Calamidade pública, bônus privado

Um artigo do cientista social Conrado Pimentel sobre a crise no estado
sexta-feira, 11 de novembro de 2016
por Conrado Pimentel
Calamidade pública, bônus privado

O governador interino do Estado do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, decretou no dia 17 de junho, estado de calamidade pública. Desde o início do ano, no mínimo, servidores públicos como professores, pensionistas e policiais militares têm tido dificuldades em receber seus salários e benefícios. O decreto, contudo, não foi feito em função deste grave problema financeiro do estado. Textualmente, diz o decreto: “ Art. 1o – Fica decretado o estado de calamidade pública, em razão da grave crise financeira no Estado do Rio de Janeiro, que impede o cumprimento das obrigações assumidas em decorrência dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016.”

Quinze dias depois, o TCU liberou R$ 2,9bi para que o governo do Estado investisse, exclusivamente, com despesas para a segurança pública. A 50 dias do início dos Jogos Olímpicos, as obras da linha 4 do Metrô — um dos principais modais feitos para a realização dos jogos — ainda estavam inacabadas, com um débito de 1 bilhão de reais, segundo apurou o Uol Esportes. As obras foram concluídas e a segurança ao redor dos complexos esportivos ficou dentro dos limites estabelecidos. O megaevento foi um sucesso... mas, sempre tem um mas. 

Semana passada, com o retorno do governador Luiz Fernando Pezão, veio o “pacote de maldades” do governo do Estado: diminuição de secretarias (curiosamente, a secretaria de Esporte e Lazer, comandada por Marco Antônio Cabral, filho de Sérgio Cabral, será mantida), corte em programas sociais, limitação para uso do Bilhete Único, municipalização do Restaurante Popular e recolhimento de 30% dos salários de aposentados e pensionistas são algumas das medidas anunciadas para “equilíbrio das contas” do Estado. O 13º salário para estas categorias ainda está em risco.

Porém, o equilíbrio que o governo almeja — que mexe diretamente no bolso do contribuinte e da parcela mais desfavorecida do Estado —, aparentemente não inclui empresas beneficiadas de forma bilionária. O estado do Rio de Janeiro, de 2008 a 2013, deixou de arrecadar cerca de R$ 138 bilhões em ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), segundo relatório do TCE. Entre as beneficiadas, a joalheria de alto nível H.Stern teve uma redução de 18% para 6% de ICMS, conforme publicado do D.O. de 30 de junho e divulgado pelo Transparência RJ. Uma concessão de luxo, digamos, onde não há absolutamente nenhum retorno público. (Outra curiosidade: em 2013, durante a Jornada Mundial da Juventude, o Papa Francisco recebeu as chave da cidade feitas pela... H.Stern! E assim criou a coleção de joias “Papa Pop”)

Mesma benesse recebeu o Grupo Petrópolis, com cerca de R$ 688 milhões do governo estadual, em forma de créditos do ICMS por dez anos. As construtoras Queiroz Galvão e Odebrecht também foram beneficiadas pela redução de impostos. Ambas são doadoras de campanhas políticas para o PMDB e, por ironia do destino, estão envolvidas na Lava-Jato. 

Como se não estivéssemos nesta situação calamitosa, o Estado adiou o início de lei que obriga as empresas a devolverem 10% das isenções fiscais. Fica evidente que, para o governo do Estado, mais vale distribuir benesses entre o setor privado (especialmente aqueles que contribuíram nas campanhas eleitorais), do que garantir uma dignidade mínima para sua população. 

E o pior: é só o começo.

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