A dura realidade dos projetos de lei da Câmara Municipal de Nova Friburgo

Levantamento exclusivo mostra como anda o processo legislativo friburguense e os desafios para modernizá-lo em pleno ano eleitoral
sexta-feira, 04 de março de 2016
por Ivan Correia
Câmara Municipal de Nova Friburgo (Foto: Arquivo A VOZ DA SERRA)
Câmara Municipal de Nova Friburgo (Foto: Arquivo A VOZ DA SERRA)

Atento ao papel imprescindível de auxiliar a sociedade no aprimoramento de suas instituições,‭ ‬através da divulgação e análise de informações,‭ ‬o jornal A VOZ DA SERRA preparou uma série de reportagens sobre o Legislativo‭ ‬de nossa cidade.‭ ‬Inauguramos a série com um levantamento exclusivo das matérias que tramitam na Câmara,‭ ‬bem como os desafios que encontram para‭ ‬se tornarem leis efetivas.

São desafios de ordem técnica muitas vezes,‭ ‬mas o embate político gerado por interesses conflitantes entre oposição e governo certamente dificulta o processo,‭ ‬tornando-o ainda mais lento.‭ ‬Para que se entenda melhor como funciona‭ ‬esse trâmite burocrático,‭ ‬preparamos um quadro,‭ ‬que acompanha a matéria,‭ ‬sobre como um projeto se torna lei na Câmara Municipal de Nova Friburgo.

Desde‭ ‬2007‭ ‬a Câmara friburguense conta na internet com um dispositivo denominado Sistema de Apoio ao Processo Legislativo.‭ ‬Ele está disponível para acesso a partir de qualquer computador,‭ ‬por qualquer pessoa,‭ ‬e graças ao trabalho da equipe técnica da Câmara,‭ ‬vem funcionando como um retrato‭ ‬do processo legislativo local e serviu como base de dados para a confecção desta reportagem.

Bate-Rebate

O último ano da Legislatura‭ ‬2013-2016‭ ‬começa marcado pela insatisfação de muitos vereadores.‭ ‬O motivo‭? ‬Alegam demora na análise e no consequente acúmulo de projetos de lei dentro da principal comissão da Casa:‭ ‬a Comissão de Constituição,‭ ‬Justiça e Redação Final‭ (‬CCJRF‭)‬.‭ ‬O vereador Cláudio Damião foi enfático nesse sentido:‭ “‬Acima de tudo temos que ter bom senso.‭ ‬Creio que isso não acontece no caso do presidente da CCJRF,‭ ‬que tem à disposição dele,‭ ‬além de seus assessores normais,‭ ‬dois auxiliares que estão lá especificamente para ajudá-lo no trâmite dos projetos que lá se encontram‭”‬.‭ ‬Damião vai ainda mais longe e envolve o Executivo:‭ “‬Já tivemos casos onde um projeto que dependa de uma análise técnica de uma das secretarias do Executivo acabe por fazer como que um passeio pela Prefeitura,‭ ‬em um claro intuito político de barrar a votação de algumas matérias em plenário‭”‬.

O vereador Zezinho do Caminhão acompanha seu colega de oposição na crítica à postura de Nami,‭ ‬assim como Professor Pierre,‭ ‬que acrescentou:‭ “‬Sempre que um projeto de real interesse da população vem da base governista,‭ ‬a oposição se porta de forma republicana e vota com o governo.‭ ‬O contrário nunca acontece‭”‬.‭ ‬E acrescenta ainda:‭ “‬Ficamos muitas vezes com a‭ ‬faca no pescoço,‭ ‬uma vez que muitos projetos que vêm do Executivo são colocados para votação em plenário no afogadilho,‭ ‬são matérias que deviam ser submetidas a uma análise mais criteriosa,‭ ‬mas acabam sendo proferidos pareceres na própria sessão‭”‬.

Todos os vereadores de oposição consultados reconheceram prontamente a necessidade de que cada um de seus projetos seja analisado com cuidado.‭ ‬Argumentam,‭ ‬contudo,‭ ‬um rigor seletivo por parte da presidência da CCJRF.‭ ‬Damião pondera:‭ “‬Ainda que o regulamento permita,‭ ‬do ponto de vista legal,‭ ‬que exista esta demora,‭ ‬o que falta aqui muitas vezes é o mencionado bom senso,‭ ‬o que dificulta nossa capacidade de prestar um serviço adequado à sociedade‭”‬.

