Tratar a dor original ou só o sintoma?

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Os seres humanos sofrem de diferentes tipos de sintomas mentais, podendo ser angústia, tristeza, fobia (medo exagerado), depressão, compulsões, transtorno do pânico, obsessivo-compulsivo, dos impulsos etc. Estes e outros sofrimentos não existem por acaso. Não caem do céu do nada. São construídos ao longo dos anos como defesa mental.

Todo sintoma é ao mesmo tempo uma defesa contra a dor original e também é a manifestação de que ela existe. Sintoma é o que você descreve para o médico ou para um outro profissional de saúde. É o que motivou a consulta. Pode ser dor de cabeça, má digestão, cansaço, insônia, tristeza profunda, ansiedade excessiva, medo exagerado, irritabilidade alta, manias que o levam a repetir rituais, vícios em substância etc.

O sintoma é como a luz vermelha do painel do carro que acende ao surgir um problema no veículo. Ela avisa que há um defeito. Ela não é em si o defeito. O problema principal de um sintoma não é ele mesmo, mas o que ele representa. Por exemplo, um deprimido pode dizer que começou a ficar muito triste após a morte de um parente. Isto pode levar todos, e ela mesma, a crer que sua depressão foi devido ao falecimento do familiar. Então, esta pessoa sabe quem ela perdeu e pensa que isto por si só gerou a depressão. Mas a maioria não fica deprimida após o falecimento de um familiar. Só algumas pessoas ficam.

A pessoa que se deprimiu após a morte do parente pode saber quem ela perdeu e que, parece, gerou o estado depressivo, mas pode não saber o que ela perdeu com esta perda. Voltando à comparação do carro que tem um defeito e por isso surge uma luz vermelha no painel, a luz vermelha pode, por exemplo, indicar um problema no óleo. Desde que o problema no óleo começou a existir, a luz vermelha acendeu. Mas o que é este problema? É falta de óleo? É defeito na circulação do óleo? É porque tem um vazamento de óleo?

O sintoma aponta para um problema e muita gente quer um remédio que elimine o sintoma. Só isso. Ou quer conviver com ele sem se interessar em verificar sua causa. Pessoas assim não querem a verdade. E isto é uma escolha. Mas como a saúde pode melhorar se você foge da verdade sobre o que produz o sintoma? Tratar só sintomas sem buscar entender as causas, é mais ou menos como quebrar a luz vermelha do painel com um martelinho e achar que, agora que a lâmpada apagou, o problema foi resolvido.

Por que pode ser difícil para alguns mexer na causa dos seus sofrimentos? Por que muita gente tem uma defesa mental que conduz ao comodismo no sofrimento? Nossa mente usa defesas psicológicas para fugir da percepção da dor emocional que produz o sintoma. Dor emocional pode ser tristeza, medo, ansiedade, vergonha, culpa, irritação etc. Alguma coisa na mente da pessoa diz para ela mesma: “É melhor parar de pensar nisto porque dói muito!” Daí a mente obedece e a pessoa joga para o inconsciente a dor original. Ela quebra a luzinha vermelha do painel. E segue viagem da vida.

Anos depois da dor original, cuja causa foi mantida fora da consciência, algum sintoma começa a surgir. O sintoma estará dizendo que uma verdade precisa ser trazida para a consciência para a pessoa lidar com a dor de uma maneira melhor, mais madura, para que não seja necessário reprimir de novo e assim perpetuar a existência do sintoma.

Mas como é difícil isto, não é? Ou seja, como é difícil ver a verdade, encarar nossa dor pessoal original, e não mais fugir dela! E podemos fugir não só não pensando, mas usando algo para evitar pensar. Pode ser uma droga como bebida alcoólica, drogas ilícitas, medicamentos, comida, sexo, compras, jogo, trabalho, fantasias românticas etc. Os que tratam sofrimentos mentais só com medicação sem buscar compreender a causa deles, tratam só sintomas, por isso depois de algum tempo os remédios podem não mais fazer efeito ou surge dependência deles porque se acostumou a afogar a dor na química do comprimido (ou das gotas) ao invés da procura ativa sobre a verdade da dor.

Há sofrimentos mentais que não desaparecem das pessoas por falta de conhecimento da verdade que os explicam. E algumas preferem ficar na mentira. Importante pensar que a verdade vai acabando com as mentiras pessoais, com defesas que agora não são mais necessárias para manter a pessoa na realidade. Queira a verdade que liberta. Não se contente com quebrar a luzinha vermelha do painel da sua mente. Busque a verdade sobre sua dor emocional original para aprender a lidar com ela de maneira que não seja mais necessário ter sintomas disfuncionais. O primeiro passo é decidir querer a verdade.

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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