Sobre as flores (parte IV)

domingo, 30 de agosto de 2015

Maria adentrou o salão de festas, empurrando a porta com a caixa de flores, arfante, gritando. Cheguei. Ninguém a ouvira, todos concentrados em suas conversas. O salão não tinha flores, mas estava bonito. Perguntou ao garçom onde estava Ana, tremia, mas estava forte. Não fugira, estava ali, pronta pra guerra. Ninguém sabia onde ela estava, o diplomata e sua esposa estavam furiosos.  Na cozinha,  gritam que isso é inadmissível, querem o dinheiro de volta, não pagaram por isso. Com os olhos cheios d’água, Maria tenta consertar as coisas, assumir a responsabilidade. Teria que aguentar até o fim. Tentou ligar para a irmã, mas ouviu o celular tocar. Ana deixara-o no salão. Respirou fundo, fechou os olhos por um  momento, pouco a pouco o barulho da festa ficava para trás, tudo branco ao seu redor. 

Maria tentava se transportar para o pensamento de Ana, sabia que não poderia ficar em pânico, o medo congela e ela precisava agir. Lembrou-se da última vez que estiveram juntos os quatro, o passeio no Jardim Botânico. Um dos dias mais felizes de sua vida, senão o mais feliz. O sol ardia a pele, o verão pulsante, o cheiro úmido da terra. Mosquitos. Gosto de abacaxi. Maria era muito pequena quando os pais morreram, não sabia se lembrava daquele dia ou se simplesmente o inventava. Dizem que até os oito anos de idade a memória não é mais que um caleidoscópio de imagens soltas, sonho se confundindo com realidade. Procurava não pensar nisso, porque senão seria como se qualquer realidade vivida com os pais nunca tivesse existido. 

Sorriu. Já sabia onde Ana estava. 

Ana levantou-se do banco e pôs-se a caminhar em direção à trilha do parque. Não queria sair dali naquele momento. Descalçou os sapatos e escalou a pirambeira de terra, agachada em quatro patas. Conseguiu se esconder atrás de uma árvore. Quando começou a escurecer, viu-se finalmente sozinha. Retornou ao seu posto anterior, em frente à vitória-régia, e ali se deitou, encolhida, em posição fetal, com frio, com medo de que algum animal - pequeno ou grande, inseto ou mamífero - viesse lhe perturbar o descanso. 

Maria não sabia como entraria no Jardim Botânico àquela hora. Por sorte, era noite de estreia de uma peça no teatro. Com essa desculpa, conseguiu se camuflar e caminhar sorrateiramente, guiada pela lanterna do celular, buscando uma passagem para o parque. Depois de alguns minutos de caminhada, avistou o lago da vitória-régia e, em frente a ele, Ana deitada no banco. Sentou-se ao seu lado, acariciando seus cabelos, e adormeceu.

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