O presidente da CCJRF,‭ ‬por sua vez,‭ ‬reage às críticas com tranquilidade e rebate de forma incisiva:‭ “‬São cinco membros dentro da comissão e cada um vota de forma independente.‭ ‬Desafio qualquer um aqui a encontrar nos meus pareceres uma diferença de tratamento técnico em projetos da oposição ou do governo.‭ ‬Tem vereador aqui‭ ‬que gosta é de jogar para a plateia.‭ ‬Populismo em vez de respeito ao trâmite‭”‬.

A qualidade técnica dos projetos apresentados é um ponto importante na réplica de Nami:‭ “‬Eu não vou expor os meus colegas aqui,‭ ‬mas peguei casos de vereadores que propuseram a concessão de título de cidadão friburguense para pessoa nascida na cidade.‭ ‬Isso envergonha a casa‭”‬.

Nami pondera que‭ ‬“o rigor na análise é‭ ‬absolutamente fundamental‭”‬,‭ ‬lembrando um caso recente de um projeto de lei do vereador Joelson do Pote,‭ ‬que dispõe sobre a remoção e transporte de terra nos limites da cidade.‭ ‬Reconhecendo a atividade econômica e a importância de regulamentá-la,‭ ‬a CCJRF precisou antes ouvir o Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro,‭ ‬que lembrou proibição expressa de se remover terra‭ ‬de áreas de risco ou interditadas.‭ ‬O projeto foi,‭ ‬então,‭ ‬emendado e aprovado por unanimidade em plenário,‭ ‬com o reconhecimento por parte da oposição da correição na conduta de Nami naquele caso.

O presidente argumenta também que tem como praxe enviar todos os projetos que chegam a sua mão para o Departamento Legislativo.‭ ‬Ele explica:‭ “‬Já peguei inúmeros casos aqui onde a lei proposta tem uma equivalente já em vigor.‭ ‬Algumas vezes encontramos projetos que copiaram,‭ ‬ipsis litteris,‭ ‬leis que já existem‭”‬.‭ ‬Nami‭ ‬lembra,‭ ‬ainda,‭ ‬que apesar da CCJRF ser a primeira comissão a se manifestar,‭ ‬em muitos casos outras comissões temáticas,‭ ‬de acordo com as especificidades de cada projeto,‭ ‬precisam também ser ouvidas,‭ ‬o que aumenta o tempo de tramitação,‭ ‬mas não pode ser evitado.

Lacuna legal

A VOZ DA SERRA fez um levantamento do total de projetos de lei que tramitam na comissão e descobriu,‭ ‬até o fechamento dessa edição,‭ ‬56‭ ‬projetos que aguardam parecer da CCJRF.‭ ‬De projetos que vêm do próprio Executivo até uma série de projetos de um mesmo vereador,‭ ‬o levantamento chama mais atenção do ponto de vista legal do que político.‭ ‬Isso porque o Regimento Interno da Câmara acaba permitindo,‭ ‬na prática,‭ ‬que a CCJRF tenha prazo indeterminado para emissão de seus pareceres.‭ ‬Vale a transcrição do artigo que versa sobre o assunto:

‭“‬Artigo‭ ‬68.‭ ‬É de‭ ‬10‭ (‬dez‭) ‬dias o prazo para qualquer Comissão Permanente se pronunciar,‭ ‬a contar da data do recebimento da matéria pelo seu Presidente.

‭§‬1º O prazo a que se refere este artigo será duplicado em se tratando de proposta orçamentária ou do processo de prestação de contas do Executivo e é triplicado quando se tratar de projeto de codificação.

I‭ ‬-‭  ‬não sendo cumprido o prazo previsto no caput do art.‭ ‬68,‭ ‬o Autor do projeto poderá requisitá-lo para ir a votação independentemente de parecer,‭ ‬exceto para os pareceres oriundos da CCJ e Comissão de Finanças e Orçamento.

§‬2º O prazo a que se refere este artigo é reduzido pela metade,‭ ‬quando se tratar de matéria colocada em regime de urgência e de emendas e subemendas apresentadas à Mesa e aprovadas pelo Plenário‭”‬.

A leitura do inciso I,‭ ‬a princípio,‭ ‬oferece a garantia de tramitação em caso de descumprimento do prazo estabelecido no caput do artigo.‭ ‬O problema é que,‭ ‬no próprio inciso,‭ ‬nota-se que a CCJRF está‭ ‬isenta deste dispositivo.‭ ‬Como todos os projetos de lei apresentados na Câmara têm de,‭ ‬obrigatoriamente,‭ ‬passar pela CCJRF,‭ ‬a mesma dispõe de prazo indeterminado para análise.‭ ‬O regimento chega a prever a possibilidade de um relator‭ ‬ad hoc ser designado para o caso,‭ ‬mas,‭ ‬curiosamente,‭ ‬o prazo que lhe é dado não tem nenhuma sanção atrelada.‭ ‬Ou seja,‭ ‬se o prazo for descumprido,‭ ‬não há previsão legal de como um vereador que se sinta prejudicado possa proceder.

