Ministério Público arquiva inquérito sobre deslizamento em São Lourenço

Nenhuma perícia foi realizada para apurar possível relação da ocorrência com movimento de terra realizado anteriormente
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
por Márcio Madeira
O deslizamento que originou a polêmica ocorreu em janeiro (Foto: Enviado via WhasApp)
O deslizamento que originou a polêmica ocorreu em janeiro (Foto: Enviado via WhasApp)

O caso, desde o início, ganhou notoriedade pelas razões erradas. Um vereador — num ato que alguns classificaram como imprudente — foi sozinho a um território eleitoral de adversários políticos investigar a denúncia de que um escorregamento de terra de grandes proporções, que havia acabado de destruir uma escola municipal e um posto de saúde, poderia ter relação direta com um grande movimento de terra realizado anteriormente.

O episódio terminou em agressão física sofrida pelo vereador, deixando em segundo plano o motivo da apuração: apontar responsabilidades, que possam — entre outras medidas — definir quem irá arcar com os custos de reconstrução das estruturas afetadas.

O vereador em questão é o professor Pierre Moraes, e o escorregamento de terra ocorreu em janeiro deste ano, em São Lourenço. O caso motivou a abertura de inquérito civil, que no último dia 5 de julho teve seu arquivamento recomendado pelo promotor de justiça Ângelo Joaquim Gouvêa Neto, com base em relatório apresentado pelo Inea (Instituto Estadual do Ambiente), onde se lê que “não há sinais de intervenções recentes no local, pelo que o mesmo vem se regenerando naturalmente, não havendo como relacionar, a priori, o ocorrido com intervenções anteriores”.

A peça do MP continua com a declaração de que o poder público vem atuando para resolver o caso, sem, contudo, especificar quais ações seriam essas. “Desta forma, verifica-se que as informações constantes da representação não se confirmaram, sendo certo que, desde o evento danoso ocorrido, o poder público vem atuando, de forma efetiva, para solucionar o problema, que outrora fundamentou a instauração do inquérito civil, adotando as medidas pertinentes e cabíveis no caso concreto, não restando motivos para continuidade da intervenção”, diz trecho do texto.

Recurso

O vereador Pierre preparou recurso contra a decisão, direcionado ao Conselho Superior do Ministério Público. A reportagem de A VOZ DA SERRA teve acesso ao documento, e reproduz abaixo alguns dos trechos mais significativos.

“O pedido de arquivamento do inquérito não deve prosperar, visto que não apresenta sustentação argumentativa para o respectivo escopo. Aduz o ilustre promotor que a manifestação do Inea, em resposta a ofício do MPRJ, seria terminativa. E isso não se confirma. Cabe salientar que o relatório técnico do Inea é assinado, na condição de chefe de serviço, por um técnico em laboratório, cuja formação para acesso ao cargo é ensino médio, sem a necessária competência para emitir laudo conclusivo sobre movimentação de solo e suas consequências.”

Trecho reproduzido do relatório do Inea afirma que “apontar com precisão os motivos que levaram à movimentação de solo que resultaram na destruição do patrimônio público depende de avaliações criteriosas possíveis através de uma perícia. (...) É necessário que sejam avaliados parâmetros como coeficiente de infiltração do solo, de atrito e sua permeabilidade. É necessário ainda que se obtenham informações precisas sobre os volumes de precipitação no dia da ocorrência. (...) Vários fatores podem ter contribuído para a ocorrência do deslizamento, contudo não é possível afirmar com precisão qual ou quais teriam sido os verdadeiros responsáveis.”

O recurso em seguida questiona a ausência de perícia conclusiva a respeito do episódio. “A despeito desses apontamentos, (...) não constam dos autos do inquérito documento com relatório pericial de lavra de órgão competente em geologia ambiental, a fim de preencher lacunas como as apresentadas. As causas do deslizamento que destruiu plenamente uma escola pública e parcialmente um posto de saúde, além de uma residência particular, ainda não foram explicitadas e sanadas pelo referido inquérito civil. Isso, por si só, é uma forte razão que justifica a não acolhida do pedido de arquivamento.”

Pierre lembra ainda que a movimentação de solo de que trata o inquérito não foi autorizada pelo órgão ambiental da Prefeitura, conforme resposta ao requerimento de informações da Câmara Municipal n° 312/2016. “A referida movimentação de terra foi, portanto, uma ação deliberada, sem qualquer respaldo técnico prévio para sua realização, à revelia das exigências de proteção ambiental, sobretudo em relação à decisiva alteração da estrutura de um talude, cuja notícia, se arquivada, poderá gerar um precedente inadmissível, inexplicável e altamente lesivo à isonomia de tratamento em referência a outros casos de natureza similar, em se tratando de movimentação de solo, seja no passado, seja no futuro.”

Por fim, a peça aborda a importância da perícia para determinar quem irá arcar com os custos da reconstrução. “A questão ainda envolve eventual proteção do erário, em potencial cifra milionária. A perícia por órgão competente, inexistente no inquérito em epígrafe, precisa ser feita para apurar de quem será a responsabilidade pela reconstrução dos respectivos prédios públicos, como de reequipá-los, além do imóvel de morador também destruído pelo escorregamento de terra. Se comprovado pericialmente que o escorregamento ocorreu em razão de fatores estritamente naturais, deverão ser utilizados recursos do erário para reconstrução e reequipamento da escola e do posto de saúde públicos destruídos. Mas se o escorregamento foi provocado pela irregular movimentação de solo, recursos do erário deverão ser preservados, e o custo de reconstrução e reequipamento da escola e do posto de saúde públicos destruídos, bem como do imóvel residencial, deverá ficar a cargo dos responsáveis pela ação.”

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS:
Publicidade