Da euforia ao pós-olímpico: o que fica de lição e legado

Duas semanas de magia, euforia, emoções, decepções e principalmente vibração
segunda-feira, 22 de agosto de 2016
por Vinicius Gastin
Jhennifer Alves: referência friburguense nos esportes olímpicos (Foto: Arquivo A VOZ DA SERRA)
Jhennifer Alves: referência friburguense nos esportes olímpicos (Foto: Arquivo A VOZ DA SERRA)

Duas semanas de magia, euforia, emoções, decepções e principalmente vibração. O país se transformou em um grande coração, e o mundo pulsou no ritmo verde e amarelo. O Brasil atirou e atingiu o alvo com Felipe Wu, arremessou no basquete, arriscou no handebol, sacou com os meninos e meninas do vôlei, na praia e na quadra.

A emoção de Alison e Bruno, o choro de Serginho, líbero do vôlei, maior medalhista nacional em esportes coletivos. Os brasileiros remaram para a história com Isaquias Queiróz, lutaram com cada atleta nas artes marciais. No embalo de Robson Conceição, nocauteamos a desconfiança do mundo em relação à competência para sediar um grande evento.

Levantamos esse peso de maneira sincronizada, como no bailar de uma equipe de nado. Ou como na ousadia de nosso polo aquático, misturando gol e água! Toda Nova Friburgo nadou com Jhennifer Alves, e vibrou com a marcante participação da atleta friburguense.

Uma verdadeira obra de arte, no ritmo e beleza de nossos ginastas. Pedalamos, velejamos com Kahena Kunze e Martine Grael, sacamos com Belucci. Um salto para a eternidade, através de Thiago Braz e companhia. No palco mais famoso do esporte mundial, o futebol masculino conquistou o único título que ainda faltava. A camisa amarela foi retocada com dourado por Neymar e companhia numa verdadeira apoteose, que apenas os Deuses do futebol poderiam explicar.

As meninas não levaram medalha, mas conquistaram o coração da torcida. Não há ouro algum que supere. As Olimpíadas do Rio terminam, e já conclamam o início das Paraolimpíadas. Os Jogos passaram na mesma velocidade em que Usain Bolt atravessou a pista do estádio olímpico Nilton Santos. Como um raio! O livro Rio 2016 tem o seu ponto final. As histórias, legados, momentos, obras e despesas estão escritas. Investigações são necessárias, possíveis punições também. Assim como a reflexão: será mesmo que somos todos olímpicos?

A nossa realidade...

Não é de agora que o país carece de entendimento sobre o verdadeiro papel do esporte na sociedade. Enquanto os Estados Unidos investem, por exemplo, em programas de bolsas de estudo atreladas à prática esportiva, o Brasil ainda sobrevive da atuação de abnegados, projetos sociais e pequenas instituições que lutam contra a falta de apoio e incentivo. É pouco, quase nada.

Dentro desse contexto, nos próximos quatro anos, até a realização dos Jogos Olímpicos do Japão, provavelmente grande parte do país não vai sequer tomar conhecimento da caminhada de Isaquias, Felipe Wu, Thiago Braz, Rafaela Silva, Kahena, Martine. Imagine de quem nem foi finalista olímpico.

Em Nova Friburgo, muitos desportistas lutam diariamente para não abandonar o sonho de vencer no esporte. O desânimo pela falta de estrutura e apoio convive no mesmo patamar da esperança. Até mesmo os esportes mais tradicionais carecem de maior atenção. Grande parte dos torcedores sequer saberá sobre Marta, Cristiane, Beatriz e outras craques da seleção feminina.

No município, há projetos e equipes de futebol feminino que sobrevivem de paixão. Há três anos, equipes participaram da Supercopa SAF da modalidade, que trouxe uma ponta de expectativa de recomeço depois de 12 anos, mas o resgate do futebol para as mulheres não foi concluído. No dia 11 de abril de 1983, o extinto Conselho Nacional de Desportos regulamentou o futebol feminino e autorizou o esporte em todos os municípios do Brasil. Trinta e três anos depois, a teoria não se transformou em prática.