Modernização Legislativa para‭ ‬2016

Durante o levantamento,‭ ‬A VOZ DA SERRA ouviu boa parte dos vereadores e as lideranças da Casa,‭ ‬inclusive o presidente Marcio Damazio,‭ ‬para que se posicionassem a respeito dessa lacuna permitida pelo Regimento Interno.‭ ‬Todos se posicionaram favoráveis a uma modernização‭ ‬legislativa,‭ ‬lembrando algumas iniciativas já em curso.‭ ‬Até mesmo Nami não é contrário a mudanças,‭ ‬desde que a CCJRF continue com os meios de apreciar todos os projetos‭ “‬com o rigor que cada um deles pede‭”‬.‭ ‬O vereador Marcelo Verly,‭ ‬por sua vez,‭ ‬foi além‭ ‬e falou da necessidade de que tanto o Regimento Interno quanto a Lei Orgânica do Município sejam aprimorados,‭ “‬evitando mudanças pontuais que,‭ ‬se feitas às pressas e sem levar em consideração como podem afetar outros aspectos da legislação,‭ ‬acabarão por ter o efeito contrário ao desejado‭”‬.

A Casa conta com uma comissão específica para tratar do assunto:‭ ‬a Comissão de Análise,‭ ‬Revisão e Fiscalização do Regimento Interno da Câmara e Lei Orgânica do Município.‭ ‬Ela é composta dos vereadores Gabriel Mafort,‭ ‬Marcelo Verly e Professor Pierre‭ (‬Presidente da Comissão‭)‬.‭ ‬Pierre afirmou que o artigo‭ ‬68‭ ‬vai ser modificado,‭ ‬além de outros artigos,‭ ‬de forma a agilizar o trâmite de projetos dentro da Casa.‭ ‬Promete protocolar o pedido na próxima semana e se comprometeu a acompanhar de perto a evolução da proposta.

Balanço

Para auxiliar os leitores na avaliação dos trabalhos do Legislativo municipal,‭ ‬foi preparado um quadro com uma síntese da atuação de cada vereador.‭ ‬O levantamento não se propõe a fechar questão quanto a qualidade da atuação de cada um,‭ ‬uma vez que para isso faltariam outros critérios,‭ ‬muitos até subjetivos.

Ao invés disso,‭ ‬oferecemos uma leitura sintetizada de parte importante do que o Sistema de Apoio ao Parlamentar oferece à população.‭ ‬Em um‭ ‬mundo onde a transparência tenta se estabelecer como regra,‭ ‬A VOZ DA SERRA se coloca ao lado da população durante todo este ano eleitoral,‭ ‬com a série inaugurada hoje sobre o Legislativo de Nova Friburgo.

Como um Projeto se torna Lei na Câmara Municipal de Nova Friburgo

A pedido do jornal,‭ ‬o Assistente Legislativo da Câmara Municipal,‭ ‬Hugo Lontra,‭ ‬preparou conosco um quadro sobre o trâmite que transforma um projeto em uma lei efetiva.

1º Passo‭ ‬– Redação e Protocolo:‭ ‬o primeiro passo é a redação de‭ ‬um projeto‭ (‬que pode ser feito pelo Legislativo,‭ ‬Executivo ou,‭ ‬dentro de critérios,‭ ‬por iniciativa popular‭)‬,‭ ‬dividindo o seu conteúdo no modelo clássico de leis‭ (‬artigos,‭ ‬parágrafos e incisos‭)‬.‭ ‬Após a redação o projeto é protocolado na Câmara.

2º Passo‭ ‬– Inclusão no Expediente:‭ ‬após o protocolo de um projeto de lei‭ (‬PL‭) ‬na Câmara Municipal,‭ ‬a matéria segue uma tramitação básica prevista no Regimento Interno da Casa.‭ ‬Contudo,‭ ‬dependendo da complexidade ou mesmo do interesse popular,‭ ‬essa tramitação pode levar mais ou menos tempo até se tornar uma lei.‭ ‬Todos os PLs,‭ ‬após serem formalmente protocolados na Câmara,‭ ‬são obrigatoriamente incluídos no expediente da reunião seguinte.‭ ‬Esse momento serve para fornecer a devida publicidade ao projeto,‭ ‬principalmente para os parlamentares,‭ ‬pois há a leitura da ementa das matérias que ingressaram no Legislativo.

