Clarice e Picasso

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Estou vendo pinturas de Picasso no muro chamuscado da esquina. As pichações nos viadutos parecem versos de Clarice Lispector. Não sei se estou vendo coisas onde não tem ou se mudei a perspectiva e vejo melhor e quão belo é o mundo. Cego, vejo tudo melhor. O dia, de repente, acordou mais bonito. Que nome tem essas cores? Eu conheci o universo nos olhos de alguém.

Eu não sei se dá para perceber que quando te vejo meu rosto se ilumina. Mas posso dizer que quando te vejo minha alma canta. Mentiria se dissesse que não estou apaixonado. Mas mais do que apaixonado, o que poderia aparentar ser algo passageiro, tenho uma vontade antiga de cuidar de você. Antiga? Perguntará. Sim. Porque parece que vem de bem antes do dia que te vi pela primeira vez e me encantei.

Seu sorriso me contagia e o brilho do seu olhar simplesmente me levam para outra dimensão. Coleciono frases clichês que simplesmente saem na singela tentativa de te elogiar à altura. Sei que não é perfeita, mas é perfeição essa força que me leva a você. Pede cautela no silêncio da ausência de palavras, mas esquece que quando entrou veio arrombando a porta. Sei que não era a sua intenção. Também não era a minha. Mas junto as mãos e agradeço aos céus por sua aparição. Junto as mesmas mãos para pedir que fique. As mesmas mãos querem namorar as suas. Eu tenho a felicidade de saber o que quero!

Clarice e Picasso invadem as minhas horas. Está tudo mais poético. Está tudo mais intenso. Está tudo mais bonito. Colorido é o céu. Multicor é cada alma que transita nos versos dessas corridas ruas e avenidas. Tão leve é o ar. Tão saboroso é o vento... Tão densa é a sua ausência.

Já tinha ouvido dizer que certos encontros são impactos que mudam rotas, desfazem passados e abrem novas possibilidades no presente para construir outro futuro. Perdição irrecuperável? Clarice apadrinharia esse verso. Picasso pintaria esta tela. Você fez tatuagem em mim.

Tento em vão me conter. Fico feliz ao ouvir sua voz ou por simplesmente lembrar do som dela antes de ir dormir. Você cantando ao acordar. Meus olhos enchem de sorriso, tanto quanto meu rosto de brilho largo ao infinito. O aceite a um convite é explosão de fogos de artifício. Minha vontade é beijar a sua boca até doer o maxilar, fazer calo na língua, desidratar a ansiedade e ganhar asas na alma. Sua paciência travestida de prudência cadencia meus passos acelerados e acalma meu peito. Queria ter o poder de te dar o universo. Digo bem baixinho: “não impeça teus olhos de me ver. Não me peça para te esquecer”.

Um milhão de emoções diferentes cruzam o meu espírito quando falo o seu nome - da inquietação extrema à felicidade absoluta. Milhares de passarinhos puxam meu coração para o céu e no seu límpido e extenso azul mergulho em tons de Picasso. Transcendo. Recuso a acusação de bobo de mais para não ser apaixonado de menos. Loucura me visita na minha mais plena lucidez em entender os poemas de Clarice.   

Tão bom vislumbrar sua existência servindo à outra existência. Melhor ainda servir, cuidar, pois amar é mais do que se preocupar – é fazer, acontecer, se dar. Por quantas noites vou dormir pensando em você? Por quantas manhãs vou acordar pensando em você. Isso que me visita me deixa repleto. Olho as paredes brancas com o quadro multicolorido. Ambos são Picasso. Posso reparar em todas as cores que estão para fora da janela. Versos de Clarice. E, tanto na parede branca como no quadro multicolor, tanto quanto nos tons de lá fora, só um pensamento me vem, só um nome me visita. Ganho o dom de ver o que há de melhor em todos os cantos. O cinza ou o rosa, o branco ou o marrom me levam ao mesmo lugar. É assim também com os sabores, os cheiros, as letras... Até o avesso do contrário.

O que o amor não faz com a gente? E a resposta não é Clarice nem Picasso. Você. 

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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