O vôlei, por exemplo, traz na história alguns nomes que representam a modalidade, como Maria Julia Batista Freire, justamente pelo exemplo que sempre deu, dividindo seu tempo com o vôlei dentro e fora da quadra. Daquela época de ouro restaram poucos, como o professor Luiz Roberto Scheidt. Projetos surgem, como o do Nova Friburgo Country Clube, por exemplo, mas existem obstáculos que impedem passos mais ousados.

Apesar de muito praticado nas escolas friburguenses, o handebol ainda precisa ser melhor estruturado. O atletismo sobrevive de trabalhos como o realizado pela Associação de Corredores Friburguenses (Ascof) há quase 30 anos, ou pelas recém criadas assessorias de corrida. Sem contar os projetos sociais, a exemplo do Atleta Cidadão.

Bons nomes surgem e despontam, mas logo são travados pelas dificuldades. Vários talentos se perdem ao longo dessa tortuosa estrada. Quadro muito semelhante ao do judô, onde projetos como o Solução fazem do esporte um instrumento de inclusão social. A consciência e a visão que faltam ao poder público sobram a quem insiste em remar contra a maré.

O que dizer de uma cidade que tem dois lutadores se destacando nas duas maiores organizações de MMA do planeta? Edson Barboza e Marlon Moraes puxam o sonho de quem procura as mais diversas modalidades das artes marciais, seja pelo sonho de competir ou apenas por qualidade de vida. Dentro desse cenário, tantos mestres, como Anderson França, Wilson Féu e Giovanni Carvalho, representando dezenas de outros, aparecem como figuras fundamentais.

Não há como deixar de citar o potencial natural de Nova Friburgo para competições de ciclismo, por exemplo. A própria natureza tratou de construir as trilhas e sonhos para quem faz do pedal a sua vida ou o seu lazer. Na ginástica, além do Grupo Silvana Gym, há outras iniciativas importantes espalhadas pela cidade. No hipismo, Matheus Garrido se destaca há algum tempo, enquanto que a canoagem faz de Lumiar a sua casa. A nível nacional, inclusive.

A partir de Jhennifer Alves, as piscinas passaram a ter outra conotação no contexto municipal. Embora essa modalidade tenha uma importância enorme desde sempre, ajudando centenas de pessoas no tratamento de problemas respiratórios, por exemplo. A própria Jhenny começou a trilhar seu caminho por esse motivo.

Olímpicos ou não, o futebol de mesa, o rugby (que passará a integrar os Jogos a partir de 2020), o futebol americano, o bolão e tantas outras modalidades consagram inúmeros friburguenses. Não só pelos títulos ou conquistas, mas principalmente pela persistência e transformações por eles proporcionadas.

Quanto ao futebol, o carro-chefe brasileiro: o ouro olímpico veio no masculino, mas ele não pode maquiar a realidade. A mentalidade e a maneira de agir dos dirigentes não podem se esconder atrás de um sonho dourado. A corrupção e o descaso com o futebol de base e do interior não devem ser esquecidos por conta de uma grande conquista. Muitos clubes pedem socorro, e o Friburguense, que há anos luta com muitas dificuldades, é o exemplo mais próximo da nossa realidade. O Brasil não pode sobreviver apenas de talento e trabalhos pontuais.

Rogério Micale, técnico campeão, só comandou a seleção nas Olimpíadas porque Dunga foi demitido do time principal antes dos Jogos. Que planejamento é esse? Aquele mesmo que se apoia e transfere toda a responsabilidade para jogadores como Neymar, por exemplo, que se torna vidraça em meio à podridão dos bastidores.

O espírito olímpico ainda toma conta do Brasil, e talvez perdure por algum tempo. Dos Jogos do Rio ficam os momentos, a estrutura e o recorde brasileiro em termos de conquistas: sete medalhas de ouro, seis de prata e outras seis de bronze. Dezenove motivos para acreditarmos e investirmos um pouco mais em cada modalidade, em cada sonho, em cada ideal. A partir das escolas, do ensino, passando pelos projetos, tornando parte da cultura e chegando à descoberta de novos talentos. Apenas dessa forma seremos sempre todos olímpicos.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS: Jogos Olímpicos
Publicidade