Encantamento

sexta-feira, 17 de abril de 2015

É preciso se encantar. Se deixar encantar. É existencial se encantar. É no encantamento que encontramos sentido em acordar, trabalhar, enfrentar, suportar, esperar... Se encontrar. Consigo mesmo, através do outro. Com o outro, no sonho de se completar. É no encantamento que nos permitimos motivos para prosseguir por esse caminho sempre misterioso que é viver. Não importam as circunstâncias, o estado de encantamento nos concede o sobrenatural — que é habilidade e proteção. O universo protege os que amam. O encantamento nos ensina a sermos mais ternos, perceptíveis, afáveis. Indivíduo com suas individualidades, mas parte de algo maior.

Somos células espalhadas que precisam se conectar para formar o mundo. A dimensão de universo se forma nas partículas e nas particularidades de cada uma delas. Cada peça é importante para formar a imagem desse imenso quebra-cabeça. Não estamos sozinhos. Não somos solitários nas multidões. Há olhares que nos pescam. Há olhares que nos paralisam para que ajamos mais como emoções em trânsito do que racionais em estatísticas. Existem almas a nossa procura para se encontrarem também. Alma gêmea. Temos mais de uma, afinal. 33? Dizem que cada pessoa tem 33 almas gêmeas. Alguns têm a sorte de encontrar uma ou duas. Outros — nenhuma. E eu? E você?

Assim, existir não tem graça se não há causas que nos presenteiem sorrisos ou mesmo lágrimas — emoção. Assim, entre as trépidas multidões perdidas encontramos certos seres que parecemos conhecer há muito tempo, mesmo quando vemos pela primeira vez. É de outras vidas, só pode ser... Encontros de almas são raros e não podem ser desperdiçados. Quando ocorrem não podemos deixar passar. Alma atenta para perceber! Tal encantamento deve fazer morada. Tal encantamento nos invade e não há por que expulsar essa boa invasão que entorpece o peito de coisas boas. Admiração que não se explica, mas se entende. São borboletas que circundam no ar que toma conta de tudo. São carrosséis que rodam na nossa mente e nos concedem o direito de livremente imaginar. Imaginação que provavelmente visitou Caio Fernando Abreu, Drummond, Clarice e Wilde. Todo poeta é resultado de seu encantamento, de modo que sem encantamento não há Veríssimo, Vinícius ou Gonçalves Dias. Sem encanto não há inspiração, tampouco produção de poemas e canções.

O resultado de um homem é o seu encantamento, o exagero e tudo que extrapola do encanto que lhe visita ainda que vá embora. Mas o encantado não se importa com o fim. Se delicia com o meio na intenção legítima e suprema de prolongá-lo ao máximo. Sonha em não ter fim e deveras não tem, pois encantamento é de alma e n’outra vida — volta. É só estar atento e se deixar entorpecer. Suspira... Vibra. Ilimita... Infinito, amém.

Dirão que o encantamento antevê a paixão. Sábio. Se o dizem, eu diria: “sou um homem de paixões”. Só um homem de paixões é feliz. Só alguém de repleto encantamento evolui para paixão. A diferença é que no encantamento não há cegueira, nem dúvida. Há canto e admiração em todo canto. Atributos que não impedem a vontade de permitir a paixão entrar, mesmo com todos os riscos que traz.

Quando você acha que está se apaixonando, apaixonado já está?

Encantamento. Se encante. Se deixe encantar. É a melhor fase de tudo. É existencial se encantar. O encanto antecede a paixão? Talvez seja melhor, porque é a parte maior de se apaixonar. Sem medos. Sem esses quilos de grilos que nos tiram os mais qualitativos argumentos de ser humano. Nascer é se apresentar para os riscos. Renascer de tempos em tempos é reafirmar a deliciosa liberdade de se pôr em risco. O risco de ser feliz! O risco de ter o coração acelerado e a alma iluminada. O risco de se enganar também, mas tirar do engano o aprendizado e o crescimento. Por isso, não tema ou receie. Com receio dos novos amores nos apegamos aos velhos, que pode ser que nem amor sejam... Importantes naquilo que nos consolida, desde que estejamos abertos ao novo. Melhor do que o novo é inovar no que novo já não é. Coragem é agir com o coração. Coração encantado é bobo, mas nunca estúpido. Deixa este tumulto te bagunçar.

Os olhos brilham, a mente voa. O cinismo não existe e no cotidiano surge a confiança que vem do mistério que antecede a existência. Quem veio primeiro: o ovo ou a galinha? O encanto antecede a paixão e a paixão surge antes do amor e nenhum deles sobrevive sem encantamento. Encanto é admiração momentânea que se torna permanente pelo natural caminhar junto. E se mantém, sem que percebamos. Sentimos e se explicita nesse sorriso que sai e no abraço que não se permite ficar sem o outro abraço. É maravilhoso todo encontro que não se explica, e tudo aquilo que não se entende é encanto que faz cantar por todo canto. À vida — encanto, e todo encantamento que houver para além dessa vida!

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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