Em Nova Friburgo, Formiga revela temor pelo futuro do futebol feminino

Confira a entrevista exclusiva com a jogadora de futebol da Seleção Brasileira
quarta-feira, 11 de janeiro de 2017
por Vinicius Gastin
Centenas de jovens tiveram a oportunidade de interagir com a craque
Centenas de jovens tiveram a oportunidade de interagir com a craque

No roteiro repleto de dificuldades, há capítulos de dificuldades e preconceito, mas também de incentivo. O amor materno foi o grande combustível para que a então menina Miraildes Maciel Mota pudesse evoluir, superar barreiras e se transformar na consagrada Formiga. São 38 anos de vida — 23 deles dedicados ao futebol feminino. No currículo há seis jogos olímpicos, seis copas do mundo, quatro jogos Pan-Americanos e muitas histórias. Mas também há um temor: a maior geração da história da modalidade encantou o país, mas não transformou a maneira de pensar dos dirigentes.

Formiga visitou o projeto social Gol de Placa no final do ano passado, e foi a grande atração do evento “Elas também jogam”. Quase 100 meninas, entre 6 e 15 anos, tiveram a oportunidade de conversar com a craque, e ouvir um pouco sobre a carreira e as experiências adquiridas ao longo de sua trajetória.“É preciso acreditar no talento, independente das pessoas que digam que você não tem condições. Os pais precisam estar presentes, pois são os nossos alicerces”, aconselhou às jovens.

A despedida da Seleção aconteceu neste mês de dezembro, com a conquista do título do Torneio Internacional de Manaus. “Na Seleção eu vou até este mês dezembro. Está na hora de dar espaço a novas meninas que estão vindo aí, e eu vou procurar trabalhar fora das quatro linhas para ajudar. Mas continuo jogando nos clubes mais uns quatro anos”, disse.

Em entrevista para A VOZ DA SERRA, Formiga falou sobre a carreira, atual quadro do futebol feminino e as dificuldades que encontrou para vencer na profissão. Além da falta de apoio à modalidade, ela revela que sofreu preconceito em casa: “Meus irmãos não aceitavam, e eu apanhei diversas vezes”, observou.

A VOZ DA SERRA - Depois de seis olimpíadas, várias participações em Mundiais, títulos conquistados e vivência. A Formiga é uma jogadora realizada dentro da carreira profissional?
Formiga -
A gente sempre quer mais na carreira. Mas ainda faltam para mim um título olímpico e um mundial. Tenho consciência de que esse meu sonho não pode mais ser realizado, mas acho que posso ajudar para que o sonho de outras meninas possa se realizar.

A carreira de jogador de futebol, de um modo geral, reserva uma longa estrada até o sucesso. No caso da Formiga, como foi essa trajetória? Muitas dificuldades?
Sem dúvidas. Quando se trata de mulher em nosso país geralmente a dificuldade aumenta. E desde os meus sete anos eu enfrento obstáculos, mas graças a Deus tenho uma mãe maravilhosa que sempre me incentivou e não me deixou desistir do futebol. Sempre trabalhou para me dar o dinheiro para pagar o ônibus, para que eu pudesse treinar. As dificuldades sempre vão existir, e eu ainda as enfrento mesmo aos 38 anos de idade.

Ainda há muito preconceito em relação ao futebol feminino do Brasil, mesmo depois de tantos resultados expressivos?
Sim, ele existe. O preconceito não zerou totalmente no país ainda. No meu caso, meus amigos sempre me incentivaram e levaram para jogar bola com eles. Mas meus irmãos não aceitavam que pudesse jogar futebol. Várias vezes eu apanhei, e tive que passar por cima disso. E a vontade da minha em me ver jogar bola foi determinante. Engoli o choro, as dores, enfrentei as dificuldades e esse que pra mim foi o maior preconceito, dentro da minha própria casa.

E quando você deu o grande salto para sair do sonho e começar a transformá-lo em realidade para se tornar uma jogadora profissional?
“Eu tive a oportunidade de sair de casa aos 12 anos de idade. Uma pessoa me assistiu e procurou a minha mãe para pedir. Fez a proposta e ela aceitou que fosse viajar pelo Brasil e jogar futebol. Aos 14 anos eu praticamente já estava em um time profissional, e no ano seguinte fui a revelação do Campeonato Brasileiro. Com 16 já disputei o meu primeiro Mundial. Tudo aconteceu muito rápido, e não tive muito tempo a perder com o preconceito. Inclusive, muitos que me criticavam começaram a me apoiar e elogiar.

Com tantas dificuldades, preconceito e obstáculos a serem superados, houve algum momento em que pensou em desistir da carreira? 
Eu já pensei em desistir sim, no meu quarto mundial. Lutamos muito, ficamos fora de casa, longe da família, sofrendo preconceito e tentando mostrar nosso valor aos que comandam o futebol brasileiro. Mas os esforços nem sempre valem a pena, pois não tinha valorização. Isso mudou um pouco, quando algumas pessoas passaram a abraçar a modalidade. E também sinto novamente a minha mãe, porque foi realmente a pessoa que sempre me incentivou e acreditou. Vejo meninas que estão surgindo com essa vontade de jogar, e passam por isso. Pensei que se eu parasse poderia ser exemplo negativo para elas. Como já tinha um reconhecimento, decidi continuar.

Em sua trajetória, já conheceu pessoas de sucesso na carreira e muitas outras que desistiram por motivos diversos. O que evoluiu e o que precisa melhorar dentro da estrutura do futebol feminino no país?
Se houvesse uma união entre os governos, empresas, a CBF e demais federações poderíamos evoluir. Em cada estado do nosso país existe um campeonato organizado. Os clubes também precisam de uma estrutura melhor, criar um departamento e aceitar o futebol feminino. Fazer um trabalho com meninas desde a base. É onde vamos ter material para vender o futebol feminino. Enquanto isso não acontecer vamos continuar engatinhando, bem atrás das potências. Enquanto uma ou duas meninas são promovidas aos profissionais, outras cinco ou seis desistem. Há coisas que podemos copiar do exterior e implantar aqui.

O Brasil ainda convive com a geração de ouro do futebol feminino, tendo como referências você, a Marta, a Cristiane e outras. A Seleção ganhou títulos, alcançou resultados e tem aquela que pode ser considerada a maior jogadora da história. Mesmo assim a evolução da modalidade não foi suficiente. Existe o temor de que, depois dessa geração, o futebol feminino fique ainda mais esquecido. 
O medo existe sim, e a minha permanência no Brasil neste ano foi para dar esse apoio. Precisamos acelerar esse processo. Não vamos ficar para sempre, então é preciso ajudar e colocar os novos talentos em prática para não deixar cair. É um processo lento. A categoria de base precisa ser trabalhada. Conquistamos muita coisa e isso trouxe poucos benefícios. Ter a melhor do mundo não significou valorização. Precisamos de uma valorização rápida.

 

  • Alex Carvalho, responsável pelo Gol de Placa, e Formiga: visita histórica para o projeto

    Alex Carvalho, responsável pelo Gol de Placa, e Formiga: visita histórica para o projeto

  • Depois do bate-papo, Formiga calçou as chuteiras e foi a campo para brincar com as meninas

    Depois do bate-papo, Formiga calçou as chuteiras e foi a campo para brincar com as meninas

  • Equipe do Gol de Placa e a craque: Formiga fala em “medo” pela evolução lenta da modalidade no país

    Equipe do Gol de Placa e a craque: Formiga fala em “medo” pela evolução lenta da modalidade no país

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS: futebol amador
Publicidade