Croniqueta

domingo, 03 de maio de 2015

O glamour das croniquetas mudam, como mudam as flores da primavera. Como muda a pena do Pongeti, abençoando o Dedo de Deus, para aqueles que tiveram a sorte de ler a manchete por suas páginas coloridas. Como muda a Remington do gordo Maria, alcoolizado cantando Amália Rodrigues: “Sabe-se lá, o amor o que virá!”, andando trôpego pelas ladeiras de Lisboa, como se em Recife estivesse. Como muda o texto esportivo do Jacinto de Thormes, narrando um gol de Ademir, o “queixada”, arrancando do meio-campo até golear na marca do penalty. Muda quando a “solidão lhe vai ser ainda mais difícil de suportar do que é habitual”, como diriam as profecias de Rainer Maria Rilke. Muda quando a Clarice fala do “prazer do trabalho”: “Não gosto das pessoas que se gabam de trabalhar penosamente. Se o seu trabalho fosse assim tão penoso mais valiam que fizessem outra coisa. A satisfação que o nosso trabalho proporciona é sinal de que soubemos escolhê-lo”. Muda quando os dias lindos de Drummond alertam sobre o “dizer e suas consequências”: “Muitas coisas se dizem, que não deviam ser ditas, muitas outras se calam, que não mereciam calar-se. As palavras são as mesmas, em um e outro caso; só a conveniência delas, na circunstância é que varia”.

O glamour das croniquetas muda, quando o Zózimo Barrozo do Amaral redige para o Ibrahim Suede textos no estilo único de sua coluna. Nelson Motta é outro que também colaborava enviando textos para o Ibrahim. Suas palavras davam um colorido todo especial, já que tinham uma outra abordagem, mais jovem, com outros termos e novas referências. Muda o glamour quando o mestre dos mestres, Fernando Pessoa, diz que “são horas talvez de eu fazer o único esforço de eu olhar para a minha vida. Vejo-me no meio de um deserto imenso. Digo do que ontem literariamente fui, procuro explicar a mim próprio como cheguei aqui”.

O glamour da croniqueta lhe dá esta vantagem. Você pode escrever sobre o que quiser, com nexo, sem nexo, grande e pequena. Pode deixar as ideias fluírem sem compromisso, com estilo, com estética, enfim, deixar a bic correr ao sabor dos pensamentos. Deixo aqui minha homenagem ao grande Antônio Maria, que tive o prazer de conhecer e me tornar amigo em suas andanças por Friburgo. Fazia pra ele uma espécie de sex relations, reservando hotéis para suas visitas semanais à serra, cada qual com uma gata, sua inspiração do momento.

O domingo de maio estava frio e Benoni abriu a loja para suas compras de inverno. Ele escreveu no Globo que o comércio de Friburgo abre aos domingos para recebê-lo e fez referência ao locutor que vos fala. Tenho saudade do grande Maria. E para terminar, o glamour da croniqueta muda. Ainda bem que isso existe e a gente pode soltar as loucuras todas.

P.S. No tempo que eu ralava em Friburgo no carro de som, Candinho Figueiró trocava as baterias pra mim. Tenho saudade dele.

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Jorginho Abicalil

Jorginho Abicalil

Recado de Jorginho Abicalil

Como era Friburgo antigamente? O que o tempo fez mudar? O que não mudou em nada? Essas e outras questões são abordadas, aos fins de semana, na coluna “Recado de Jorginho Abicalil”, onde o cronista relata a Nova Friburgo de outros carnavais.

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