Catuaba: técnica, talento e generosidade na ponta da agulha

Premiado tatuador friburguense reproduz aréola e mamilo em mulheres mastectomizadas. Ação é gratuita e está com agenda aberta
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
por Dayane Emrich
Catuaba trabalha na reconstituição de um mamilo (Foto: Henrique Pinheiro)
Catuaba trabalha na reconstituição de um mamilo (Foto: Henrique Pinheiro)
Quase sempre a palavra câncer é associada à tristeza e uma longa jornada de tratamentos que envolve quimio e radioterapias. De fato, conforme os relatos, passar pela doença não é fácil, já que, além dos sintomas físicos, a patologia, muitas vezes, causa transtornos psicológicos como ansiedade e depressão. No entanto, por trás dela há também histórias de coragem, força e inúmeros exemplos de solidariedade.

"Se não fosse o Catuaba, eu nunca realizaria este sonho"

Rosane Martins

No mês da campanha Outubro Rosa, movimento que chama atenção para a importância da prevenção do câncer de mama, A VOZ DA SERRA mostra uma ação que vem, ao longo dos últimos quatro anos, resgatando a auto-estima e confiança de mulheres. Isso porque, mesmo depois de passar pela cirurgia da retirada da mama (mastectomia) e realizar a reconstrução do seio, as pacientes se deparavam com a necessidade da reconstrução do mamilo.

“Tudo começou em 2013. Na época, uma mulher que havia passado pela mastectomia veio até o meu estúdio pedir para que eu fizesse o desenho do mamilo dela. Fiz a pigmentação utilizando técnicas realistas e ela ficou muito satisfeita. Eu nunca havia tido contato com alguém que enfrentou a doença e não fazia ideia de como aquele ‘pequeno’ procedimento pudesse ser tão importante para elas. A partir de então, resolvi dedicar um pouco do meu tempo a isso”, conta o premiado tatuador de 33 anos, Rodrigo Catuaba.

Dono de um estúdio em Olaria, um dos bairros mais populosos de Friburgo, Catuaba explica que o procedimento dura aproximadamente uma hora e é feito com efeito 3D, através de projeções de luz e sombra. “A ideia é aproximar ao máximo da cor e tamanho do mamilo antes da cirurgia. Elas me contam e vou adequando a coloração; com tons que vão do rosa ao marrom”, explica ele, revelando que já fez a tatuagem em mais de 30 mulheres, de diversas partes do país.

Segundo Catuaba, em alguns estúdios o valor desse tipo de tatuagem custa em média R$ 2 mil. “O projeto cresceu muito nos últimos meses e a agenda está cheia até março do ano que vem: são cerca de 80 mulheres na fila. A maior parte delas é do Estado do Rio, mas tem de Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Brasília e diversos outros locais. Elas ficam felizes e, ao ver o resultado, reagem de formas variadas. Algumas choram, outras pedem para me abraçar, algumas ficam em estado de choque, sem acreditar. Mas quem fica feliz mesmo sou eu, por poder ajudar”, conta ele.

Além da reprodução gratuita do aréolo e do mamilo, no estúdio de Catuaba as mulheres mastectomizadas podem também cobrir as cicatrizes. Neste caso, o procedimento é feito pelo tatuador Diego Belmiro, de 21 anos (foto). “Comecei como aprendiz do Catuaba há quatro anos. Como o número de mulheres que procuraram pelo procedimento cresceu, ele me chamou para ajudá-lo. Assim como ele, logo nas primeiras sessões percebi o quanto aquilo era importante para as mulheres e como as ajudaria a virar a página da doença e iniciar uma vida nova”, afirma.

Simone: a musa inspiradora

 Ao decidir fazer uma tatuagem para a pigmentação do mamilo em outubro de 2013, a professora Simone Funari, de 55 anos (foto), não fazia ideia de que estaria traçando não só o seu futuro, mas o destino de tantas outras mulheres. Ela foi a primeira a solicitar o procedimento ao tatuador friburguense e o motivo dele dar início ao trabalho gratuito que faz até hoje.

Simone descobriu o câncer em 2010, durante um exame de rotina. “Eu não sentia nada e nem tinha caroço ou nódulo. O resultado final só veio depois de três biópsias”, conta ela revelando o quão doloroso foi o diagnóstico. “É difícil explicar o que passa na cabeça. Você nunca acha que isso vai acontecer com você. É um grande choque”, conta.

O ano de 2011 foi ainda mais difícil. O fato de não ter passado por quimio ou radioterapia não tornou a trajetória da professora mais fácil. Ela passou por quatro cirurgias: a mastectomia, a retirada da mama direita e duas operações para a reconstrução da mama. “Eu só conseguia pensar: como vou me olhar no espelho?! É algo muito difícil”, conta ela, explicando que refez o mamilo direito usando a pele do esquerdo.

“O problema é que ele ficou muito mais claro e o cirurgião disse que eu poderia procurar um tatuador para fazer a pigmentação. Foi aí que me indicaram o Rodrigo”, disse. Simone fez a tatuagem em outubro de 2013. “Confesso que vim muito envergonhada, mas o Catuaba é muito profissional e me deixou extremamente a vontade. Saí muito satisfeita e hoje recomendo o trabalho dele atodas as pessoas. O estúdio virou a minha segunda casa”, afirmou.

