Jairo Nicolau e os (des)caminhos do voto da urna ao Congresso

Cientista político fala na Candido Mendes sobre as crises no Brasil
sexta-feira, 07 de abril de 2017
por Ana Borges
Jairo Nicolau no evento realizado na Ucam campus Friburgo
Jairo Nicolau no evento realizado na Ucam campus Friburgo

São tantas dúvidas, tantas perguntas sem respostas plausíveis, que muitos preferem nem tentar entender mais nada. Melhor aguardar horizontes menos nebulosos porque essa constante enxurrada de informações está cada vez mais tortuosa e os diálogos vão tomando rumos que só levam a mais dúvidas.

Questões como: Por que alguns deputados são eleitos com menos votos do que outros candidatos que não se elegem? Por que um candidato com cinco votos (ou um voto) se elege da mesma forma que outro que recebeu 500 mil votos? Por que o voto de um socialista pode ajudar a eleger um candidato liberal? Por que o voto de um eleitor do Amapá vale muitas mais vezes mais do que o voto de um paulista? Por quês e mais porquês, sem respostas satisfatórias.

Um dos especialistas nessa área é o cientista político, professor e escritor friburguense Jairo Nicolau, que na noite da última segunda-feira, 3, fez palestra na Universidade Candido Mendes, campus Nova Friburgo, para alunos, professores e convidados, sobre questões que foram manchetes nos jornais ao longo dos últimos 12 meses, motivo de discussões nas redes sociais e passeatas por todo o país: impeachment, Lava-Jato, delação premiada, prisões, reformas, entre outros.

“Há mais ou menos 25 anos, vocês vivem num Brasil que está mudando para melhor, com indicadores sociais positivos e reais perspectivas de melhoria de vida. Esse cenário se acentuou na era do PT, com o legado do real (a moeda), do governo Fernando Henrique e os primeiros anos da gestão do presidente Lula. Antes disso, no governo [José] Sarney, vocês não fazem ideia do que era viver com inflação de 80% ao mês, uma aplicação financeira chamada ‘overnight’ para evitar que o dinheiro desaparecesse das contas bancárias durante a noite, isso tudo depois de 21 anos de ditadura. Diante daquele cenário caótico, o caos de hoje são de outra natureza”, resumiu o professor no início da palestra, comentando em seguida as expectativas da população na época com as futuras eleições que elegeriam Fernando Collor, “O Caçador de Marajás”.

A força de eventos inimagináveis

Avançando no tempo, Jairo chegou aos últimos dois anos. “Se, por um lado, há cerca de 10 anos, vivíamos num dos períodos econômicos mais prósperos e estáveis, hoje a situação se inverteu. Desde a redemocratização estamos assistindo à pior crise política e a desintegração do sistema político. São momentos dramáticos da política brasileira, numa velocidade e força estonteantes de eventos, antes inimagináveis.”     

Falou de seu espanto ao saber e conferir nos jornais as fotos de policiais militares cercando o prédio do ex-presidente Lula, “como numa cena de guerra”, para levá-lo, coercitivamente, para prestar depoimento. Citou as inúmeras fases da Operação Lava-Jato, as prisões, as delações, as manobras de Eduardo Cunha, a guerra declarada do Congresso contra a ex-presidente Dilma Rousseff que, “durante um ano e meio de governo, no segundo mandato, não conseguiu aprovar um único projeto, em represália do então presidente Eduardo Cunha. O presidencialismo brasileiro tem muita dificuldade de lidar com crises e interpreta as leis de acordo com interesses escusos”.

Para o professor, do ponto de vista da representação política, propriamente dita, o primeiro sinal de que havia algo errado na relação entre a população e a classe política surgiu em 2013. “O fenômeno do povo nas ruas observado neste ano foi surpreendente. Se alguém tivesse me dito que aquele primeiro protesto contra o aumento de passagens de ônibus em São Paulo, se espalharia por todo o país, com milhões de pessoas contra o governo, contra políticos, partidos, crises de todo tipo, eu não acreditaria. Parecia um contágio epidemiológico, que foi se alastrando por todo o Brasil”, avaliou.

