Ivison Macedo: “É preciso questionar qual a função social da cidade”

Secretário de Meio Ambiente explica diretrizes que guiaram a elaboração do novo Plano Diretor de Nova Friburgo
sexta-feira, 15 de abril de 2016
por Márcio Madeira
(Foto: Henrique Pinheiro)
(Foto: Henrique Pinheiro)

A VOZ DA SERRA: Em que estágio de implantação está o novo Plano Diretor?
Ivison Macedo:
O novo Plano Diretor de Nova Friburgo é considerado inovador em âmbito nacional. Ele foi reconhecido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, que nos convidou para uma apresentação - nós fomos até Washington, para isso. Ele foi abertamente reconhecido pelo Ministério das Cidades, por várias vezes fomos convidados a palestrar e participar de eventos. Recentemente ele foi reconhecido pela ONU. Nós fomos convidados para fazer uma apresentação na Terceira Conferência da ONU sobre Moradia (Habitat III), e Nova Friburgo participou no painel de planos diretores e gestão de risco. Há uma semana saiu uma matéria na revista Veja falando sobre dispositivos urbanísticos inovadores, e Friburgo novamente foi citada. Ou seja, o nosso plano avança no sentido de olhar a cidade pela função social que ela deve ter. O tema da próxima conferência das cidades, que todos os municípios têm que fazer e nós faremos em julho, é a função social da cidade e a função social da propriedade. A gente não pode confundir isso com ideologia política. A função social de uma propriedade começa quando a obra termina. Por exemplo:  inauguramos uma bela creche há poucos dias. Imagina se aquela bela creche, toda equipada, for inaugurada e não for usada. Nesse caso, a função social dela não foi cumprida. Estamos cheios desses exemplos no Brasil. Hospitais prontos que não são utilizados, e tudo mais... A propriedade tem uma função social, e a cidade tem outra.

E qual é a função social da cidade?
Vamos discutir isso com a população. Mas, em essência, buscar reduzir os deslocamentos obrigatórios, proporcionar maior conforto e bem-estar para a população. Sempre se pensou que a via pública é o que está entre os dois meio-fios para os carros passarem. Hoje já entendemos que a via para o transporte a pé - que é chamada de via pública peatonal - é a calçada. Então a gente tem que construir calçadas para a população caminhar, porque as calçadas não são adequadas para a população. Hoje, o novo urbanismo aponta na direção de concentrar as pessoas onde a infraestrutura foi construída com recursos públicos. No passado deixou-se a que as cidades espraiassem, e depois não houve recursos para garantir estrutura a todo mundo. A infraestrutura foi concentrada nos centros urbanos, e essa infraestrutura - que foi caríssima e financiada com o dinheiro de todos - hoje só é utilizada por poucos. Basta olhar para Friburgo: a nossa densidade demográfica no Centro é muito pequena, e a gente tem uma densidade construtiva e toda uma infraestrutura muito grande no Centro. O melhor lugar para se morar em Friburgo é no Centro... O comércio é diversificado, existem escolas, clínicas, hospitais, diversão, lazer... E toda essa estrutura que fez com que todo mundo procurasse o Centro foi construída ao longo da história da cidade com recursos públicos. Não foi com recursos privados. Então, o novo urbanismo, que mudou com a Constituição e o Estatuto das Cidades, mostra esse caminho. Pelo menos, 60% da população mundial concentra-se atualmente nos centros urbanos - e as perspectivas são de que até 2050 esse índice deve subir para 80%. As cidades não estavam preparadas para isso, e o nosso Plano Diretor aponta para essa direção.

