Escola Sem Sentido

Um artigo do professor de história Pedro Monneratt
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
por Pedro Monnerat
Escola Sem Sentido

Um espectro ronda o pensamento crítico — o espectro do projeto Escola Sem Partido. Criado sob a justificativa de impedir qualquer tipo de propaganda ideológica em sala de aula, o projeto de autoria do senador Magno Malta (PR-ES) traz, negando a si mesmo, uma ardilosa e sensível ideologia: a da neutralidade parcial, termo que parece (e é mesmo!) contraditório, tanto quanto o projeto, na medida em que visa limitar a propagação e o debate de determinadas ideias enquanto preserva e consolida outras.

Em termos gerais, o Escola Sem Partido busca restringir linhas de pensamento e discussões que tenham em sua essência perspectivas de transformação social, transmitindo um ensino uniformizado, sem dinâmica e sem pluralismo. 

O humano e sagrado espaço da sala de aula, sem o pensamento crítico, perde seu caráter dinâmico na medida em que engessa os assuntos trabalhados, fazendo valer somente o conteúdo, retirando do aluno qualquer interpretação sobre os fatos analisados. A educação torna-se “conteudista”, ou seja, mero dispositivo de informação no qual o estudante, passivo, recebe ideias prontas de um professor algemado e as assimila, sem compreender os embates, conflitos e contradições que permeiam todo e qualquer processo histórico, sociológico ou filosófico.

O libertador e rico espaço da sala de aula perde seu colorido, pinta-se de cinza e esmaece. A função primordial da escola — transmitir conhecimentos que permitam o aluno interpretar o mundo para interagir com ele como julgar melhor — perde sentido, posto que só entrariam nela ideias conservadoras e de forma vertical, de cima pra baixo. O aluno perde sua autonomia intelectual ao ter contato apenas com uma visão de mundo. As perspectivas transformadoras, se postas de lado, retiram do estudante importantes referências históricas que demonstram a possibilidade de mudanças sociais diversas. Em suma: a escola que se diz “Sem Partido” torna-se uma escola de “Partido Único”.

O efervescente e intenso espaço da sala de aula torna-se morno e indiferente para aqueles que deveriam ser os protagonistas. A escola passa a atender unicamente aos interesses do mercado, formando sujeitos que reproduzam a lógica deste, possivelmente robotizados e indiferentes à sociedade como um todo. Descrentes de qualquer perspectiva de transformação, tornam-se reprodutores da ordem social já instituída, a qual passa a ser vista como natural e inquestionável, o que renega a história de todas as sociedades, sempre produtos de embates e ideias distintas.

Por fim, nesse importante embate que se desenha, fica clara a importância de se opor ao espectro que propõe amarras ao ensino. Escola sem pensamento crítico não é escola e, sobre isso, Rubem Alves, importante psicanalista e educador, tem uma passagem brilhante que, de foram sucinta, didática e premonitória, diferencia a escola plural da escola (supostamente) sem partido: “Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.”

Que nossas crianças possam então continuar voando... E que de proibidas mesmo sejam só as gaiolas, nunca o potencial do pássaro.

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