícios que esta relação pode trazer à duas cidades?
A irmandade entre as cidades é muito importante porque as comunidades civis, as cidades, os municípios podem encontrar parceiros numa relação direta, independente dos governos. E Nova Friburgo escolheu uma cidade muito bacana na Hungria, próxima à fronteira com a Áustria, numa região que tem muitas coisas parecidas com Nova Friburgo. Ter uma cidade irmanada na Hungria, no centro da Europa, é algo que beneficia as duas cidades em diversas camadas.

A Hungria tem desempenhado um papel muito importante com relação aos refugiados, uma vez que, neste grande fluxo de pessoas rumo à Europa, ela tem sido muitas das vezes a porta de entrada. Qual a sua visão a respeito do momento atual da Hungria nessa crise mundial?
A Hungria é um pequeno país com uma grande tarefa. Somos dez milhões de habitantes dentro do país, outros cinco vivendo espalhados pelo mundo. E a grande tarefa é que a Hungria é um país membro da União Europeia, membro do chamado espaço Schengen, de livre circulação dentro da Europa, e nós temos que defender e controlar uma parte das fronteiras da União Europeia. Temos defendido e controlado as fronteiras ao longo do último milênio, mas temos observado um fenômeno muito novo, um drama que está se passando naquela parte da Europa. Por causa da guerra civil e o Estado Islâmico na Síria, muitas pessoas tiveram que fugir, e passaram meses em campos de refugiados na Turquia e no Líbano. Mas, nos últimos meses, essas pessoas, desses campos de refugiados, começaram a se encaminhar para a Europa, em direção à Alemanha, e a Hungria está no caminho desta rota de migração. Essas pessoas chegaram em grande número este ano à nossa fronteira. A Hungria normalmente recebe entre 30 e 40 mil refugiados por ano, e esta representa a nossa capacidade para lidar com a situação. Porque temos que cadastrar, registrar, tirar fotografias, colher impressões digitais de cada pessoa que entra no espaço da União Europeia através da nossa fronteira, e depois perguntar se quer asilo, e neste caso é preciso começar o processo, preencher o formulário, e enquanto o processo está caminhando temos que dar alimentação, assistência médica, assistência financeira, escola para as crianças, tudo de acordo com as regulações internacionais para essas famílias lá na Hungria. A crise é grande, o inverno está chegando, e essa crise migratória tem um reforço sem fim porque são milhões de pessoas que estão caminhando. É uma situação muito delicada para a Europa administrar. Não podemos nos esquecer que os húngaros também sabem muito bem o que é ser refugiado, porque nós mesmos, depois das guerras mundiais e da nossa revolução oprimida, fomos refugiados. Milhares de pessoas chegaram ao Brasil e outros países, e somos extremamente gratos a todos os países que receberam os húngaros.

O Brasil vive atualmente uma crise econômica bastante parecida com a que a Hungria enfrentou a partir de 2008. E por lá, a abordagem foi bastante arrojada, e diferente dos procedimentos tradicionais. Como foi essa política de combate à crise, e quais os resultados que está rendendo?
Nós enfrentamos uma situação de crise, como todo o mundo, em 2008. Foi um momento muito difícil, a Hungria teve de ser resgatada pelo FMI e pela União Europeia, mas então o novo governo conservador, de centro-direita, chegou ao poder com maioria de dois terços no parlamento, um apoio muito forte. E o primeiro-ministro declarou que desta vez não seria o povo quem iria pagar o preço da gestão da crise, mas sim os que têm mais dinheiro: o setor bancário, o setor de telecomunicações, o setor de energia, setores de grande distribuição como as cadeias de supermercados... Em vez de aumentar impostos, eles foram cortados pela metade para as pessoas físicas. Nós pagamos agora 16%, taxa única, e há quem diga que isso não é justo, porque os mais ricos pagam o mesmo que os mais pobres. Certo, mas isto também passa uma mensagem muito forte: vale a pena trabalhar. Se você trabalha mais, ganha mais. O sistema de cobrança não é progressivo como o que tínhamos antes, no qual a pessoa trabalhava muito mais e ganhava um pouco a mais. Também foram cortados os impostos para pequenas e médias empresas pela metade, de 19 para 10%. Porque na verdade este é um dilema entre os governantes. Muitos optam por aumentar os impostos da classe média, mas na Hungria nós entendemos que a classe média trabalha, tem empregos, cria as crianças, paga impostos, e é quem efetivamente suporta o país. Essa é uma parte muito valiosa da sociedade, que precisa efetivamente ter apoio do governo. Os mais pobres não podem pagar os impostos, os mais ricos podem sair do país a qualquer momento, mas a classe média não quer deixar o país. Então nós apostamos nesta ideia de fortalecer a classe média ajudando as pessoas a consumirem mais, aquecendo a economia.

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TAGS: Colonias | Hungria
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