Abuso sexual: conheça relatos de friburguenses

Em espaços públicos do município, ato é mais comum do que muitos podem pensar. Saiba como se defender
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
por Karine Knust
Abuso sexual: conheça relatos de friburguenses

“Eu estava voltando de um dia cansativo de aula e enquanto dormia, encostada na janela do ônibus, ele passou a mão na minha perna. Foi difícil imaginar que aquilo não era um pesadelo, que estava realmente acontecendo e que esse cara estava passando a mão em mim com o ônibus lotado, na maior cara de pau”. Rafaella Jaeger tem 19 anos e é quem conta esse relato. O abuso sofrido por ela aconteceu no fim do ano passado, mas, infelizmente, esta não foi a única vez. Rafaella foi importunada, pelo mesmo homem, em outras três ocasiões, todas em ônibus municipais. A última aconteceu em outubro deste ano.

“Pela quarta vez ele literalmente me perseguiu. Havia chegado de Campos na Rodoviária Norte e de lá segui para a rodoviária urbana, no Centro. Ele estava na fila, entraria no ônibus que eu tinha acabado de desembarcar. Nos encaramos por um momento. Segui para a plataforma de embarque da linha que partiria para o distrito de São Pedro da Serra, que é do outro lado da cidade. Numa questão de segundos, ele estava atrás de mim, na mesma fila. Ele não entrou no ônibus dele; em vez disso, me seguiu. Aquilo me arrepiou”, contou a jovem.   

Naquele momento, Rafaella só pensou em uma coisa: fotografar o suspeito. Ela conseguiu o registro e divulgou as imagens nas redes sociais, juntamente com um texto que contava toda a história. Através dessa atitude, outras meninas que também teriam sido vítimas do mesmo agressor igualmente se manifestaram. Duas delas, inclusive, acompanharam a jovem estudante à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) reforçando a denúncia.

A maioria dos casos de violência que ganha notoriedade na mídia se tornam conhecidos devido às mobilizações causadas por desabafos nas redes sociais, como o de Rafaella. Mas é preciso tomar cuidado ao expor os fatos. Quando o crime não é provado, o homem, que ainda é considerado apenas suspeito, pode se tornar a vítima. No caso de Rafaella, especificamente, foi isso que aconteceu. Além de ter feito queixa contra o possível agressor, a estudante também responde a processo por tê-lo acusado na internet postando sua imagem.

A delegada da Deam de Nova Friburgo, Waleska dos Santos Garcez, esclarece: “A lei tem o princípio da inocência. Sendo assim, por mais que o homem possa ter cometido o crime, se este não for provado, o suspeito é apenas um sujeito de investigação. Não pode ter sua imagem exposta, assim como nós, delegados, não podemos divulgar enquanto não houver a sentença condenatória”, explica a policial.  

Para a coordenadora do Centro de Referência da Mulher (Crem), a advogada Rosângela Cassano, a tecnologia é uma excelente aliada para elucidar casos, mas é preciso ter cautela: “Fotos e gravações são armas que auxiliam na comprovação de atos criminosos como o abuso sexual. No entanto, é preciso ter sabedoria na utilização desse material. Muitas vezes atendemos mulheres antes mesmo delas fazerem o registro de ocorrência, justamente para orientá-las sobre como devem proceder. Para que não percam a prova e, principalmente, para que não utilizem de forma equivocada e consequentemente sejam penalizadas por isso”, observa Rosângela.

O dilema, no entanto, é: como provar em juízo a agressão para obter a punição criminal? “Depende da linha de investigação, mas normalmente começamos pedindo que a vítima nos descreva onde o caso aconteceu, para a partir daí verificarmos se no local há câmera de seguranças que possam ter imagens analisadas. Com isso, muitas vezes conseguimos identificar os suspeitos. Também há casos de pessoas que veem a situação acontecendo e aí podemos usá-la como testemunhas”, explica Waleska.

É preciso falar

“Ninguém deveria ter medo de caminhar pelas ruas simplesmente por ser mulher. Mas, infelizmente, isso é algo que acontece todos os dias. Pouco se discute e quase nada se sabe sobre o tamanho e a natureza do problema”, trecho do texto da campanha nacional “Chega de Fiu Fiu”. Lançada pelo projeto feminista Think Olga, a “Chega de Fiu Fiu” luta contra o abuso sexual em espaços públicos através de mobilizações nas redes e com um site em que as mulheres podem compartilhar o que já sofreram. Em uma pesquisa realizada com quase oito mil mulheres pelos organizadores da campanha, em 2013,  85% das entrevistadas afirmaram já terem sido tocadas sem permissão em locais públicos. Dessas, mais da metade (64%) confirmou ter sofrido algum tipo de constrangimento no transporte público.

