A hora de parar

sábado, 30 de setembro de 2017

Para muitos jovens desta e de gerações passadas, a aprovação no exame de habilitação representa um salto de liberdade e responsabilidade, um importante marco de transição para a vida adulta. Natural, portanto, que o momento oposto, quando o(a) condutor(a) sente que se aproxima o momento de deixar de dirigir, seja encarado por muitos com um ar de melancolia, e visto como o início de uma fase de maior dependência e menor autonomia. Mas, será que precisa mesmo ser assim? E mais: existe alguma idade certa para pendurar a habilitação?

Começando pelo fim, a imensa maioria dos médicos irá dizer que não há uma idade específica para que as pessoas parem de dirigir, mas sim condições clínicas impedidoras cuja incidência tende a aumentar com o avançar dos anos. Em essência, estamos falando de três frentes principais aqui, representadas por deficiências na coleta ou no processamento de informações, ou de natureza motora. Ou seja: reduções na eficiência dos sentidos (em especial visão e audição), na capacidade cognitiva (perda de memória ou demências), ou na capacidade de executar movimentos com precisão (especialmente em casos de Parkinson).

De acordo com a Associação Brasileira de Acidentes e Medicina de Tráfego (Abramet), as pessoas de mais de 65 anos estão entre as que mais se envolvem em acidentes, superadas apenas pelos jovens entre 18 e 24 anos. Outro dado curioso é que, nos acidentes com participação de motoristas idosos, geralmente estão envolvidos mais de dois veículos. A explicação da Abramet é que isso se dá em consequência de momentos de confusão que acabam afetando a fluidez normal do tráfego.

Não são poucos, todavia, os casos de pessoas que superam a barreira dos 80 anos em condições adequadas para continuarem dirigindo, e essa margem para interpretação muitas vezes estabelece um doloroso conflito entre pais e filhos. É notório que muitas vezes idosos entram num processo de negação em relação às próprias limitações, da mesma forma como muitas vezes familiares os subestimam e se deixam guiar por expectativas eventualmente preconceituosas.

O assunto é muito amplo, mas indo direto ao ponto poderíamos dizer que a situação necessita de abordagens individuais e coletivas. Individualmente, todos nós precisamos nos preparar para este momento, cientes de que a idade um dia irá chegar, e que negar os sintomas poderá colocar outras pessoas em risco. É preciso ter o hábito de buscar avaliações profissionais e isentas, que forneçam parâmetros seguros sobre a hora de parar.

Já coletivamente, uma vez que é notório o envelhecimento populacional, há que se discutir políticas de suporte e esclarecimento a idosos e familiares para que possam atravessar essa fase sem traumas ou riscos, e também buscar meios de avaliação mais adequados às condições de quem pretende continuar renovando a habilitação em idades mais avançadas. Inclusive para livrar de desgastes emocionais desnecessários aqueles que efetivamente se encontrem em condições de conduzir.

Felizmente, a proliferação dos automóveis sem condutor – que já abordamos neste espaço – tende a reduzir, dentro de poucos anos, grande parte do drama atrelado a este momento.

Esperemos que sim!

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Márcio Madeira da Cunha

Sobre Rodas

O versátil jornalista Márcio Madeira, especialista em automobilismo, assina a coluna semanal com as melhores dicas e insights do mundo sobre as rodas

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