Câmara friburguense aprimora análise dos projetos de lei

Legislatura 2013-2016 ainda não teve nenhuma de suas leis declarada inconstitucional
segunda-feira, 21 de março de 2016
por Ivan Correia
Câmara friburguense aprimora análise dos projetos de lei

Caracterizar o Brasil como um país de contrastes já ganhou ares de lugar-comum no diálogo nacional. No campo do Direito, o hiato entre o que uma lei representa na teoria e sua efetividade prática é ainda muito grande. Mesmo leis que já estão em vigor têm dificuldade em encontrar eco na realidade; são as que o jargão popular cunhou de “leis que não pegam”. Além disso, o universo jurídico brasileiro padece de um outro problema, anterior aos desafios de uma lei conseguir se fazer valer: seu caráter muitas vezes inconstitucional.

Nova Friburgo conhece hoje uma realidade muito peculiar no que diz respeito às leis que seu Legislativo produz. Das produzidas pela atual legislatura (2013-2016), somente três têm ações que correm na Justiça arguindo a constitucionalidade das mesmas. Já na legislatura anterior (2009-2012), 27 leis promulgadas naquele período foram questionadas e já tiveram sua inconstitucionalidade declarada.

No caso de Friburgo, o questionamento de suas leis municipais é feito junto ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Historicamente, o Executivo costuma ser o que mais questiona as leis produzidas pelo Legislativo, seguido pelo Ministério Público. É importante lembrar que uma lei pode ser questionada quanto a sua constitucionalidade a qualquer tempo. Nesse sentido, os especialistas ouvidos pelo jornal lembram que o contraste entre ambas as legislaturas não significa necessariamente uma diferença qualitativa, uma vez que muitas vezes a questão da constitucionalidade esbarra em uma questão política: o intuito de um dos poderes (Executivo, no caso) questionar o trabalho de outro poder (Legislativo).

Os profissionais do Direito utilizam o termo “índice de inconstitucionalidade” para quantificar o fenômeno de leis que terminam por serem declaradas inconstitucionais mesmo depois de regularmente promulgadas. Nos últimos anos esse índice vem diminuindo no país, mas ainda é considerado pelos especialistas como um entrave significativo para que o Brasil tenha um panorama jurídico mais desenvolvido.

Tripé da Inconstitucionalidade

É esta a opinião do célebre constitucionalista Luís Roberto Barroso, atualmente ministro do STF, que já se manifestou publicamente sobre o tema e o abordou em sua obra. Em entrevista concedida ainda em 2012 para a Revista Consultor Jurídico, quando da publicação do Anuário da Justiça Brasil 2012, Barroso elencou três razões fundamentais para que uma parcela considerável das leis promulgadas em nível estadual e municipal acabem por esbarrar na Constituição Federal. Os interessados podem entrar na página www.conjur.com.br/loja/home e adquirir os anuários, onde podem conferir a entrevista na íntegra.

A primeira razão diz respeito ao fato de a própria Constituição não deixar muito espaço para a autonomia legislativa dos estados. Boa parte dos temas sobre os quais se legisla regionalmente acaba ferindo a competência federal. A Procuradoria Geral da República já questionou junto ao Supremo Tribunal Federal, através da chamada ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) casos onde, por exemplo, um estado acabou legislando sobre Direito Penal, competência exclusiva da União.

A segunda razão diz respeito à hegemonia do Poder Executivo em relação à iniciativa do processo legislativo sobre variados temas. Diz Barroso: “Essa hegemonia faz com que boa parte das leis padeça do vício formal porque resultaram de projetos que nasceram na Assembleia Legislativa, quando deveriam ter se originado a partir de mensagem do Executivo”, diz. Na mesma linha, diversas ADIs já foram julgadas procedentes no STF relativo a casos onde assembleias estaduais e municipais acabaram por legislar sobre temas que deveriam ter sido desenvolvidos pelo Poder Executivo local. Chama atenção nesse caso o fato das decisões a respeito terem votação unânime no STF.

A terceira e última razão listada por Barroso diz respeito ao fato de as assembleias regionais legislarem sobre o que chamou de “temas irrelevantes”. Na opinião do jurista, a questão aqui é de competência técnica por parte dos Legislativos estaduais e municipais, que produzem leis muitas vezes desnecessárias, inócuas, quando não absolutamente desnecessárias.

Controle de Qualidade Legislativa

O último argumento listado por Barroso acaba sendo uma crítica ao corpo técnico que deve acompanhar o trabalho de cada Legislativo, mais especificamente a Comissão de Constituição e Justiça, responsável pela análise jurídica de cada lei que tramite dentro de uma Casa Legislativa. Contudo, muitas vezes o lugar-comum acaba por gerar uma confusão na opinião pública, que responsabiliza deputados e vereadores diretamente pela baixa qualidade das leis produzidas.

O procurador da Câmara de Nova Friburgo, Rodrigo Ascoly, pondera no sentido de lembrar uma das mais importantes características do modelo democrático brasileiro: representatividade não é sinônimo de qualidade técnica, sendo importante que se preserve o aspecto democrático e que os legisladores, leigos ou conhecedores de Direito, devem ser escolhidos pelos eleitores. Rodrigo lembra que os representantes eleitos “não necessariamente precisam ser especialistas em Direito Constitucional. Absolutamente. Cada Casa Legislativa tem a sua Comissão de Constituição e Justiça, que apesar de composta por vereadores, tem a natureza de um órgão técnico, com a função de avaliar os projetos de lei e auxiliar os parlamentares, equacionando aquilo que consideram leis pertinentes com uma realidade jurídica que permita a concretização desse intuito”.

Ascoly considera que o rigor tem sido a regra nos trabalhos desta legislatura, um dos motivos para a diminuição drástica de questionamentos na Justiça. O presidente da CCJ de Friburgo, vereador Nami Nassif, comemora: “Toda Casa Legislativa precisa oferecer esse controle preventivo quanto à constitucionalidade das leis que produzem. Como presidente da CCJ, há quatro anos, eu tenho que agradecer ao trabalho dos meus colegas de Comissão, que me acompanham nesse trabalho de ter uma posição firme quanto ao caráter constitucional das leis que produzimos”. Um desses colegas, o vereador Gabriel Mafort, segue na mesma linha e reconhece o rigor da legislatura atual, lembrando que seu gabinete conta hoje com uma equipe de três advogados: “Esse pente-fino é necessário e fico feliz quanto a esse ganho de qualidade das leis produzidas pela Casa”.

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