Tanusse

domingo, 19 de abril de 2015

Era uma figurinha carimbada o nosso bom Tanusse. Ótimo fotógrafo, tinha sempre um olhar original sobre o mundo, com rigor no enquadramento e na luz. Além desse métier, era goleiro do Friburgo com uma característica muito especial: quando acabava o jogo o seu uniforme estava super limpo, igual a como começou. Os cabelos modelados com gomex ficavam impecavelmente fixados e repartidos. Mas o que eu mais gostava mesmo no bom Tanusse era nossa sintonia musical. Curtíamos música e trocávamos figurinhas de responsa.

Dizia pra ele: 

— Ouvi ontem “La Cumparsita”, um vozeirão declamando a letra em cima da harmonia. Um espetáculo!

— É, mas você precisa ouvir “Pecado”, com Gregorio Barrios. 

Ouvi e me apaixonei. Passou a ser a trilha sonora da minha vida. Pelos clubes os crooners lacrimejavam com interpretações “cover”, enquanto os dançarinos estavam com os rostos colados e com as mãos no peito, perto do coração. Vira e mexe, saía dali um namorinho esperto. Muitos casais se formaram ao som desse bolero fascinante, carro-chefe do Gregório.

Na porta do studio do Tanusse, apreciávamos as meninas da Dona Sofia indo fazer compras no comércio. Na maioria das vezes compravam perfumes, produtos pra maquiagem e faziam uma fezinha no bicho. Monique, Terezinha, Diva e companhia limitada desfilavam seus corpos esculturais. O Tanusse me dizia estupefato que não concordava com o vulgo popular que chamava as meninas de “mulher de vida fácil”. Uma ova, dizia ele, elas trabalham pra burro, não merecem esta alcunha.

Do studio do Tanusse, observava o movimento no hotel Marfins, pequeno e aconchegante. Esticava mais olhar e vibrava com a Casa Rezende sempre cheia. E pensava comigo: essa vai dar filhotes. E deu, já são quatro e um hotel. Com uma lente zoom eu podia observar seu Guniforte preparando os bifes e todos em fila aguardando ansiosos pra comprar. Carne macia com padrão de qualidade sem igual. Seu Guniforte precisava faturar para pagar os estudos de Roberto Farias, Reginaldo e Rivanides.

Mais à frente uma moça bonita na janela cumprimentava os passantes. Era nossa Elizabeth Taylor, Laurinha Iaggi, que partiu sem combinar. Volto a olhar e vejo o movimento de Moisés Amélio com um atendimento nota dez. Homem de fino trato.

O Tanusse me chamava pra ver a foto que ia bater: enquadramento feito, luz perfeita, pede um sorriso à moça em foco e clique. Imortalizava aquele momento e a foto ficaria pra sempre como recordação.

O Tanusse era um homem bonito, que esbanjava charme na profissão e no futebol. Em toda minha vida, sempre que ouvi o bolero Pecado, minha cabeça fazia um flashback e via na minha frente o bom Tanusse, batendo fotos, conversando e cantando. 

Gregorio foi um apaixonado pelo Brasil, no fim da carreira comprou uma sapataria e vendia sapatos cantando Pecado. Vendeu milhões de discos e com o tempo caiu no esquecimento. Mas fez a alegria dos dois sonhadores, que batiam foto com fundo musical, hino nacional para os nossos sentimentos.
 
P.S. Recebi de Enéas Heringer o livro “Rodízio de contos temperados com humor”. Estou curtindo muito. Obrigado!

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Jorginho Abicalil

Jorginho Abicalil

Recado de Jorginho Abicalil

Como era Friburgo antigamente? O que o tempo fez mudar? O que não mudou em nada? Essas e outras questões são abordadas, aos fins de semana, na coluna “Recado de Jorginho Abicalil”, onde o cronista relata a Nova Friburgo de outros carnavais.

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