Impeachment em Friburgo: melancolia em tempos de cólera

Atos a favor e contra o impeachment de Dilma Rousseff foram pacíficos, mas tiveram baixa adesão ao longo de toda a votação
segunda-feira, 18 de abril de 2016
por Ivan Correia
Manifestantes pró-impeachment assistiram por um telão à votação na Câmara dos Deputados
Manifestantes pró-impeachment assistiram por um telão à votação na Câmara dos Deputados

Ironia das ironias: da boca de um tucano, adversário histórico do PT, foi proferido o voto decisivo. Veio de Pernambuco, estado de origem do ex-presidente Lula, o voto de número 342, último necessário para que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff prossiga para o Senado. Dos 511 deputados presentes, 367 votaram a favor, 137 contra e 7 se abstiveram, em uma tumultuada sessão que se estendeu até depois das 23h. A votação no Senado, por sua vez, está prevista para os dias 4 e 5 de maio.

A despeito da importância do último domingo, 17 de abril, curiosamente, o clima no Congresso Nacional e a mobilização nas maiores cidades do país não encontraram eco em Nova Friburgo. Esvaziados, os atos a favor e contra o impeachment não conseguiram mobilizar os friburguenses.

Aqueles que compareceram, contudo, não se deixaram esmorecer. Ambos os lados, como muitos que acompanharam pela televisão, especulavam resultados e compartilhavam expectativas, calculando adesões de última hora. Manifestantes contra e pró-impeachment acompanharam a votação desde o início nas praças Demerval Barbosa Moreira e Getúlio Vargas. Os atos foram pacíficos e as poucas vozes presentes procuraram compensar quantidade com intensidade; gritos de “Fora Dilma” de um lado, “Não vai ter golpe, vai ter luta” de outro.

Os presentes também demonstraram, em contraste com o clima que imperava no resto do país, algo de lucidez na hora de se posicionar. Ouvidos pelo jornal, alguns manifestantes do Ato em Defesa da Democracia frisavam que, mesmo com o afastamento de Dilma, a luta da esquerda continuará ainda mais forte, não só na forma de oposição a Michel Temer e Eduardo Cunha, mas na defesa de pautas que devem permanecer em primeiro plano independentemente de quem ocupe o poder, como a manutenção, expansão e aprimoramento dos programas sociais, entre eles o Bolsa Família, a defesa da legislação trabalhista e uma política econômica, nas palavras de Lula, “menos voltada ao mercado”.

Já alguns que se posicionaram a favor do impeachment reconheceram que os principais problemas do país não se resolverão com a mera saída de Dilma, a despeito de a celebrarem como “um bom começo”. Acompanhando a linha de alguns deputados que votaram ‘sim’, e se posicionaram também contra Temer e Cunha.

Sem entrar no mérito de cada posicionamento, notou-se que esse caráter pacífico ficou claro desde o início da tarde. A despeito do local originalmente marcado para o Ato em Defesa da Democracia, contrário ao impeachment, ter sido a Praça do Suspiro, por orientação da Polícia Militar, os manifestantes começaram a se concentrar na Praça Demerval Barbosa Moreira. Os próprios policiais presentes, que permaneceram de prontidão até o final da noite, constataram que não havia maior risco de conflito.

Lideranças de ambos os atos chegaram a conversar sobre a possibilidade de assistirem à votação juntos, no telão montado pelo Movimento Brasil Livre, a favor do impeachment. Apesar da recusa do convite, os manifestantes favoráveis ao governo permaneceram na Demerval sem nenhum incidente, inclusive durante o ato religioso que ocorreu por volta das 16h, reunindo um número de participantes maior do que ambos os atos ao longo do dia.

Nesse sentido, a surpresa numérica ficou por conta justamente do ato Clamor pelo Brasil, organizado pelo Copenf (Conselho de Pastores de Nova Friburgo), que reuniu quase duzentas pessoas em frente ao Centro de Turismo. Além do Pai-Nosso e de alguns cânticos de louvor, os fiéis se reuniram em vários grupos de oração, espalhados pela praça. “Nos unimos em um propósito só: pedimos a interferência de Deus”, disse o pastor Renato Fernandes Gonçalves.

Até o cair da tarde os atos foram esvaziando gradativamente. No final da votação só restava na Praça Getúlio Vargas um grupo de aproximadamente 40 pessoas assistindo tudo pelo telão. Mantendo o tom pacífico que pautou o dia nas praças, um grupo pequeno de simpatizantes do governo acompanharam a votação um pouco recuados, próximos a um grupo de policiais que também observava a votação.

A noite já havia caído quando o deputado federal friburguense Glauber Braga (Psol) foi ao centro do Congresso para proferir seu voto junto com seus colegas de Câmara do Rio de Janeiro. Sua fala surpreendeu a todos, positiva ou negativamente: “Eduardo Cunha, você é um gângster! E o que dá sustentação à sua cadeira cheira a enxofre! Eu voto por aqueles que nunca escolheram o lado fácil da história. Eu voto por Marighella, eu voto por Plínio de Arruda Sampaio, eu voto por Evandro Lins e Silva, eu voto por Arraes, eu voto por Luis Carlos Prestes, eu voto por Olga Benário, eu voto por Brizola e Darcy Ribeiro, eu voto por Zumbi dos Palmares. Eu voto não!”.

Golpe ou não, a vitória do ‘sim’ prevaleceu, com manifestação efusiva dos poucos que restaram na Praça Getúlio Vargas. Os organizadores encerraram a noite tocando o Tema da Vitória, eternizado por Ayrton Senna, e o Hino Nacional.

  • Manifestantes contrários ao impeachment na Praça Dermeval

    Manifestantes contrários ao impeachment na Praça Dermeval

  • Evangélicos oraram pelo Brasil

    Evangélicos oraram pelo Brasil

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS: impeachment | Protesto
Publicidade