Desapegue-se

Substantivo masculino, nos dicionários significa falta de apego, afeição, desamor, desinteresse, indiferença. Desprendimento diante das coisas superficiais, das vaidades em detrimento de fatos importantes e que fazem sentido à vida. Saber dividir e compar
sexta-feira, 15 de junho de 2012
por Jornal A Voz da Serra

Carlos Emerson Junior

Desapego. Substantivo masculino, nos dicionários significa falta de apego, afeição, desamor, desinteresse, indiferença. Desprendimento diante das coisas superficiais, das vaidades em detrimento de fatos importantes e que fazem sentido à vida. Saber dividir e compartilhar.

Mas, sei lá, essa definição é muito econômica! O budismo ensina que “quem a tudo renuncia jubiloso, alcança, já agora, a mais alta paz do espírito; mas quem espera vantagem das suas obras é escravizado pelos seus desejos”. É aquela velha questão: o problema não é não ter uma Ferrari na garagem e sim achar que precisa de uma!

Vivemos tempos onde o único objetivo parece ser o consumo, fonte de prazer disponível em cada shopping do bairro ou nas lojas eletrônicas da internet, convenientemente parcelado em 12 vezes sem juros. E piorou depois que o Steve Jobs nos convenceu que seus gadgets são essenciais, mesmo que ninguém realmente precise deles.

Pois é, aqui estou eu tentando falar de desapego mas é bom vocês saberem que já tive três carros na garagem, uma coleção com mais de mil bolachões de vinil nas estantes, aparelhos de som de todos os tipos, montanhas de livros e o péssimo hábito de trocar de celular a cada lançamento, o que deixava a coitada da minha mulher preocupadíssima, esperando virar a bola da vez.

Nem tanto e como gosto de falar, um dia a gente aprende que não podemos nos medir pelos bens materiais a que nos apegamos. Saber viver com o que temos, sem entrar nessa paranoia que a sociedade e a economia ocidental literalmente nos vende diariamente, já é um bom começo. Não somos monges ou ascetas, mas é importante ter em mente que o que realmente vale é saúde, compaixão e honestidade.

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Se conhecemos o caminho para praticar o desapego material, o mesmo não podemos afirmar do desapego ao poder. Para começar, basta um olhar mais atento para o nosso quadro político e perceber que, apesar do regime democrático, ignoramos ou permitimos a criação de mecanismos que perpetuam os nomes e grupos de sempre. Políticos desapegados existem, sem dúvida, mas são tão poucos que chegam a ser considerados figuras excêntricas.

O poder é inebriante, contagia e vicia. Aliás, sejamos sinceros, qualquer poder, não apenas o político! De novo a filosofia oriental ensina que todos nós somos líderes: se não temos uma empresa, temos uma família. Se não temos uma família, temos a nossa própria vida e, em última instância, o relacionamento com nós mesmos. O segredo é como fazemos isso.

Desapego ao poder não é se afastar do fato e sim reconhecer que temos o nosso momento e apenas ele. O grande lance é saber a hora de seguir em frente sem prejudicar ninguém. Afirmar, como os políticos adoram, que já fez muito pela população não passa de bravata populista e conversa fiada! Solidariedade não é moeda de troca ou ação marqueteira, é obrigação de qualquer ser humano.

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E o desapego emocional, vai ficar de fora? Para o Dalai Lama, amor requer desapego, saber que não possuímos ninguém ou somos propriedade de outrem. O verdadeiro amor não é apenas um jogo a ser jogado ou uma relação que pode ser contratada em uma escritura de posse. Paixão, respeito, amizade e muita cumplicidade são os ingredientes de uma relação estável e feliz.

Lembre-se que ninguém gosta de ser controlado e cobrado por somenos. O ser humano é naturalmente gregário, sujeito a amores e amizades em todas as suas fases da vida. Julgar que é dono ou que pode comprar apego, digamos assim, é um equivoco completo. Talvez seja piegas, mas o amor ao próximo é que mais nos aproxima das divindades que tanto buscamos.

Conversando com uma amiga comentei que com a idade a gente fica naturalmente mais desapegado, mas aí bateu a dúvida, será que não são as coisas que não querem mais se apegar a nós? É, confesso que muito vivi e sei muito bem que, ao contrário dos faraós e nobres do Egito antigo, não vou levar ouro, vinhos, joias e escravas nuas para uma sepultura numa pirâmide qualquer, pelo contrário.

Quer um conselho? Desapegue-se!

Antes de sair correndo para comprar um carro novo, pense bem se vale a pena trocar de carro. Aliás, será que você realmente precisa de um carro? E aquele closet cheio de roupas e sapatos, sem uso há pelo menos um bom par de anos, que tal doar para quem necessita? As estantes de sua casa estão abarrotadas de livros, juntando mofo e poeira? Biblioteca neles! A namorada ou namorado controla até a hora do seu banho? Hum, desapego nela. Ou nele!

Desapego de verdade é doar uma parte de seu tempo e ler um livro para um cego ou passear com um idoso. Participar de um mutirão de limpeza, como fez o pessoal lá do Córrego Dantas, depois da chuva de janeiro. Manter a capacidade de se indignar com injustiças e não ter medo de defender quem está sofrendo com elas.

Desapego é simplesmente uma questão de humanidade, é ubuntu, como ensinam os africanos. Desapego é o caminho para a felicidade.

* carlosemersonjr@gmail.com

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