Comte: “Não foram os incentivos fiscais que faliram o Rio”

Em entrevista ao VOZ DA SERRA, deputado estadual defende manutenção do regime especial de tributação para a moda no Estado do Rio
sexta-feira, 07 de julho de 2017
por Márcio Madeira
Comte Bittencourt: conseguiram criminalizar uma política que tem como foco central proteger a economia do estado (Foto: Henrique Pinheiro)
Comte Bittencourt: conseguiram criminalizar uma política que tem como foco central proteger a economia do estado (Foto: Henrique Pinheiro)

A VOZ DA SERRA: Quando explodiu a crise financeira do Estado do Rio de Janeiro e os salários começaram a ser atrasados, falou-se muito no montante de incentivos fiscais que haviam sido concedidos pelo governo do PMDB. E esta questão repercutiu de forma muito negativa através das redes sociais, a ponto do tema ter se tornado maldito junto a grande parte da população. O senhor, no entanto, tem uma atuação já bastante longa em favor de determinados casos de incentivos fiscais, sendo autor da lei, por exemplo, que ampliou a competitividade do setor metalmecânico friburguense. Qual a visão do senhor a respeito da concessão de incentivos fiscais num momento de crise como o atual?

Comte Bittencourt: É verdade, o incentivo foi amaldiçoado no Rio de Janeiro. Ou seja: conseguiram criminalizar uma política que tem como foco central proteger a economia do estado. É importante a gente lembrar aqui, de forma preliminar, que fazemos parte de uma federação que promove uma guerra tributária, uma guerra fiscal. Então, se o estado não se proteger desta guerra fiscal, ele se torna pouco competitivo para a atração de negócios capazes de gerar emprego, gerar riquezas e pagar tributos. O governo Sérgio Cabral teve pouca transparência na concessão de muitos incentivos. A Assembleia Legislativa concedeu, de forma indevida, um dispositivo de incentivo por decreto. Ou seja: o Poder Executivo podia conceder o incentivo por fora da lei. Agora corrigimos o rumo, e suspendemos por dois anos qualquer novo incentivo, exceto aqueles concedidos por lei. Este é um ponto. Agora, estamos vivendo em Nova Friburgo uma semana de uma área que é estratégica, que é a moda íntima. A moda íntima de Friburgo e o setor metalmecânico representam as áreas mais fortes da economia formal. A moda, inclusive, talvez seja a que mais empregue na cidade. A Fevest é um exemplo de uma área que não vive sem o incentivo. Vamos lembrar que dez anos atrás a moda íntima em Friburgo pagava 19% de ICMS. A lei do deputado André Correa criou um regime especial para a moda íntima, e trouxe para 2,5% o ICMS. E o que foi importante nisso aí? Primeiro, a maior parte das pequenas confecções saiu da informalidade. E, indo para a formalidade, passaram a gerar mais empregos formais, e também uma arrecadação de tributos maior. A riqueza da cidade passa a circular mais. É um êxito, a moda íntima é um êxito.

No seu entendimento, o mesmo pode ser dito do setor metalmecânico?

O que acontecia 15 anos atrás com o setor metalmecânico de Friburgo? Ele não conseguia vender a sua produção para a indústria da construção do próprio estado do Rio de Janeiro. O estado comprava dobradiças e fechaduras nas indústrias de São Paulo e do Paraná, porque o Rio não era competitivo para vender internamente! A indústria de Friburgo pagava 19% de ICMS até 2003, a de São Paulo vendia aqui a 12%. Então, através da lei que nós introduzimos naquela ocasião, cortamos essa tributação em 33%. Não se trata exatamente de um incentivo, porque ali nós tornamos a indústria metalmecânica mais competitiva, ela passou a pagar 12%. Um exemplo disso é o que ela representa hoje para o mercado da construção civil do Rio de Janeiro. Em 2002 ela não vendia 20% da compra da indústria construção civil. Hoje, depois da lei, ela representa 80% da compra da construção civil no Estado do Rio de Janeiro.

E vende para outros estados também...

Sim, vende para fora. Mas ela não conseguia vender no próprio estado! O estado cobrava mais do setor que aqui empregava e aqui gerava riquezas do que de quem vinha de fora, vinha de outros estados.

A lei que concede o benefício fiscal à moda íntima está em vias de perder sua efetividade ao fim do ano que vem. Existe, neste momento, uma movimentação na Alerj para renovar este benefício. Qual o posicionamento do senhor diante desta questão, não apenas em relação ao voto, mas também na articulação junto aos seus pares no plenário?

