“A melhor maneira é sacar a rolha e abrir a garrafa”

O sommelier Eduardo Canto dá dicas de como descobrir o melhor vinho
sexta-feira, 21 de outubro de 2016
por Ana Blue
“A melhor maneira é sacar a rolha e abrir a garrafa”
No poema “Do sabor das coisas”, Mario Quintana diz assim: “Por mais raro que seja,/Ou mais antigo,/Só um vinho é deveras excelente:/Aquele que tu bebes calmamente/Com o teu mais velho/E silencioso amigo”. Que boa companhia é elemento valoroso na degustação de qualquer coisa, isso lá é bem verdade conhecida de todo mundo. Mas o vinho, muito mais que símbolo de relevância social ou memória afetiva, tem em si uma longínqua importância histórica e remonta a períodos distintos da humanidade. Em cada cultura, acredita-se que a bebida tenha surgido de modo diverso: os cristãos, embasados no livro de Gênesis, creditam a Noé a produção do primeiro vinho do mundo; outras obras literárias antigas, como o Gilgamesh, uma série de poemas e lendas sumérias compiladas por volta do século VII a.C, e o Talmude, livro sagrado dos judeus, também fazem referência ao vinho. No fim das contas, chega-se ao consenso de que a bebida surgiu por acaso e sua origem real é imprecisa, já que foi antes da escrita. Existem referências que indicam a Geórgia como o local onde provavelmente se produziu vinho pela primeira vez, já que foram encontradas neste local graínhas datadas entre 7000 a.C. e 5000 a.C.

“Enólogo é a pessoa que, diante do vinho, tem que tomar decisão, ao passo que o enófilo é aquele que, diante de decisões, toma vinho”

Luiz Groff

Fato (incontestável) é: o vinho une as pessoas. Traz muitos benefícios para a saúde, ajuda a minimizar riscos vasculares, acalma e, para quem tem o costume de consumi-lo regularmente e com moderação, o vinho é capaz até mesmo de deixar mais lenta a degeneração da retina e ainda previne os riscos de cegueira. É diversão e também remédio, para corpo, mente, alma e espírito. A bebida dos deuses, diriam os gregos. Dos amigos, disse Quintana. Minha, disse Dionísio. Nossa, diz Eduardo Canto, de 22 anos, sommelier da Château Vinhos, convidado pelo Caderno Light para dividir com os leitores um pouco do seu conhecimento sobre a bebida, afinal, finalizando com Fernando Pessoa, “boa é a vida, mas melhor é o vinho”.

LIGHT: Eduardo, como tudo começou? Como surgiu o seu interesse pelos vinhos?  
Eduardo Canto:
Eu sou de Teresópolis, mas vim morar em Friburgo há seis anos. Conheci minha paixão pelo mundo dos vinhos em 2014, quando tive a oportunidade de fazer o curso de sommelier na ABS-RJ (Associação Brasileira de Sommelier). Venho aperfeiçoando meus conhecimentos a cada dia, com palestras, cursos, degustações, publicações específicas e boas conversas com amigos e clientes da Château. Mesmo sendo tão jovem, tenho prazer em contribuir com a cultura de vinhos do Brasil, que tanto vem crescendo nesses últimos anos. Além de sommelier, sou estudante do curso de psicologia (6° período), motivo que me trouxe a Nova Friburgo, cidade pela qual hoje sou completamente apaixonado.

Hoje, 22 de outubro, é dia do enólogo, e até por isso elegemos a pauta “vinhos” para este caderno. Você poderia explicar, rapidamente, qual a diferença entre o enólogo, o enófilo e o sommelier?
Como bem descreveu o escritor curitibano Luiz Groff, “Enólogo é a pessoa que, diante do vinho, tem que tomar decisão, ao passo que o enófilo é aquele que, diante de decisões, toma vinho.” Esta frase indica de forma humorística e descontraída a diferença entre as duas categorias, sendo o enólogo o profissional responsável pelos processos de elaboração do vinho, presente nas vinícolas, envolvido em todas as etapas de elaboração do produto.  O enófilo é um apaixonado, tem como hobbie o mundo dos vinhos e os prazeres incomparáveis que só essa bebida traz. Geralmente leitor ávido de publicações sobre o assunto, vale destacar que suas atividades não são profissionais. Já o sommelier é o profissional responsável pelo serviço do vinho, formulação dos rótulos que compõem a carta, atuando também como uma espécie de “consultor”, onde faz sugestão de rótulos, dicas de harmonização, temperatura ideal para servir, amazernação dos vinhos em locais adequados, dentre outras diversas atribuições.