O espelho outra vez amigo

Quem vê Rosane Saraiva Martins, de 59 anos, tão animada e sorridente não imagina que ela já passou por momentos tão difíceis. Alegre, comunicativa e cheia de energia positiva, a carioca veio a Nova Friburgo na última segunda-feira, 9, para fazer a tatuagem de reprodução do mamilo. Além de falar sobre a doença, ela contou como conheceu o trabalho de Catuaba e o que achou do resultado final do procedimento.

“Descobri que estava com um nódulo na mama direita em outubro de 2007, o que seis meses depois virou um câncer. Foram cinco longos anos de tratamento e depois fiz a reconstrução dos seios com a pele do abdômen”, relatou, explicando que, em seu caso, não foi feita a reconstrução dos mamilos.

Ela conta que recebeu a informação sobre o trabalho de Catuaba através de um aplicativo e viu ali a oportunidade de realizar um sonho. “Passei os últimos dez anos com dificuldades para encarar o espelho. É estranho se olhar e sentir que falta um pedaço de você. Se não fosse o Catuaba, eu nunca realizaria este sonho de me sentir completa outra vez. Vim com bastante medo, porque achei que iria sentir dor, mas não. Ele é ótimo! Os mamilos ficaram perfeitos, do mesmo tamanho e cor que eram. Eu não tenho como agradecer”, disse ela, emocionada.

Em vez de marcas, flores

Outra personagem desta história é a psicóloga Cristiane Mendes, de 50 anos. Ela não conhece Simone nem Rosane, mas compartilha a mesma alegria. Depois de descobrir um tumor na mama direita, em 2014, Cris passou pela quimioterapia e fez a retirada dos dois seios como prevenção, em 2015. “Fiz a reconstrução da mama com o tecido das costas e em 2016 refiz a aréola”, disse ela.

De acordo com a psicóloga, as marcas deixadas pela operação, no entanto, ainda era algo que incomodava e por isso ela decidiu cobrir as cicatrizes com tatuagens. “Sou uma pessoa aberta com a vida e acho que tudo que a gente possa usar de artifício para melhorar, é válido. Eu não usava blusa cavada e acho que agora, com a tattoo, vou ficar mais à vontade para isso. Espero que nós, que já passamos pelo câncer e optamos por fazer as tatuagens, sejamos exemplos e inspiração para outras mulheres”, pontuou.

Serviço

O projeto está com a agenda aberta e acontece sempre às segunda-feiras. As interessadas podem fazer o agendamento através do telefone (22) 99217-8273 (WhatsApp) ou pela página no Facebook Rodrigo Catuaba Tattoo. Para realizar o procedimento é necessário apresentar um atestado médico com autorização. O estúdio (foto) fica na Rua Vicente Sobrinho, 189, Olaria, Nova Friburgo.

Direitos da mulher com câncer de mama

Poucas mulheres sabem, mas existe uma série de tratamentos e benefícios que são garantidos por lei, e gratuitamente, para controle do câncer de mama. De acordo com a advogada da Comissão da Saúde da OAB Nova Friburgo, Cláudia Nakano, pacientes com qualquer tipo de câncer,  inclusive as mulheres com neoplasia mamária (câncer de mama), tem direito a privilégios como benefícios e isenções, entre eles o saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS.

"Para fazer o saque do benefício, devem ser apresentados alguns documentos, como o cartão do cidadão ou o número do PIS, a carteira de trabalho e um atestado médico válido por 30 dias, com o histórico da doença, estágio clínico atual e a cópia dos laudos diagnósticos. Para os casos de dependentes com a patologia, também é exigido um documento que confirme a ligação com a paciente", explica Cláudia.

Outra facilidade oferecida para os portadores de doenças consideradas graves é o auxílio-medicamento. Para usufruir do benefício, segundo Cláudia, “é preciso comparecer previamente em dos postos de atendimentos, secretarias e hospitais, portando RG, CPF, comprovante de residência, o laudo, que é o histórico da paciente e da doença, e receituário médico, com nome comercial, princípio ativo, dosagem e quantidade mensal do medicamento".

Entram na lista ainda o auxílio-doença e a isenção do Imposto de Renda (IR). No primeiro caso, se a paciente for assalariada e a doença incapacitá-la de exercer suas funções por mais do que 15 dias seguidos, ela poderá requerer esse benefício mensal, que equivale a 91% do seu salário. "O benefício não exige carência em casos de doenças graves, como o câncer de mama, contudo é necessário que essa mulher tenha inscrição no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e apresente o laudo médico quando for solicitar a renda auxiliar", afirma a advogada.

Em relação ao Imposto de Renda ela explica que: "Como as pessoas com HIV/Aids, cardiopatas graves e parkinsonianos, entre outros, elas têm direito a essa liberação, desde que recebam uma aposentadoria, pensão ou reforma", finaliza a advogada.

Por último, mas não menos importante, está a cirurgia reconstrutiva mamária, um dos benefícios mais ansiados pela maioria das mulheres que enfrentam o câncer de mama. "Todas as pacientes que tiveram a mama mutilada total ou parcialmente, por conta da doença, têm direito a realizar esse procedimento nas unidades da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS)", finaliza a advogada Cláudia.

 

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