Jornalismo: o complexo emaranhado de veículos (entrevista com Sidney Rezende)

"As mudanças de plataforma exigirão um doloroso processo de adaptação. Foi assim quando os pergaminhos foram substituídos pela imprensa de Gutenberg. Tudo indica que os veículos impressos serão reduzidos. Vejo um futuro mais longo para as mídias locais
sábado, 25 de abril de 2015
por Jornal A Voz da Serra
O jornalista Sidney Rezende prestigia o aniversário de A Voz da Serra integrando a programação pelos 70 anos do jornal (Divulgação)
O jornalista Sidney Rezende prestigia o aniversário de A Voz da Serra integrando a programação pelos 70 anos do jornal (Divulgação)
O jornalista Sidney Rezende é apresentador de telejornais da GloboNews, editor do portal de notícias SRZD.com, um dos fundadores da Rádio CBN e criador do primeiro programa jornalístico da FM brasileira. Autor dos livros Deve ser bom ser você (2002), com depoimentos de brasileiros bem sucedidos, e Ideário de Glauber Rocha (1986), com declarações do polêmico criador do Cinema Novo, Sidney acaba de lançar novo livro: “Ah, Seu eu fosse presidente...”, para o qual registrou sugestões de famosos e anônimos. 

Todo internauta possui o espírito do jornalista, mesmo quando desconhece as técnicas da profissão. O público aprenderá a separar o joio do trigo. O jornalista precisa, apenas, saber para quem está destinando seu trabalho. E isso não é fácil
Nesta entrevista, o jornalista, com 30 anos de carreira, antecipa algumas questões que abordará em sua palestra – aberta ao público -, a ser realizada neste sábado, 25, às 19h30, no auditório da CDL, a convite de A Voz da Serra. Em pauta, as mudanças no universo midiático, com a migração de revistas e jornais da mídia impressa para a mídia digital, e o interesse do leitor em interagir com a mídia através de aplicativos como o WhatsApp, que, em consequência, torna-o uma espécie de coprodutor de notícias. Como que por associação, este mesmo leitor passa a contar com poderosas ferramentas para resolver seus próprios problemas, como já vinha acontecendo, com eficácia, através de seções como “cartas dos leitores”. 

Light - O empresário inglês da área de publicidade Martin Sorrell, fundador e presidente da WPP (a maior do mundo), disse, recentemente, que os veículos tradicionais de mídia são mais poderosos do que as pessoas pensam. O que você acha disso?

Sidney Rezende - Sim, os veículos constituídos são poderosos e não perderão seus postos da noite para o dia. No entanto, as mudanças de plataforma também exigirão um doloroso processo de adaptação. Foi assim quando os pergaminhos foram substituídos pela imprensa de Gutenberg, esta mesma tal como conhecemos hoje. Este novo modelo é o que se está discutindo no momento. No meu entendimento é que deveremos sepultar o modelo antigo de veículos separados e se tentar uma aproximação de veículos concorrentes. Esta nova força comercial é que ganhará musculatura para enfrentar os gigantes da tecnologia. E, também, forçar os governos a incluir os gigantes de tecnologia na mesma planilha legal dos veículos constituídos. Que todos paguem seus encargos e tributos devidos.

Ainda segundo Sorrell, pesquisas recentes mostram que essa mídia tradicional pode ser mais engajadora e que leitores tendem a registrar melhor a informação veiculada em revistas e jornais impressos do que a partir de conteúdo on-line e móvel. Como você analisa esse ponto de vista?

Concordo, em parte. Vejo um futuro mais longo para as mídias locais. Cada cidade precisa ter seus veículos próprios. Sob este aspecto, Martin Sorrell acerta na mosca. Já os “grandes” terão adversários ainda maiores: redes sociais, sites de busca e novos produtos produzidos pela internet.

No entanto, cada vez mais se discute o fim da mídia impressa. Você acredita nisso ou a tendência é que uma complemente a outra? 

A sinergia, a multiplataforma e a pluralidade parecem sinalizar o novo rumo que já estamos vivendo. Este fenômeno já é fruto da desgastada globalização. Tudo indica que o complexo emaranhado de veículos impressos será reduzido. Os locais, sobreviverão. Os demais, serão engolidos se não se unirem a outros grupos, e os mais frágeis, simplesmente morrerão.

A participação dos leitores na veiculação de notícia, com flagrantes e denúncias enviadas pelo WhatsApp e outros aplicativos, altera de alguma forma (para o bem ou para o mal) a profissão do jornalista, a maneira de fazer jornalismo? 

Já alterou. Todo internauta possui o espírito do jornalista, mesmo quando desconhece as técnicas da profissão. O público aprenderá a separar o joio do trigo. O jornalista precisa, apenas, saber para quem está destinando seu trabalho. E isso não é fácil.

Os hábitos de um morador de cidade do interior costumam ser mais arraigados do que os que vivem nas capitais. Aparentemente, o ritmo é mais lento, vive-se com menos estresse, há mais tempo para a leitura de jornais e as pessoas convivem com mais intimidade. Você acha possível que essas características pesem na hora do leitor optar pela leitura on-line, em detrimento do impresso?

Estas características podem conduzir para algo bem interessante: tecnologia para melhorar a vida local e jornais e revistas comunitárias para aproximar os cidadãos. É preciso engajar a prefeitura e o setor produtivo na compreensão que se deve investir na comunicação da sua cidade.

Nova Friburgo foi criada por decreto real em 1818, portanto, vai completar 200 anos em 2018. O jornal A Voz da Serra foi fundado em 1945 (127 anos após), portanto, completou 70 anos agora em abril. Sabendo de todas as dificuldades para a manutenção de um diário de interior por tanto tempo (O Globo, que circula em todo o país, tem apenas 20 anos a mais), que aspectos você ressaltaria dessa, digamos, trajetória vitoriosa?

Tenho mais do que respeito, verdadeira adoração, por iniciativas longevas. A Voz da Serra é importante porque se mantém prestando relevantes serviços para a cidade, se alimenta do que a sociedade produz e busca ideias novas para se reinventar. Não é uma tarefa fácil, mas também não foi fácil chegar até aqui. Vida longa e parabéns pela A Voz da Serra se manter próxima do povo.

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