“Canto do Jaburu”: cerimônia reunirá familiares e amigos no Country Clube

Cinzas do produtor e diretor teatral serão depositadas nos jardins do clube, no mesmo local onde será plantada uma muda de ipê-branco
sexta-feira, 20 de maio de 2016
por Ana Borges
Nova Friburgo Country Clube (Foto: Regina Lo Bianco)
Nova Friburgo Country Clube (Foto: Regina Lo Bianco)

Difícil definir uma criatura como Julio Cezar Seabra Cavalcanti, o Jaburu, uma pessoa de forte personalidade e natureza generosa. Seu caráter extrapolava estereótipos, não deixando brechas para avaliações condescendentes. Aliás, detestava “condescendências”, com ele era pão pão, queijo queijo. Talvez, a melhor forma de traduzi-lo seja através de poesia, principalmente, de Fernando Pessoa, no presente caso, do heterônimo Alberto Caeiro — “Quando vier a primavera”. Essa estrofe, por exemplo, diz muito de Jaburu:

“Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem. 
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. 
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências. 
O que for, quando for, é que será o que é.” 

No domingo, 22, às 11h, os jardins do Nova Friburgo Country Clube serão palco de emocionada manifestação de carinho e respeito na cerimônia de adeus do produtor e diretor teatral Julio Cezar Seabra Cavalcanti, o querido Jaburu, falecido em 19 de abril, cujas cinzas serão depositadas no mesmo local onde será plantada uma muda de ipê-branco. Cena de pura poesia.

O evento foi elaborado e organizado pelo presidente do Gama, Chico Figueiredo, que convida os friburguenses para participarem deste momento especial em memória de um dos mais importantes protagonistas da cultura e das artes de Nova Friburgo. Aliás, Chico lembra, emocionado, a cena da peça “Fernando em Pessoas" em que recitava “Quando vier a primavera”.  

O “Canto do Jaburu” tem tudo para se transformar num ajuntamento de pessoas que o amavam, admiravam e tiveram o privilégio de conviver com ele, compartilhando momentos de satisfação e decepção, realização e frustração, descontração e rabugice. Como em todo relacionamento duradouro. Fosse qual fosse o momento que “decidia” viver, com Jaburu era para valer, sem chance para arrependimentos, porque, se decidido estava, pagava o preço, sendo bom ou ruim. E seguia em frente.    

“Quando vier a Primavera, 
Se eu já estiver morto, 
As flores florirão da mesma maneira 
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. 
A realidade não precisa de mim.” 

Amigos, familiares, atores, músicos, artistas de todos os segmentos, tribos de todos os gêneros, pessoas que acompanharam a trajetória do produtor e diretor de teatro, fundador do Grupo de Arte Movimento e Ação (Gama), que este ano completa 50 anos de atividades ininterruptas, entoarão o canto do Jaburu.

Se soubesse que amanhã morria...

Sua turma de teatro e seu público hão de lembrar cenas inesquecíveis de espetáculos como: “Liberdade, liberdade, clássico do teatro de resistência escrita por Millôr Fernandes e Flávio Rangel, em 1965, com os saudosos Paulo Carvalho e Augusto Muros, Rose Vieira, direção musical de Giovanni Bizzotto; Fernando em Pessoas, com o amigo e companheiro de toda uma vida, Chico Figueiredo e Rodrigo Guadagnini; Tiradentes, Brasil, opus 72, de Girlam Miranda; Canto do amor obscuro, com João Bosco; Fantasia à moda de Clara e Em busca da água perdida, ambas de Yeda Lucimar; Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado; Faz escuro, mas eu canto; A moratória; Auto da compadecida; Eles não usam black-tie; Diário de um louco; Dois perdidos numa noite suja; e por aí vai, tantos outros espetáculos ao longo de 50 anos. Uma vida inteira.

“Se soubesse que amanhã morria 
E a Primavera era depois de amanhã, 
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã. 
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo? 
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo; 
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse. 
Por isso, se morrer agora, morro contente, 
Porque tudo é real e tudo está certo.” 

Jaburu, esse ser múltiplo e singular

Quem era essa pessoa múltipla, e, ao mesmo tempo, singular? Numa das inúmeras entrevistas que me concedeu, entre uma e outra pergunta mais pessoal, uma vez se autodefiniu: “Sou uma pessoa inconformada. Tenho uma série de lacunas, de vazios que a gente pode chamar de frustrações, mas que eu canalizo para trabalhos positivos. Se eu fosse estático, perfeito, completo, eu não faria nada”. Disse, entre outras confidências.

Quando remontou Liberdade, no Country, em 2003, Jaburu falou da tradição do Gama de interagir com a comunidade e qualificar a sua dramaturgia. “Nós procuramos textos de valor, seja de puro entretenimento ou mais reflexivo. Esse é um dos vetores do Gama, assim como é a nossa profunda dedicação ao trabalho. Ele deve ser digno e ao mesmo tempo agradar ao público e nós temos a felicidade de conseguir congregar pessoas de valor pessoal e artístico”, destacou.

Quando era diretor da Casa de Cultura do Country, Jaburu, sempre com apoio do pessoal do Gama, promoveu diversos eventos no Chalé (sede nobre, antiga residência do Barão de Nova Friburgo), como a exposição de móveis e relíquias adquiridas pelo clube e restauradas em sua gestão, num Casarão igualmente restaurado. “Estou em busca da memória do Country, porque sem memória não vamos a lugar nenhum”, comentou na época, preocupado com o futuro do Casarão.   

No entanto, Jaburu sabia que “o presente hoje já é passado amanhã. Então, vamos refletir mais sobre isso, vamos prestar mais atenção a essa passagem, aos fatos e às pessoas”. Sabia como ninguém aliar generosidade à elegância. Sua discrição era absoluta, uma marca registrada. Entendia e respeitava as diferenças, em todos os sentidos. Não fazia distinção entre a cultura dirigida ao grande ou pequeno público, entre a cultura de massa ou a alta cultura. Para ele, era o seguinte:

“O lazer puro e simples é epidérmico, é chope, papo, churrasco. É superficial, mas nem por isso sem importância. É ótimo falar abobrinha também. Eu me lembro de quando eu saía da tesouraria do Banco do Brasil, completamente estressado, tomava um banho turco aqui, tinha uma conversinha fiada ali, bebia um chope acolá, e relaxava. Depois ia pensar em Liberdade, liberdade...”.  Está aí a essência do Jaburu, e por conseguinte, do Gama, que há de continuar sua trajetória, através de Chico e o grupo.

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“Sinto uma alegria enorme 
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma”.

Com esses versos, talvez Jaburu tenha se despedido, com a coragem e a poesia que só os homens de almas nada pequenas, possuem.

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