A palestra continuou com referências ao papel do judiciário nos julgamentos de recursos, vazamentos, protestos das partes envolvidas, acusações mútuas, brigas de ministros do STF, PF, procuradores, deputados, senadores. E dezenas de conduções coercitivas, nas primeiras horas da manhã, todas diligentemente veiculadas por órgãos da imprensa.   

Quanto ao futuro

Nunca antes neste país houve tanta expectativa quanto às próximas eleições. “Ainda é cedo para falar em nomes. O ex-presidente Lula, que é uma liderança incontestável, ainda vai ter que passar por muitos filtros, que são as investigações da Lava-Jato, e sair ileso. Ele é um candidato competitivo e o legado dele ainda está no imaginário do eleitorado. Antes, o slogan era Lula é Dilma, Dilma é Lula. Agora, o esforço é descolar uma imagem da outra, embora continuem amigos e parceiros. Mas não há como prever nada, no universo político é tudo uma incógnita”, analisou Jairo.

O que pode sobressair ao longo dos próximos meses? Há quem se sinta atraído por Jair Bolsonaro, que é aplaudido em aeroportos, restaurantes, entre outros lugares públicos. “Ele pode fazer um estrago eleitoral, mas não vejo muita chance dele ir para o segundo turno por ser um candidato muito marcado por uma agenda que envolve temas hiperconservadores no campo de comportamento, mas não se sabe o que ele pensa sobre segurança pública, economia, política internacional, educação, cultura, entre outros temas. Ele não tem preparo intelectual nenhum para discutir assuntos de governo, é muito inconsistente.”

Quanto ao prefeito de São Paulo, “o Dória ... não sei”, porém Jairo Nicolau começa a achar que o Dória vem com muita força. Ele está se impondo no meio político, na sociedade, nas mais diversas comunidades, de cima a baixo, está aparecendo bem, sendo bem avaliado nas pesquisas. “Ele passa a imagem da renovação, respaldado por um partido grande (PSDB) sem ser ‘político’, não tem vergonha de assumir que é rico e tradicional. Ele ganha em todos os bairros de São Paulo, da mais profunda periferia aos bairros mais elitistas, com exceção de dois. Ele é um fenômeno eleitoral nunca visto. Saiu do ‘traço’ para vencer no primeiro turno, na maior e mais importante capital do país. Numa cidade dividida entre PT e PSDB, ele levou tudo, derrotou três ex-prefeitos. Não é pouca coisa”.

“No meu tempo…”

Jairo Nicolau nasceu no ano do golpe militar, em 1964. Foi menino nos governos dos generais Emílio Médici e Ernesto Geisel — já em tempos de ensaio da abertura política “lenta e gradual” — e adolescente no período João Figueiredo, último governo militar, quando o país passou para a abertura “ampla, geral e irrestrita”. Foi o início da transição para o regime democrático.

Jovem e universitário, o rapaz acompanhou as mudanças que se seguiram. Hoje, o panorama é outro, as lutas são outras, as mudanças resultam de novos anseios. Outros momentos, tão intensos e angustiantes quanto, embora sem luta armada, perseguições e torturas.

Ao situar a sua geração e a atual, o professor clareou os dois contextos para o público — formado em sua maioria por estudantes —, não esquecendo das gerações dos anos 1980, início dos 1990. Nenhuma destas últimas gerações vivenciaram aquele período conhecido como ‘anos de chumbo’. A estes jovens e adultos de hoje restam os livros de história, a literatura, as reportagens, os documentários para ter uma ideia de como foi “no meu tempo…”

Para aqueles que estavam lá, como ele e milhões de brasileiros, nunca é demais relembrar, falar e detalhar os acontecimentos. E continuar buscando respostas para os fatos. Importante estar atento ao que pode estar a caminho.

Sobre Jairo Nicolau

Graduado em ciências sociais pela UFF (Universidade Federal Fluminense), mestre e doutor em ciência política pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), Jairo Nicolau atualmente é professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ. Ele também integrou o comitê assessor do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e foi professor do Iuperj e do Iesp (Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Uerj).

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