Casos de abusos, como os sofridos por Rafaella, são frequentes, mas o número de denúncias em Nova Friburgo ainda é muito pequeno. Para a delegada Waleska, o motivo ainda pode ser o medo ou a indiferença: “Tenho percebido que aqui em Nova Friburgo as pessoas são mais passivas em relação a violência urbana. No Rio de Janeiro isso não acontece. Como delegada e mulher, aconselho que as vítimas registrem para que a polícia saiba o que está acontecendo até porque esse agressor de uma importunação pode vir a ser um agressor de um ato mais violento como estupro. Com informações nós podemos cruzar dados, até porque esse sujeito pode atuar em vários pontos da cidade sem que nós saibamos. Mesmo que o caso não parece grave, é crime. A população precisa acabar com a mentalidade de que certos abusos são comuns. Comum é termos nossa liberdade respeitada em qualquer lugar”, atesta a delegada Waleska.

De fato, o registro oficial do ato deve acontecer mesmo que o abusador seja apenas enquadrado em um crime de menor gravidade. “Nós sabemos que é uma situação muito delicada, mas é para isso que existem órgãos como o Crem que existem para ouvir, orientar e ajudar a colher provas que possam identificar o agressor e o crime cometido. Nosso papel também é trabalhar o emocional da vítima para que ela tenha discernimento na hora de agir, principalmente, no que diz respeito a não esperar que o ato se repita para pedir ajuda. Aconteceu a primeira vez, denuncie. Além de dar visibilidade ao problema, a denúncia auxilia a reduzir a impunidade”, orienta Rosângela Cassano.

Em outubro deste ano, estreou no país a primeira edição infantil do MasterChef, programa onde aspirantes a chefes de cozinha disputam um prêmio. Como era de se imaginar, a novidade bombou nas redes sociais. No entanto, o teor de alguns comentários e memes surpreendeu os internautas. Por que? Uma das participantes, Valentina, de 12 anos, chamou a atenção de pedófilos que não tiveram nenhum constrangimento em se revelar. Em protesto, milhares de internautas viralizaram nas redes sociais a hashtag #PrimeiroAssédio contando a primeira vez que sofreram abuso sexual.

A iniciativa trouxe a tona um assunto que precisa ser tratado com mais seriedade e rigidez, no entanto, a delegada Waleska esclarece: “A descrição de cada caso de abuso em ambientes públicos vai revelar qual crime foi cometido. Já que eles podem ser caracterizados de formas diferentes, como importunação ofensiva ao pudor, tentativa de estupro, constrangimento ilegal. Porém, é preciso esclarecer quanto ao uso do termo já que, para a lei, o assédio sexual se configura no ambiente de trabalho, na relação profissional hierárquica, ou seja, patrão — empregado em que o abusador causa um mal-estar, seja aumentando a carga de trabalho, diminuindo benefícios, ameaçando demissões, para que seu subordinado ceda a suas investidas”.

Conheça mais relatos de friburguenses que sofreram abuso sexual em espaços públicos do município

“Eu tinha 16 anos, provavelmente era entre 13h e 16h pois ainda fazia sol. Estava caminhando de volta para casa sozinha, passando pela Casa dos Pobres, na Rua General Osório, quado escutei alguém falar frases avulsas bem perto de mim. Não quis olhar pra trás, mas comecei a prestar atenção no que a pessoa dizia e era o tipo de coisa que você não espera ouvir na rua (nem em qualquer outro lugar). Tentei me convencer de que era coisa da minha cabeça, então me virei rapidamente para trás. Era um homem, que aparentava ter no mínimo 50 anos. Ele sorriu maliciosamente. Me virei de volta e apertei o passo, mas não adiantou. Ele prosseguiu no mesmo ritmo que eu, ainda repetindo as frases obscenas. Ele me seguiu até próximo a Duas Pedras, um pouco antes da boate Ônix. Parou na minha frente, me impedindo de passar, abriu a porta de um carro e disse pra eu entrar porque ia me dar uma carona. Esperei que ele entrasse no veículo e corri o mais rápido que pude. Felizmente nunca mais o vi.”
Jovem que preferiu não se identificar

”No dia 6 de dezembro do ano passado, voltando pra casa num ônibus, fui assediada. O ônibus estava lotado e, no decorrer da viagem, fiquei incomodada por estar sendo pressionada. Achei que pudesse ser uma sacola, já que vi muitas pessoas entrando no ônibus com compras. Mas, na verdade, levei um susto quando me deparei com um homem de meia idade colado em mim e com sinais de excitação. Reagi verbalmente, fiz escândalo, mas, mesmo eu que sou instruída, não consegui discernir sobre qual a melhor atitude a ser tomada e, por fim, chorei diante da humilhação. Se não bastasse a cara de deboche do agressor, que afirmou que eu é quem estava me esfregando nele, ainda tive que me deparar com a passividade dos passageiros que soltaram frases cruas e envoltas em preconceito. Ouvi que tal comportamento era normal, corriqueiro e que eu era boba em chamar atenção para o fato, pois eu passaria como ridícula e não como vítima. Ouvi ainda que não deveria perder meu tempo fazendo um boletim de ocorrência, pois casos piores não são resolvidos, imagina uma coisa "boba" dessas. Fiquei ainda mais revoltada diante de tais pensamentos. Como aquelas pessoas podiam ser coniventes com uma agressão? Em contramão a tudo o que me disseram, fiz o meu papel: fui à Delegacia da Mulher e registrei o ocorrido. Por várias noites, não consegui dormir pensando no que eu realmente deveria ter feito naquele momento. Meu caso não foi solucionado mas, o que me deixa menos angustiada, é saber que ele consta nas estatísticas como um testemunho de que assédio é, infelizmente, corriqueiro e precisa ser combatido.”
Vanessa Melnixenco, 25 anos