3º Passo‭ ‬– Encaminhamento a CCJRF:‭ ‬no dia seguinte a leitura do expediente,‭ ‬o PL é encaminhado à Comissão de Constituição,‭ ‬Justiça e Redação Final‭ (‬CCJRF‭)‬,‭ ‬que é composta de cinco membros.‭ ‬Atualmente esses membros são:‭ ‬Nami Nassif‭ (‬Presidente da Comissão‭)‬,‭ ‬Gustavo Barroso,‭ ‬Christiano Huguenin,‭ ‬José Carlos Jacutinga e Gabriel Mafort.‭ ‬Nesse momento,‭ ‬o PL pode tomar diversos caminhos,‭ ‬pois,‭ ‬a CCJRF pode entender que:
I‭) ‬é necessário apenas seu parecer‭;
II‭) ‬é necessário parecer de uma ou mais comissões técnicas ou órgãos internos da Câmara.‭ ‬Para se ter uma ideia,‭ ‬atualmente existem‭
III‭) ‬é necessário audiência em alguma secretaria do Poder Executivo ou externa à Câmara ou ainda‭;
IV‭) ‬é necessário realização de audiências públicas para debater melhor o tema.
Pode ocorrer ainda da CCJRF dar todos os pareceres favoráveis‭ (‬cinco membros‭) ‬quando o PL é encaminhado para o arquivo.

4º Passo‭ ‬– Inclusão na Ordem do Dia:‭ ‬após a fase de pareceres,‭ ‬estando estes presentes,‭ ‬o PL é encaminhado à Secretaria da Casa para que possa ser incluído na Ordem do Dia para discussão e votação.‭ ‬Um Projeto de Lei Ordinária é deliberado em regra em duas discussões,‭ ‬exceto quando um requerimento de urgência é aprovado em plenário.

5º Passo‭ ‬– Envio ao Executivo:‭ ‬sendo aprovado o PL,‭ ‬é confeccionada a lei e encaminhada ao Chefe do Executivo‭ (‬Prefeito‭)‬,‭ ‬que poderá sancionar e publicar a norma ou vetá-la.‭ ‬O veto pode ser total ou parcial,‭ ‬que é aquele que recai sobre artigo,‭ ‬parágrafo,‭ ‬inciso ou alínea.‭ ‬O veto pode ser derrubado pelo Poder Legislativo pelo voto de‭ ‬2/3‭ ‬dos parlamentares.‭ ‬Caso o veto seja derrubado,‭ ‬este será promulgado pelo Presidente da Câmara.

Metodologia:‭ ‬entenda os critérios utilizados no levantamento

Durante o levantamento e a análise dos dados coletados,‭ ‬A VOZ DA SERRA utilizou os seguintes critérios para compor a matéria:

1º Critério:‭ ‬os dados coletados abrangem toda a legislatura,‭ ‬ou seja,‭ ‬do início de‭ ‬2013‭ ‬até o fechamento desta edição.

2º Critério:‭ ‬foram levantados‭ ‬1‭) ‬Projetos de Emenda a Lei Orgânica‭; ‬2‭) ‬Projetos de Indicação Legislativa‭ ‬(quando um vereador pede que o Executivo confeccione uma lei que é de sua competência exclusiva‭)‬; 3‭) ‬Projetos de Lei Complementar‭ ‬e‭ ‬4‭) ‬Projetos de Lei Ordinária.

3º Critério:‭ ‬toda e qualquer divergência,‭ ‬em termos de atualização,‭ ‬que uma matéria possa apresentar entre o que consta na Internet e sua realidade dentro da Câmara foram desconsideradas.‭ ‬Este último critério é o mais importante e digno de esclarecimento.

Seja por conta da Lei de Acesso a Informação como pelos critérios de transparência que cada vez mais devem pautar o cotidiano da política,‭ ‬se uma informação não está disponível de forma correta para a população,‭ ‬não conta na estatística preparada pelo jornal.‭ ‬Sempre que alguém queira consultar o andamento de um projeto,‭ ‬existe na consulta um campo chamado Ultima Ação e,‭ ‬pelo exposto acima,‭ ‬o mesmo deve necessariamente corresponder‭ ‬à realidade do andamento na Câmara.

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