A pergunta que todo mundo deve fazer: como saber que um vinho é bom?
Ao contrário do que algumas pessoas pensam, nem sempre os vinhos mais caros são os melhores, podemos encontrar muitas surpresas quando o assunto é vinho.  Quando falamos em BOM envolvendo paladar a questão fica um tanto ampla, pois envolve o subjetivo. Porém, a combinação de alguns elementos faz com que a bebida seja mais prazerosa. A centralidade da fruta, o equilíbrio entre o teor alcoólico e a acidez, além de aromas agradáveis, são alguns desses elementos fundamentais. Mas o melhor jeito de descobrir um bom vinho continua sendo o modo tradicional: sacando a rolha e experimentando. 

E quanto à harmonização dos pratos? “Tinto com bife, branco com peixe” é uma regra ou um mito?
Não existem regras rígidas quando o assunto é harmonização, nada nos impede de comer o que gostamos com nosso estilo de vinho predileto. A noção de que peixes são servidos apenas com vinho branco e carnes com tinto é um mito a ser quebrado. Apesar da veracidade que alguns tintos mais encorpados sejam um pouco agressivos quando acompanhados com peixes, tintos leves, com pouco tanino e frutados podem acompanhar muito bem alguns peixes mais carnudos, como é o caso do salmão e atum. Alguns brancos mais envelhecidos, carregados, com passagem em carvalho podem acompanhar bem um frango. Vale ressaltar que os condimentos e ingredientes secundários que acompanham os pratos devem ser levados em consideração. Alguns cuidados podem trazer uma harmonização de sucesso, tais como o “peso” — vinhos leves para pratos mais leves, como peixes e saladas, e pratos pesados com vinhos mais encorpados, como a combinação cordeiro + Malbec. Outra dica é: vinhos doces acompanham, na maioria das vezes, pratos doces. Outro bom indicativo é a harmonização dos queijos e culinária regionais com os vinhos do mesmo local. A principal regra é que não há regra, vocês terão de experimentar. 

Falando, então, da nossa região, o clima de Friburgo favorece o consumo de vinhos? Aliás, fale um pouco sobre a relação clima x vinho. Apenas os refrescantes são indicados para consumo no verão?
O Brasil é o país da diversidade, digo amplamente tanto na cultura quanto nas diversas formas de pensamento. Também fazendo uma análise do clima, temos um inverno com baixas de temperatura, primavera com o clima bem ameno e verões quentes. O vinho atende bem essa diversidade dos brasileiros, com vinhos para todos os gostos e estações. Nova Friburgo tem um clima muito agradável na maior parte do ano para os vinhos tintos, há épocas em que se pode servi-los em temperatura ambiente. Nada melhor que uma taça de vinho no inverno para nos confortar. Sim, o clima serrano nos favorece. Agora, com a chegada do verão, é um convite para conhecer os vinhos brancos, roses e espumantes. Esses estilos vão muito bem nos dias mais quentes, pois possuem acidez refrescante e podem ser servidos mais refrescados dependo de cada estilo. O grande destaque desse verão serão, sem dúvidas, os espumantes nacionais, com ótima relação custo-benefício. Temos espumantes para todos os gostos e bolsos. Alguns tintos leves  podem ir muito bem como o verão também, pois podem ser servidos frios e possuem características refrescantes. Só falta escolher a garrafa...

Sugestões de leitura

“Um livro que eu particularmente acho interessante é o 'Vinho e Guerra', de Don e Petie Zahar Kladstrup, cujo enredo acompanha a saga de tradicionais famílias de vinicultores franceses que impediram os nazistas de roubar seu vinho, um dos símbolos mais genuínos da França. Sugiro também o Vinho sem segredos, de Patrício Tapia, um guia completo e ricamente ilustrado, em que o autor aborda aspectos fundamentais do vinho, desde o vinhedo até sua guarda, passando pela descrição dos tipos de uvas, de climas e de solos, estilos de vinificação e conselhos de consumo. Indico, ainda, o Vinhos do Brasil, de Valdiney C. Ferreira e Marietta de Moraes Ferreira, de 2016, e que aborda questões da indústria vinícola através das versões de quem está à frente da produção e das entidades, e tem a responsabilidade de traçar estratégias corretas para o futuro dessa jovem indústria de 140 anos.”

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