No horizonte de Istambul

Uma história milenar
sexta-feira, 16 de janeiro de 2015
por Jornal A Voz da Serra
No horizonte de Istambul
No horizonte de Istambul

Texto e fotos: Pedro Kiua

Quando cheguei pela primeira vez a Istambul (Turquia), senti saudades por antecipação. Para quem chega, a vista da cidade evoca no coração a certeza de não ser possível, em uma única vida, conhecer todas as suas histórias, sabores e segredos. No horizonte de Istambul se vê, por entre as dezenas de torres geminadas das lajes côncavas das mesquitas, a mais moderna urbanização em harmonia com a monumental arquitetura de antigos impérios — mais de dois mil anos de urbanização em ambas as margens do estreito de Bósforo. Ali, onde o Mediterrâneo encontra o Mar Negro, uma ponte liga o Oriente ao Ocidente, e a Europa e a Ásia estão a uma estação de metrô de distância.

A impressão que se tem ao visitar Istambul é de que a cultura muçulmana muito contribuiu para a criação de um espaço urbano ordenado e mais humano. Em praticamente todos os quarteirões, existe alguma mesquita, e sempre ao seu lado, banheiros públicos limpos e bebedouros gratuitos acessíveis a qualquer pedestre. Outro costume interessante é o de não concentrar os túmulos dos mortos em grandes cemitérios, e sim em construir pequenos jardins arborizados por toda cidade com os mausoléus e memoriais próximos de onde aquele ou aquela viveu. Assim, a cidade respira com frescor as lembranças de sua história milenar.

Bem antes de ser capital do império romano e se chamar Constantinopla, Istambul foi Byzantium, cidade fundada pelos gregos nos anos 600 antes de Cristo. Sobre suas fundações mais antigas, está hoje seu ponto mais vibrante. O distrito de Beyoglu, que apesar de estar na parte asiática da cidade, é o maior símbolo da ocidentalização de Istambul. Marco da presença européia e construída no ponto mais alto da cidade por mercadores genoveses do século XII, a famosa torre Galata ainda mantêm ao seu redor o mesmo casario medieval, mas que hoje é ocupado por uma miscelânea de área residencial e estabelecimentos comerciais dos mais diversos. Dali, descendo a colina a pé ou de bonde, chega-se ao centro nervoso de Beyoglu, a Avenida Istiklal, onde estão as mais elegantes butiques, galerias de arte, livrarias, casas de chá e lojas de doces. A boemia e vida noturna em Istiklal são impressionantes. Não importa o dia da semana ou horário da noite, você sempre encontrará a avenida movimentada e o comércio em atividade ininterrupta. 

Sensação de eternidade

A Turquia, apesar de ser um Estado laico, mantém ainda forte sua tradição islâmica. Interessante notar a face mais liberal da cultura muçulmana aqui, onde jovens de véu ou mesmo de burca compram suas lingeries em lojas de grife, e salões de beleza são quase todos voltados para o público masculino. Istambul tem sido ao longo dos últimos anos um dos maiores focos das transformações sociais e culturais do mundo árabe. A Praça Taksim, que fica no final da Avenida Istiklal, foi palco recente de um grande confronto entre as forças do Estado e a sociedade civil, sobretudo entre os jovens e a polícia. Com a notícia de que as árvores daquele espaço seriam derrubadas para construir um shopping, a população ocupou a praça. Meses de conflito se passaram até que os manifestantes tivessem a garantia de que o local iria continuar sendo um espaço público. As marcas deste período ainda hoje estão nos grafites e cartazes de protesto nos muros e paredes de Beyoglu. 

Apesar de toda a agitação e energias de transformação, Istambul possui uma forte atmosfera de estabilidade e permanência. Essa sensação de eternidade pode ser experimentada do outro lado da ribeira do Chifre de Ouro, que divide a cidade em duas. Atravessando de carro, barca ou metrô, o visitante chega à parte ocidental, Sultanahmet, como é chamado o distrito antigo. Nele está localizado o antigo palácio do Sultão Ahmet e seus jardins magníficos, onde nascem originalmente as tulipas que um dia, no passado, foram exportadas para a Holanda. Ali ao lado está também a gigantesca abóboda da Mesquita Azul e suas seis torres de oração. Entretanto, o que mais atrai o olhar ali é sem dúvida o incrível engenho da arquitetura conhecido como Hagia Sophia. 

Foi construída pelos cristãos ortodoxos durante o período bizantino para ser uma "máquina de conversão”. Seu impacto visual e arquitetônico em quem ali entrasse, deveria ser de tal forma convincente a ponto de converter o pagão num crente, em uma única visita ao seu interior. O projeto da catedral nunca chegou ao fim, devido aos constantes conflitos e guerras na região, entretanto, Hagia Sophia se manteve preservada. De catedral cristã passou a ser mesquita, para depois voltar a ser catedral e mesquita novamente. Hoje em dia, Aya Sofya, como é chamada pelos turcos, tornou-se um museu, onde toda sua história é recontada a cada nova camada, de tinta e ladrilho, descoberta de suas paredes.

Caos caleidoscópio

Mesmo uma vida inteira vivendo na cidade não seria o suficiente para descobrir todos seus mistérios e encantos. Uma pequena prova disso está no caos caleidoscópico dos mercados populares de Istambul — neles a cidade mostra toda sua diversidade. Nas centenas de ruas, passagens e galerias que compõem os complexos comerciais conhecidos como Grand Bazaar e Spice Bazaar, localizados também no distrito de Sultanahamet, o visitante pode ter a certeza de que vai se surpreender com algo que nunca viu ou nunca imaginou existir. Ali, o comércio é algo sagrado, passado de geração pra geração. Os vendedores têm um grau de astúcia tamanha, que são capazes de adivinhar a nacionalidade de quem entra em suas lojas apenas observando o comportamento do cliente. Além de sábios, são também muito espirituosos e não perdem uma piada. Certa vez entrei em uma loja apenas para admirar os produtos e tirar algumas fotos. Quando o vendedor apareceu, eu já na defensiva, tentando me esquivar da abordagem disse que estava ali "só vendo e satisfeito em admirar”, no que ele me respondeu, prontamente, "tudo bem, relaxa, eu também só estou aqui admirando e tentando te vender alguma coisa”. 

Istambul é um ótimo lugar para se conhecer a cultura árabe em sua face mais progressiva. A partir dali, o viajante se enche de vontade e toma coragem em ir mais fundo nesta cultura. Maravilhas se escondem no interior deste fantástico país que é a Turquia — como a cidade sagrada de Konya, terra de poetas e santos, berço do sufismo —; Pamukkale, perto do litoral mediterrâneo, com suas fontes de água termal em meio a ruínas gregas; e claro, a região da Capadócia, que tem sua história esculpida na pedra e pode ser vista do alto dos balões.


Link para as fotos: 

www.kiua.org/#istambul/cznc

E-mail: pedrokiua@gmail.com


CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS: Turismo
Publicidade