O ritmo do perdão

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Você foi machucado por alguém? É vítima de algum tipo de abuso? Tem alguns sentimentos desagradáveis quando pensa na pessoa e na situação que o feriu? É difícil pensar nisto? Não consegue perdoar ainda?

Entre 6 de abril e 4 de julho de 1994 extremistas Hutus massacraram cerca de 800 mil Tutsis, compatriotas de outra tribo em Ruanda, um país no centro da África. Vizinhos mataram vizinhos, alguns maridos mataram suas mulheres Tutsis, dizendo que seriam mortos caso se recusassem a assassiná-las. Milícias montaram barreiras nas estradas onde mataram os Tutsis, geralmente com facões que a maioria dos ruandeses possuem em casa. Depois que tudo terminou, como seria o convívio destes grupos de ruandeses? Manteriam raiva, ressentimento, inimizade, afastamento um do outro? Onde entraria o perdão? Haveria lugar para o perdão?

Immaculée Ilibagiza, mulher sobrevivente do massacre em Ruanda em 1994, no espetacular livro “Sobrevivi para Contar”, diz: “É impossível prever quanto tempo levará um coração partido para se recompor.” É verdade. E pode demorar anos.

Cada um que foi machucado tem um ritmo próprio para lidar com a dor, com a raiva, com a tristeza, com a mágoa, com o perdão. Não se pode acelerar um processo de perdão. Uma coisa é perdoar racionalmente, outra é perdoar emocionalmente e outra ainda é perdoar espiritualmente. Pela razão é mais rápido. Pelos sentimentos pode ser bem mais demorado e complexo. E a dor não se desvanece facilmente pelo raciocínio. Cada um precisa expressá-la e experimentá-la em seu próprio ritmo particular.

Philip Yancey, no livro “Maravilhosa Graça”, comenta: “O perdão é dolorosamente difícil e, muito tempo depois de você perdoar, a ferida continua na lembrança. Por trás de cada ato de perdão jaz uma ferida de traição, e a dor de ser traído não se desvanece facilmente.” (p.86,87). Isto significa que quem perdoa, lembra. O povo diz que quem perdoa, esquece. Sim, o perdão verdadeiro leva a pessoa a esquecer a ofensa no sentido de não ficar obsessivamente pensando naquilo semana após semana, ano após ano. Mas esquece só depois de pensar, elaborar a dor, racionar sobre o evento, e então escolher perdoar. Cláudia Bruscagin (PUC-SP) explica: “Perdoar não é a negação dos sentimentos de mágoa, ira e rancor. É reconhecer os sentimentos e então escolher não agir por eles.” (Religiosidade e Psicoterapia, p.60).

Você guarda mágoa e ressentimento em relação a alguém que o feriu? Não consegue perdoar? Acha que perdoou mas não esquece e vive amargurado com a lembrança? Já disse para a pessoa aquilo que cabe dizer? Já desabafou? Ainda sente necessidade de falar algo que não foi conversado? Então fale. Diga o que quer dizer. Dê sentido ao que irá dizer. Mas não diga de forma agressiva. É possível expressar sua zanga, sua raiva, sem agredir a pessoa. Você pode dizer de forma agressiva: “Você foi um malvado, um crápula, um cretino fazendo isto comigo!”, ou pode escolher falar sem agressividade: “Fiquei muito entristecido com sua conduta, foi uma atitude má sua, eu não merecia aquilo”. No primeiro exemplo você detona a pessoa, atacando-a e procurando arrasá-la. Resolve sua dor? Geralmente não. No segundo exemplo, você descreve sua dor, sua frustração, sua mágoa, sua raiva e sua decepção. Isto geralmente produz alívio e sem atacar o outro.

O perdão tem um ritmo. Respeite seu ritmo. Fale tudo o que pensar que, se falar, obterá alívio. Mas sem agredir o outro. Finalmente, perdoe. O perdão não é para quem merece, é para quem precisa. No excelente livro “Para que serve Deus”, o jornalista Philip Yancey comenta: “O mal é vencido com o bem se a parte injuriada absorver o mal, recusando-se a permitir que ele prossiga.” (p. 273). Mas se o ofendido ataca o ofensor, e o ofensor ataca o ofendido, isto se torna um ressentimento e raiva crônicos. É como prefeitos idiotas, invejosos, vingativos que quando assumem o poder na Prefeitura, desfazem tudo o que o prefeito anterior havia feito, mesmo que tenham sido coisas boas para a comunidade. Depois, em outro mandato seu rival assume novamente o poder, e repete a mesma idiotice. É uma guerra de egos usando nosso dinheiro ganho com trabalho. É como uma escada rolante que nunca para. Quem der o primeiro passo de reconciliação e perdão experimentará primeiro a paz, revelará maior e melhor maturidade, pelo menos dentro de si. 

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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