Uma coisa que não está muito clara, quando o senhor fala sobre concentração populacional, é se o novo Plano Diretor vai estimular essa concentração em áreas seguras e centrais - até mesmo aumentando o gabarito para permitir construções mais altas e uma maior verticalização - ou se ele vai tentar descentralizar e levar mais estrutura - postos de trabalho, saúde, comércio - aos bairros, para que as pessoas não precisem se deslocar tanto.
A principal premissa do Plano Diretor foi reestruturar a cidade. Primeiro, a gente criou áreas urbanas em todos os locais onde hoje existem núcleos urbanos. Porque Friburgo foi crescendo sem respeitar a lei em locais onde não se podia construir, e atualmente a gente tem um impasse: ou reconhecemos essas áreas como núcleos urbanos, ou teríamos que mandar demolir e aí seria um caos social, até mesmo porque não temos condições de indenizar essas pessoas. Primeiro, na planta do novo zoneamento a gente propôs regularizar todos os locais onde existem assentamentos urbanos, desde que respeitadas as questões de risco e ambiental, que são os limitadores. Depois, nós pegamos a zona que chamamos de zona de estruturação prioritária, que vai de Conselheiro Paulino até o início do Cônego, e dividimos em três grupos, que chamamos de Zona de Estruturação Prioritária 1, 2 e 3. Hoje, 70% da população, ou perto disso, já está ocupando essa zona. E nela existem áreas de muitas construções comerciais ou industriais, e poucas moradias. Se nós pegarmos essa planície às margens do Rio Bengalas, à direita e à esquerda até a Avenida Nossa Senhora do Amparo e a Avenida dos Ferroviários, é um local onde se pode crescer verticalmente, porque é um local seguro. Ali estaremos livres de acidentes associados a escorregamentos de vulto. Não vamos estar livres de eventuais inundações, mas se fizermos construções nas quais os pavimentos inferiores sejam dedicados a comércio e serviços, com moradias acima disso, elas estarão seguras. A intenção é ocupar esse local com gabaritos maiores, com coeficientes de aproveitamento maiores, e com isso nós vamos possibilitar que a médio prazo as pessoas desçam de onde a gente verticalizou. Porque nós não verticalizamos nesses locais, na parte segura, mas empurramos as pessoas para as encostas. As pessoas que não tinham local para morar foram obrigadas a ocupar as encostas, e hoje, quando olhamos para os morros, só vemos construções. O morro perdeu sua silhueta vegetal. Então, é assim que vamos fazer essa reestruturação. Ao longo do tempo teremos que remover as pessoas que estão em áreas de risco. Ou faremos as caras obras de contra-medida, como essas que estão sendo feitas, ou vamos possibilitar que essas pessoas migrem para setores mais seguros sem perder patrimônio. Essa equação também está bem definida no Plano Diretor.

E quanto às demais áreas urbanas?
Na áreas seguras vamos levar uma nova concepção mista, onde a pessoa terá a possibilidade de morar perto de onde ela trabalha. Essa é uma diretriz que ajuda na questão da mobilidade, porque vai reduzir os deslocamentos obrigatórios para um grupo de pessoas. E existe também um aspecto adicional que seria propor incentivos fiscais aos empresários que contratem pessoas que residam na área onde eles mantêm os seus negócios. Descontos no IPTU, eventualmente no ISS em obra, já que por lei o ISS em serviço não vai poder baixar de 2%. Alguns incentivos para essas pessoas. Paralelamente a isso, em algumas centralidades que estão deslocadas desses eixos, nós temos que levar para lá a infraestrutura - que é trabalho, moradia e lazer. Então, a região de Conselheiro que engloba o Bairro Novo, Maria Teresa e vai até Riograndina, representa uma centralidade que no novo Plano Diretor já consta como uma zona especial de interesse para que seja feito um arranjo produtivo comercial/serviços, com incentivos para empresas. Já há um empreendimento sendo construído lá, onde inicialmente seria um loteamento proletário, para casas pequenas. Por enquanto está sendo feito o arruamento, mas com lotes grandes e não-residenciais. Vai poder ter um trechinho residencial, mas vai nascer com uma restrição em seu DNA garantindo que ali será comercial. E ele terá incentivo na construção para que leve trabalho para quem mora lá. Até porque, só o conjunto formado pelo Bairro Novo e o Maria Teresa já reúnem uma população equivalente à Macuco. O Plano Diretor também leva este tipo de incentivo para outras centralidades, como Amparo, Varginha, Lumiar.

São Lourenço também?
São Lourenço não. Lá já é uma agrovila e, como em todas as outras áreas rurais, nós estamos regularizando, mas com severas restrições à urbanização de cidade. Tem urbanização para escola, área de lazer, posto de saúde, mas tudo com um gabarito pequeno para atender a uma densidade demográfica pequena.

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TAGS: Meio Ambiente | Plano Diretor
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