Eu sou coautor da lei. Eu, o deputado Wanderson Nogueira, deputado Jânio Mendes (PDT), deputado Luiz Martins (PDT), deputado André Correa (DEM), que é o autor inicial da lei... De fato, a lei atual tem validade até dezembro de 2018. E com um agravante: São Paulo acabou de zerar o ICMS da moda. Em São Paulo, o ICMS da moda hoje é 0%. Então há uma preocupação, há uma mobilização do setor aqui da moda íntima, e de toda a moda do estado do Rio de Janeiro. Nós temos a moda praia em Cabo Frio, temos áreas na cidade do Rio de Janeiro que são referência na produção de moda, a indústria têxtil ainda tem uma presença no estado, não com a força que teve no passado, mas ainda tem uma presença. Então nós estamos nos mobilizando para prorrogar por seis anos, até dezembro de 2024, esse regime especial de tributação do setor de moda, incluindo a moda íntima. A nossa ideia, o nosso movimento, é tentar puxar uma audiência pública da comissão de tributação agora em agosto, trazendo a representação do setor, a Firjan e a Secretaria da Fazenda, e mostrar os números. Porque o que é importante na questão do incentivo, benefício ou regime especial, é que o poder público acompanhe as contrapartidas, coisa que no governo Cabral deixou de se fazer. Ou seja: o que era incentivo, em alguns casos, virou “bolsa empresário”.

O senhor então concorda que houve abusos em alguns casos?

Ah, não há dúvida! E está tudo demonstrado. Está demonstrada a troca de incentivos por vantagens financeiras do governante, uma vergonha. Mas nós temos que proteger e informar a sociedade. Nosso papel aqui é separar o joio do trigo. Metalmecânico e moda íntima em Nova Friburgo são exemplos claros de contrapartidas cumpridas à lei do incentivo. Emprego, circulação de riqueza e pagamento de tributos. São, portanto, exemplos que merecem um olhar especial do poder executivo e das finanças do estado.

Apesar da existência de casos justificados, o volume divulgado de incentivos parece indicar que existe muito joio neste trigo, não?

Aqueles números também são um pouco fantasiosos, sabe? O Tribunal de Contas apresentou um número que não foi confirmado, realmente não foi confirmado. A agenda de incentivos/ano é algo em torno de sete a oito bilhões de reais, enquanto o número apresentado pelo Tribunal de Contas nos últimos dez anos chegava a quase 180 bilhões de reais. O fato é que existem muitos benefícios por circulação interna que não geram tributo. Por exemplo: você pega uma mercadoria aqui e transfere para outra loja sua, numa outra cidade do estado. Você emite a nota, mas não recolhe aquele tributo. Não houve uma produção nova aí. Existem vários exemplos nessa linha. A cadeia tributária, especialmente do ICMS, é muito complexa. É fundamental que o legislador federal pense um novo pacto federativo nessa questão tributária, na própria regra dessa luta tributária que existe no País. Mas criminalizar o incentivo não é o caminho. Estigmatizou-se que o incentivo é o grande responsável pela falência do estado. Isso não é verdade. O grande responsável pela falência do estado foi a própria gestão do estado. A forma como se deu. Os governos que se acomodaram na bonança fiscal e financeira de um período, e não perceberam que na frente poderia haver um mar menos calmo. Não prepararam, não planejaram reservas. Foi um período de muita gastança, com dois eventos esportivos importantes, que acabaram alavancando muito o endividamento do estado, e de forma irresponsável. Uma série de decisões de despesa de custeio que foram tomadas. Hoje o custo do estado não cabe em sua receita. Este é o grande desafio desta reforma que o estado está tentando fazer.

Para encerrar: a partir do momento em que São Paulo zera o ICMS da moda, se o estado do Rio voltar a ter 19% de tributação, na prática o governo irá acabar com essa indústria, ao menos formalmente, não?

Ah, não há dúvida. As maiores confecções vão se transferir, e as menores vão voltar para a informalidade. Esse é o cenário que nos espera se nós, na Assembleia, não tomarmos as providências necessárias. Até porque já estamos nas portas de 2018. O setor econômico precisa ter um planejamento, precisa pensar na sua estratégia. Se até o fim de 2017 nós não apontarmos a renovação desse regime especial de tributação, possivelmente o impacto na economia de Nova Friburgo e da região será danoso. Torno a falar, as empresas estruturadas sairão daqui, as menores vão voltar para a informalidade. O que é ruim para todo mundo. É ruim para o emprego, é ruim para a economia, e é ruim para a arrecadação do estado.

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