”O primeiro assédio que tenho memória aconteceu em um ônibus à caminho da escola. O ano era 1994 e eu tinha 4 anos de idade. Minha mãe me levava para a escola todos os dias de ônibus, no meio do caminho encontrávamos uma coleguinha também acompanhada pela mãe. A coleguinha e eu sentávamos no banco da frente e nossas mães no banco de trás. Um dia um senhor começou a chegar perto de mim, me dizendo que eu era linda e me oferecendo dinheiro para me encostar. Minha mãe percebeu, discutiu com ele e o proibiu de falar comigo. Mas não adiantou, todos os dias, por um tempo que, devido à minha idade eu não sei calcular, o senhor vinha e me dava dinheiro. Eu ainda lembro do rosto dele e do pavor que sentia.”
Jovem que preferiu não se identificar

”Honestamente, sempre fui assediada desde adolescente. Um dia, junto com a minha mãe, aos 13 anos, um homem bem maduro disse que eu era gostosa. Ele não se importou com o fato deu estar acompanhada de um adulto. Para mim, aquilo foi o estopim. Desde então, comecei a responder à todos os assédios. As pessoas perguntam se eu não tenho medo, hoje eu não tenho porque eu sei da minha identidade, sei que não vai interferir no meu desenvolvimento. E quando a gente responde, a gente quebra o machismo enraizado no sociedade que também é patriarcal. O nosso dever como mulher é ser mulher de verdade, lutar pelos direitos iguais e questionar ainda mais os pontos conturbados que levamos.”
Amanda Belém, 22 anos

Aplicativo ajuda a denunciar abusos em transportes públicos

Um aplicativo, lançado no segundo semestre deste ano, pretende ajudar mulheres a denunciarem situações de abuso e violência sexual que acontecem diariamente nos metrôs e trens de São Paulo. Batizado de HelpMe, a ferramenta possibilita que a vítima envie mensagens de texto (SMS) diretamente para a central do metrô ou dos trens urbanos. A aplicação possui duas opções, o SMS Urgente, que envia a mensagem "Estou sofrendo abuso!", onde a usuária pode informar o número do veículo em que se encontra e o SMS detalhado, em que a vítima também poderá enviar informações adicionais, como a linha de trem, o sentido e detalhes que podem ajudar a identificar o abusador.

Além disso, o aplicativo também possui um "botão", que simula o som de uma sirene, algo que chama a atenção de outros passageiros na tentativa de inibir o abuso. A ferramenta também permite notificar outras situações, como assalto, vandalismo e comércio ambulante e se encontra disponível para Android e iOS. A expectativa é de que, em breve, o aplicativo também passe a funcionar em outra cidades do país.

Saiba como se defender

- Em caso de abuso em locais como transporte público, peça a pessoa que a acompanha para registrar o ato, seja com fotos ou gravações, para serem usados como prova na delegacia;
- Não exponha fotos ou nomes de agressores sem ter provas;
- Busque possíveis testemunhas;
- Não ande sozinha em ambientes que você sabe que pode encontrar o abusador novamente;
- Anote dados que possam elucidar o caso, como: placa de carro; características do abusador; número do ônibus (caso o abuso tenha acontecido no transporte público); local onde o fato aconteceu;
- NÃO SE CALE!

Nova Friburgo inicia mobilização pelo fim da violência contra a mulher

Começou na última quarta-feira, 25, a campanha ”Dezesseis dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres", em Nova Friburgo. Iniciada em 1991, a mobilização anual  que já conquistou a adesão de cerca de 160 países, vai até o dia 10 de dezembro. Entre essas datas são comemorados o "Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher” (25), o ”Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres" (6 de dezembro) e o "Dia Internacional dos Direitos Humanos” (10 de dezembro).

O Centro de Referência da Mulher (Crem) vai promover palestras e encontros como o ”Movimento do Laço Branco” e a ”Abertura de Fotografia”. Esse ano, o Movimento do Laço Branco pretende envolver os homens da imprensa friburguense e funcionários da Prefeitura no uso do laço. Já a abertura da exposição de fotos produzidas por mulheres, sob a coordenação da fotógrafa Regina Lo Bianco, será no dia 2 de dezembro, às 14h, na sede da OAB -NF.

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