Se conto, se crônica

segunda-feira, 17 de outubro de 2016
Foto de capa

As coisas, às vezes, tanto se parecem, que causam dúvidas, quiçá equívocos. O que é um? O que é outro? Ora, é assim que acontece na literatura; sê conto, sê crônica. Ambos conversam com o leitor de formas diferentes. Desde sempre, as pessoas se convidavam para conversar e, hoje, esse convite acontece assim: vamos tomar um café? Que tal happy hour? Quer dar uma caminhada? Coisas do tempo... Mas na literatura a forma continua a mesma. Quem convida é o texto que encontra maneiras de seduzir o leitor, aquele vivente que se alimenta de ideias por ter um cá-dentro um tanto quanto faminto de conhecer a vida. Quem gosta de crônicas já abre o jornal, querendo ler reflexões sobre fatos para dar ao pensamento um alimento diferente das notícias cotidianas, muitas vezes aterrorizantes. De contos, ah, o leitor, por sentir prazer em ler curtas histórias, já sabe como mergulhar nas linhas dos livros, que sejam virtuais, inclusive. Mas os olhos de um leitor compulsivo, ora, não refugam um texto, que seja, apenas, para avaliar se nele vai mergulhar ou não.

O homem se expressa através de palavras e registra sua existência de um modo pessoal, contando histórias e fazendo reflexões. Eu diria que esta é a grande diferença entre conto e crônica.

O conto é uma narrativa curta de caráter ficcional que se desenrola a partir de ações em torno de um foco temático. Já a crônica explora assuntos diversos do cotidiano e possui um tom crítico ou humorístico. Ambos causam impacto no leitor, provocando reflexões e mudanças nos modos de pensar.

Há claras diferenças entre um e outro. Porém, às vezes, os textos, estão tão próximos em suas características que identificá-los, se conto, se crônica, requer um olhar perspicaz. Mário de Andrade disse certa vez que conto é tudo que o autor chamar de conto. E Luiz Fernando Veríssimo revelou que alguém já disse que crônica é literatura sem tempo.

José J. Veiga nos mostra que a definição do conto é indefinida porque é uma criação literária de mil faces e está sempre sendo reinventado. Para estudiosos neste polêmico tema, o conto trata de uma situação dramática específica e cria um estado de tensão através da objetividade e rapidez com que o autor conduz as ações e finaliza o texto. Segundo Airo Zamoner, é um estilo literário que contém uma única célula dramática, composto de quatro elementos: ação, lugar, tempo e tom.

Já a crônica tem a informalidade, disse Veríssimo. Geralmente publicada em jornais, revistas e outros meios de comunicação é, segundo Gabriela Galano, definida pelo estilo do autor, pelo tamanho e, por vezes, pelo veículo em que é publicada. O nosso mestre Rubem Braga pensa que a crônica é o meio pelo qual o escritor se utiliza para desabafar. O cronista é um desajustado e não oferece ao leitor a oportunidade para que rebata qualquer afirmativa publicada. A única informação que a crônica transmite é a de que o respectivo autor sofre de neurose profunda e precisa desoprimir-se.

Já para Airo Zamoner, o cronista é um observador da realidade e um expectador dos fatos. Assim, a crônica é atual e pode se tornar ultrapassada com o tempo.

O conto e a crônica recriam a realidade e são expressões catárticas de um escritor. Aquele sujeito, sujeitado sempre, é de alguma forma sensibilizado com o existir, para não dizer inconformado.

TAGS:
Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.