As pedras ainda rolam

A expressão “rollin stone”, nesse caso, não deve ser traduzida ao pé da letra e sim como alguém sem rumo, moradia, um vagabundo ou até se preferirem, revolucionário.
sexta-feira, 29 de junho de 2012
por Jornal A Voz da Serra
As pedras ainda rolam
As pedras ainda rolam

Carlos Emerson Junior

Quando Muddy “Mississipi” Waters”, o genial bluesman americano escreveu, em 1950, os versos de uma canção, contando que sua mãe, antes dele nascer, dizia que “I got a boy child’s comin, he’s gonna be a rollin stone, sure ‘nough, he’s a rollin stone” (vou dar à luz um menino, ele será um rollin stone, com certeza, ele será um rollin stone), jamais pensou que batizaria uma das maiores bandas de rock que já existiu.

A expressão “rollin stone”, nesse caso, não deve ser traduzida ao pé da letra e sim como alguém sem rumo, moradia, um vagabundo ou até se preferirem, revolucionário. Os Rolling Stones, ou melhor Keith Richards, Mick Jagger, Brian Jones, Byll Wyman e Charlie Watts, com sua atitude completamente rock de ser e sua música de raízes negras, sempre fizeram jus ao seu nome.

Os anos 60 mal tinham começado e o rock era a grande novidade, o contraponto à guerra fria que dividiu o mundo entre bons e maus. Os Beatles, é claro, eram seus astros principais. Por volta de 63 ou 64, nem lembro mais, comprei meu primeiro compacto duplo (para a garotada de hoje: um disquinho de vinil, com quatro músicas, duas de cada lado) do grupo de Liverpool. A estreia do seu filme “A Hard Day’s Night”, infamemente traduzido como “Os Reis do Iê-iê-iê”, catalizou todas as atenções da juventude da época.

Conheci os Rolling Stones através de uma prima que ganhou e detestou o álbum “12x5”, lançado nos States em outubro de 1964. Aliás, também foi o meu primeiro contato com o então chamado “disco importado” e seu vinil com com quase o dobro da espessura dos LPs fabricados pela extinta Odeon. Sua qualidade de som era brilhante mas, o que me pegou mesmo foram preciosidades como “Around and Around” do Chuck Berry e a pungentes “Time Is On My Side” e “If You Need Me”.

Para melhorar, Mick Jagger declamava parte de algumas canções, sem perder o ritmo ou soar estranho. Caramba, aquilo era muito melhor que os Beatles! Musicalmente talvez fossem até parecidos, mas aqueles rocks tinham alma, não eram simples canções tolas de amor, como o próprio Paul McCartney confessaria mais tarde.

Daí para a frente a paixão pelos Stones foi num crescendo. Minha prima ganhava os LPs e nem ouvia mais, passava direto para mim. Assim comecei minha discoteca com “Out of Our Heads” e a inacreditável “Satisfaction” ao até hoje mal compreendido “Their Satanic Majesties Request”, de 1967, com a foto da capa em três dimensões, atualmente um item de colecionador.

Nem preciso falar das confusões que arrumava com esse, digamos assim, lado Stone. Para começar, dizia para quem quisesse (ou não) ouvir, que os Rolling Stones eram muito melhores que os Beatles. Lembro que o Laerte, um grande amigo da escola, beatlemaníaco de carteirinha, brigou feio e quis acabar a amizade quando afirmei que “Satisfaction” era muito melhor que “Help!”.

Os Stones foram uma abertura para mim. Através deles descobri uma música negra americana efervescente, conheci o R&B, Blues, Soul e, por consequência, o Jazz. Aprendi a tocar violão, baixo e alguma coisa no piano. Comecei a compor melodias para letras dos amigos e, é claro, entrei em um dos centenas de conjuntos musicais que tocavam rock nos apartamentos de classe média de Copacabana.

Mas, infelizmente, a vida não é só música e com a escalada da guerra do Vietnã, o crescente inconformismo diante do status quo e a situação política do Brasil cada vez mais complicada, o foco da minha geração foi mudando. Todos nós, principalmente os estudantes, estávamos diante de uma ruptura que marcaria para sempre nossas vidas, de uma maneira ou outra As canções agora eram cantadas em português, sempre com um recado nas entrelinhas.

No dia 3 de julho de 1969, o guitarrista Brian Jones foi encontrado morto em sua residência, na Inglaterra, por motivos até hoje meio obscuros. O controle da banda passou para a dupla de compositores, Jagger e Richards. Os trabalhos seguintes, ainda com gravações antigas de Jones renderam bem mas, após “Exile On Main St.”, de 1972, alguma coisa se perdeu e a graça se foi. Mudaram os Stones, eu mudei, o mundo mudou.

Em 1967 quatro rapazes de Cambridge entravam no lendário Abbey Road Studios, em Londres, sob a liderança de um maluco genial para gravar seu primeiro e antológico álbum, “The Piper at the Gates of Down”, com forte influência da música psicodélica dos últimos trabalhos dos Beatles e Rolling Stones. O sucesso e o prestígio que o Pink Floyd conseguiu com seu disco de estreia abriram caminho para um novo tipo de rock, cerebral, introspectivo e técnico, que exigia ótimos músicos, criatividade e muitas horas em bons estúdios de gravação.

Nascia ali o Rock Progressivo, minha próxima paixão. Já os Rolling Stones continuam até hoje a sua saga, mesmo (ou apesar de) setentões e bem castigados pelos excessos. Mas cinquenta anos depois, seus concertos ao vivo pelo mundo todo, com uma energia inacreditável, provam que o poeta gaulês Dylan Thomas sabia o que estava falando, quando um dia cantou que as pedras que rolam não criam limo! Muddy Waters, com certeza, aprovaria.

carlosemersonjr@gmail.com

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