Filó

Por Carlos Emerson Junior
sexta-feira, 02 de dezembro de 2011
por Jornal A Voz da Serra
Filó
Filó

A cachorra estava só na dela. Deitada no sofá, ignorava solenemente a família reunida na mesa de jantar. Bocejava de vez em quando e, com os olhos semicerrados, deixava o sono modorrento da noitinha tomar conta do corpo.

No entanto, o cheiro de comida... nossa, que delícia. Levantou ligeiramente a cabeça para avaliar o que acontecia. Caramba, os quatro bípedes da casa estavam realmente devorando um bife! Avaliou a situação e percebeu que não adiantava pedir, iam lhe jogar um pedacinho bem mixuruca ou pior, ração para cachorros!

Virou o corpo na direção da mesa, se espreguiçou e lentamente caminhou para junto da humana que considerava sua dona. Percebendo que ela segurava um pedaço de carne em uma das mãos e deixara um naco no prato, correu e, rápida como um raio, saltou em seu colo, abocanhou inteirinho o filé e saiu lépida para devorar a delícia.

Ah, os prazeres de um bom prato!

Mas Filó, em sua gula, acabou se esquecendo completamente do “não”, um comando que homens e cães conhecem há mais de dez mil anos, quando começaram a conviver juntos. E lá se foi para o castigo e ainda por cima sem a sua presa. Tudo bem, pensou, cachorros têm uma grande vantagem: vivem apenas o presente.

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Filó foi invenção da minha filha mais nova quando foi morar sozinha. Um ano depois voltou e tivemos que aprender como conviver com um animal de estimação em um apartamento. A cachorra agora já estava grande e se mostrou muito carinhosa com todos da família. Nunca mais tive um minuto de solidão: basta entrar em casa e lá vem ela dizer que me ama aos pulos, latidos, lambidas e choros.

Segundo os sites especializados, pelo seu porte pequeno os daschunds ou salsichas são uma excelente opção para quem mora em apartamentos, aprendendo com facilidade os hábitos de higiene. Inteligentes, espertos e brincalhões, são excelentes cães de vigia. Convivem bem com crianças e outros animais, mas não costumam fugir de uma briga, caso sejam provocados.

É isso aí! Filó não é uma cachorra bagunceira. Fica sozinha em casa sem reclamar, latir ou destruir móveis. Em compensação, se passar pela frente de uma lata de lixo cheia de comida, não tem perdão, só sossega quando consegue esvaziá-la. O seu único e grande medo é o banho semanal!

Não sei como, mas a danada sabe que terça-feira é dia de banho e aí, por volta das nove da manhã, simplesmente desaparece. Toda a semana é a mesma ladainha. Com a coleira na mão, fico bem quieto para ver se a pego de surpresa. Aí procuro na caminha, no sofá, na poltrona velha e até mesmo dentro de algum guarda-roupa.

Checo embaixo das camas, atrás dos armários, da geladeira, do freezer, do fogão e da máquina de lavar. Grito. Ameaço. Imploro. Já sem saber mais o que fazer, ofereço comida. Matou! Basta falar em biscoitinho e a sua cabeça peluda surge com a expressão curiosa de um local completamente improvável. Aí fica fácil, coleira nela e rua para o banho.

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Filó já passou duas temporadas aqui em Nova Friburgo, quando sua mãe, perdão, dona, viajou para trabalho. Estranhou muito o frio e empacou na escada que leva aos quartos. Subia sem problemas mas na hora de descer... Por algum motivo, talvez pelas patinhas curtas da raça, sentia-se insegura e ficava parada lá no alto, piando e chorando até que alguém a levasse para baixo no colo.

Agora imaginem isso, duas, três, dez vezes por dia, inclusive no meio da noite, em pleno mês de julho, quando sair da cama é um sacrifício para qualquer friburguense. Pois é, felizmente, depois de alguns dias e algum treinamento, a peluda acostumou-se e passou a descer a escada sozinha.

Só mesmo parodiando os versos do Poema Enjoadinho do Vinícius de Morais, “cachorros, melhor não tê-los! Mas se não os temos, como sabê-lo?”... Essa mocinha vai passar um ano morando aqui conosco, com escada, frio e todo o sossego da serra. Minha filha vai estudar no exterior e achou conveniente deixar uma lembrancinha de quatro patas conosco.

Por mim tudo bem, Filó adora quando eu leio para ela os textos que acabei de escrever. E sem jamais reclamar!

(*) carlosemersonjr@gmail.com

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