A missão de Pedro Kiua

sexta-feira, 12 de setembro de 2014
por Jornal A Voz da Serra
A missão de Pedro Kiua
A missão de Pedro Kiua

Ana Borges

O "friburguense” Pedro Kiua, 32 anos, nasceu em Salvador (BA). Filho de baiano com carioca, foi criado na zona sul do Rio de Janeiro, e há oito anos vive em Nova Friburgo — mais precisamente, em Lumiar. Formado em cinema pela UFF, lá ele fez sua monografia, durante a qual foi se integrando na comunidade e se apaixonando pela natureza. A mãe, carioca, já decidira trocar o Rio por Lumiar, então... não foi nada difícil escolher. Pedro não mudou só de cidade, mudou de vida. Mas não tinha ideia do tamanho da mudança, que começou com uma ideia simples. Criar um espaço para projetar filmes, que logo virou um cineclube, que em seguida foi gerando projetos e mais projetos, andando com as próprias pernas. Bem típico daquela antiga, mas nunca ultrapassada "uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”. No caso de Pedro, depois de muitas ideias e sonhos realizados, sua história em Lumiar nos dá a impressão de que ele vem cumprindo uma missão. A missão de colaborar com a formação de cidadãos. Leia a entrevista, a matéria da página 6 e veja se tenho ou não razão.


Light – Qual a origem de seu nome e o que significa?

Pedro Kiua - Minha mãe ouviu o som dessa palavra numa música cantada em quíchua (língua falada em alguns países sulamericanos da região andina, entre eles, o Peru), e achou bonito. Quando nasci, ela queria me batizar com esse nome, mas minha avó não deixou (risos). Sugeriu Pedro, minha mãe aceitou, mas botou Kiua junto. Só depois ela ficou sabendo o significado: caminhante do céu. 


Como começou seu envolvimento com os moradores de Lumiar?

Eu estava lá numa tremenda solidão, só fazendo a monografia, um tédio, sem ninguém com quem conversar sobre o meu trabalho. Não tinha um interlocutor. Eu frequentava um café que ficava bem no centrinho de Lumiar e um dia percebi um projetor encostado num canto, abandonado, desde que o Brasil perdeu a Copa para a França. Testei, vi que funcionava, então sugeri ao dono do café passar filmes nos fins de semana, provocar um movimento, eu faria uns cartazes para anunciar o programa, e quem sabe dali não surgiriam novas ideias? Ele topou. 


Como foi a primeira sessão?

Bom, imaginei que o primeiro filme deveria ser algo que atraísse o público local. Umas semanas antes eu tinha visto um longametragem friburguense, chamado Geração Bendita, no cineclube do MAM (Museu de Arte Moderna, Rio). Era um filme antigo que acabava de ser recuperado. Então, decidi, seria esse, achei a ideia legal porque muita gente daqui nem sabia que existia esse filme.  


E aí?

Compareceram três pessoas na primeira sessão (risos). Pô, mas eram três pessoas super-empolgadas, que adoraram, e fizeram tudo valer a pena. Tanto que elas pediram para passar o filme de novo, que eles iam chamar outras pessoas, que muita gente ia gostar de ver. Na sessão seguinte foram 27 pessoas! Isso foi muito bacana, porque a partir daí, quem trabalhava com arte e cultura passou a ir mais ao café, que acabou virando um ponto de encontro.


Assim, naturalmente, surgiu um cineclube... Em que ano?

É, começamos a programar sessões às sextas, sábados e domingos. Foi o começo de tudo, de associações, de projetos, de realizações, de trabalho com os jovens nas escolas, enfim, a coisa foi tomando maiores proporções à medida que formamos um grupo legal de agentes culturais, multiplicadores de opinião. Depois de muita batalha para manter o cineclube funcionando, conseguimos um espaço próprio cedido por um casal amigo, que tinha o sonho de criar um centro, que acabou se tornando algo maior como a Tribuna Livre Cultural, onde funciona o Cineclube Lumiar. As atividades ali começaram em 24 de fevereiro de 2008 com o objetivo de socializar e difundir a educação, a cultura e a arte audiovisual nos dois distritos (São Pedro e Lumiar).


