Desconexo

sábado, 28 de maio de 2016

A angústia parece morar no estômago. Entôo mais do que nunca o mantra: "Mais coração, menos estômago. Mais coração, menos estômago. Mais coração, menos estômago..." A angústia quer ser vomitada. O organismo busca expulsá-la como sugere quando o alimento não faz bem. A alma não deixa. Tento religar minha alma ao meu corpo. Meu coração à minha mente. Mas está tudo tão desconexo. Eu sei que minha alma está ali, num canto qualquer de mim. Meu coração pulsa, e, se faz mais acelerado para mostrar para mim que ainda está ali - vivo e pleno.

A plenitude me parece longínqua. Continua como sempre foi além do céu. Então, o que mudou? Meu jeito. Minha visão. Escapuliu de mim o eu. Aquele eu menino sorridente e brincalhão. Conectado com as cores e as luzes da atmosfera. Aquele eu conectado com o propósito de ser propósito, parte importante de algo inexplicável, porém divertido, encantador. Difícil, sem ser cansativo. Vívido, mesmo sabendo-se imortal.  

Talvez o mundo esteja desconexo por mais que as pessoas nunca antes estivessem tão conectadas por fibras ópticas e satélites que não sentem. Estão interligadas, mas não se ligam em seus olhares que dispersos impedem abraços. Conversam por esses cabos subterrâneos ou aéreos ou mesmo pelas ondas invisíveis, mas quando olho no olho desconversam, não têm palavras. Onde foi que perdemos o controle? Onde eu me deixei?

De repente, estou no meio do mundo sem saber quem sou eu no mundo. Não sou parte. Sou alvo. Mas pouco perceptível, o dardo não me acerta. O tempo passa e eu não passo de um moribundo. A cabeça pesa. O sono peca. Sou presa das sombras que atentas escapam do sol. Os propósitos já não me levam mais pelos rios que riem de mim caçoando de minha subjetividade que não intriga, nem disfarça, mas corrói.

Os olhos expelem lágrimas insuficientes para purificar essa dor que grita sem voz, mas com eco ensurdecedor. Poderia vir música como as antigas canções italianas que escutava quando criança. Sou um dramático sem palco. Sou um toca-discos sem vinil. Não me traga novas músicas, porque a narrativa que insiste é a mesma de ontem, ainda que seja o futuro o maior dos meus medos.

Impaciente, retroalimenta-se de covardia a coragem ausente. O finito não interessa, posto que venha de um começo. Talvez a interferência da eternidade caia bem. Recusar? Recuar? Parar jamais!

A dualidade que reside em mim luta como um super-herói contra o vilão. Mas sem a comicidade dos quadrinhos. É a filosofia digladiando com a física. É o sonho confrontando o pesadelo abertamente. São as contradições assumindo suas existências no mesmo espaço. Há que se equilibrar para conviverem. Para que eu viva - vivamos.

Um novo sol já vem. Sem apagar o ontem, sem antecipar o futuro. Mais do que um dia de cada vez, um minuto com 60 segundos por vez. A dor visitante logo vai embora. Aprendo. A angústia se esgota em si mesma. Assumo. Se perceber é tão humano e ser humano é tão magnífico que não há porque ocultar essa feição de insatisfação ou mesmo de quem não sabe para onde ir.

A testa franzida quer despencar para as rugas dos olhos de quem muito sorri de canto a canto da orelha. Escrevendo, crio. Criando, canto. Cantando, danço. Minha imaginação não desperta a lucidez, mas não flerta com a neurose da loucura. Impede-a com a força dos poetas. Danço nessa sala que vira salão de bons loucos se permitindo a pouca lucidez de quem não se entrega e não admite ser invadido pela descrença. Talvez seja esse o fato da notícia que é viver. Se ninguém chamou para valsar, valsarei com a estrela distante da noite que se achega.

Há um assobio vindo do canto esquerdo ao fundo. Há uma ironia solta no ar. A angústia será vomitada. Antes exposta do que cauterizada no peito. Expurgo seu peso, e, leve posso de novo ser sutil. Cairia bem a veste da paz. Sou herdeiro da luz. Sou o sopro do criador - o próprio em pequeno espécime. Raro como tudo o que há na Terra e além dela. Desconexo ainda sou partícula particular. Percebida a desconexão, posso me religar ao universo que tudo transforma, até a mim mesmo.

A fé me convoca de estranho modo. Forçado a compreender, percebo que a música nunca parou, que a presença nunca fugiu de mim, mas eu fugi dela. Sou dono de mim mesmo e sócio do mundo, não há motivos para fugir...

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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