Os turistas que lotam Lumiar nas férias e fins de semana frequentam o lugar?  

É interessante observar que frequentam sim. Considerando que vêm do Rio, onde há uma enorme variedade de atrações para todos os gostos e bolsos, em toda a cidade, eles têm interesse em conhecer o que é feito por aqui em termos de arte e cultura. Eles fogem do estresse do Rio para curtir a natureza, o silêncio, a placidez dos rios, descansar, mas querem também saber como vive e o que faz a população local.  


Depois do cineclube, o que despertou o seu interesse?

A educação. Faço parte de um programa de educação ambiental, do projeto Águas para o Futuro, criado em 1986 por professores e alunos. Dou aulas para adolescentes, na faixa de 12 a 15 anos, no Colégio Estadual José Martins da Costa, de São Pedro da Serra, onde há um laboratório para análise da água. Eu faço a capacitação audiovisual de alunos selecionados para fazer estágio no projeto e sou responsável pela coordenação de comunicação. E, voltando às origens, tem outro projeto, que é uma escola de cinema. Eles fazem roteiros, produzem, filmam, e já ganharam prêmios aqui no Brasil e no exterior. Esse trabalho começou com a Daniela, há uns 3 anos, e eu entrei no início desse ano, para pegar a turma mais avançada. 


A exibição dos filmes é feita apenas nesses espaços, como a escola e o cineclube, ou vocês também vão para as ruas?

Vamos pra rua também. Pegamos um lençol, um tecido para servir de tela, esticamos na praça e projetamos. Essas sessões ficaram conhecidas como "filme amarrado no pano”. Nelas já fizemos, por exemplo, mostra de filmes do Mazzaropi.  


O que você espera dessa empreitada que você assumiu, de despertar no jovem a curiosidade, a vontade de ir atrás do desconhecido, de se abrir para o novo?

Eu me considero o que chamam de empreendedor. Historicamente, um cineclube tem a função de ser uma associação de espectadores. Pessoas que se juntam pra terem acesso a bens culturais audiovisuais. E dessa forma, os desdobramentos são inevitáveis. Muitas vezes, esses bens não estão ali acessíveis, seja através da televisão e/ou locadoras. Então, a gente recorre a outros meios, como entrar em contato com o diretor, o produtor, distribuidor pra conseguir uma cópia e exibir. O importante é não deixar o trabalho parar, não permitir que esses jovens que conseguimos atrair, desistam. 

Gente ligada a cinema, como diretor ou ator, procuram vocês quando estão na região?

Por acaso, este mês, nos dias 21 e 28, vamos receber dois cineastas: o Clementino Jr., filho da atriz Chica Xavier, que acabou de lançar um filme e é figura muito importante no movimento cineclubista nacional; e a Natara Nei, uma cineasta de Pernambuco, que venceu o Festival Cine Amor, realizado aqui em Friburgo, anos atrás. Dia 28 ela volta para exibir seu novo filme e oferecer uma oficina de montagem cinematográfica, também gratuita. 


Enfim, todo esse seu engajamento na formação desses adolescentes está ajudando a forjar cidadãos solidários e responsáveis...

Tenho certeza que a natureza é um agente poderoso nesse trabalho. É ela que nos impulsiona, nos ensina, nos mostra os caminhos. Está tudo nela, tudo que precisamos fazer é parar, observar, aprender. É um mundo a ser descoberto, e é o que a gente busca. Tem o lado lúdico, a contemplação, essa coisa que alimenta o espírito. E tem o lado prático, como por exemplo, o resgate das tradições agrícolas. Assim, seguimos em frente, como o rio que passa e nunca para. 

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