Quando o professor tem a beleza do cristal

quinta-feira, 13 de abril de 2017
Foto de capa

A beleza de um cristal não ofusca o brilho do professor porque a civilização sobrevive sem a beleza dos cristais. Mas uma pessoa não se hominiza sem a presença de, pelo menos, um professor.

Hoje vou falar sobre o docente, este assalariado que trabalha na frente de salas de aula. Quero homenageá-lo porque transforma pessoas; faz diferença na vida do seu aluno, seja criança, adulto ou idoso. Eles sabem tocar afetos, movimentar pensamentos e dar outras tonalidades ao olhar. Professores não precisam ser esbeltos e ter cabelos sedosos. Nem estar vestidos com sedas ou organdis. Professores são indivíduos comuns e sujeitados que consideram outros sujeitos, que levam em conta a realidade em seus modos de pensar.

Estou escrevendo este assunto porque tive, na semana passada, uma alegre experiência nas unidades do Colégio Santa Mônica, Rio de Janeiro, onde alunos de oito turmas do quinto ano leram meu livro, O Livro Maluco e a Caneta Sem Tinta, que escrevi com Márcio Paschoal.

Os alunos conversaram comigo, demonstrando interesse na trama e curiosidade sobre o processo de escrita. De um modo geral, gostam de conhecer os autores de livros, querem retirá-los das frases e saberem como criam as histórias. Desconfiam que somos mágicos.

Alguns professores me chamaram atenção. Não por eles propriamente, que, nesta conversa, ficaram como panos de fundo, mas se revelaram pelas perguntas que seus alunos me faziam, muitas indo além dos fatos evidentes na história e dados corriqueiros da minha vida, como idade, cor de preferência e assim por diante. Alguns alunos queriam entender com maior profundidade o sentido do livro, para compreenderem um pouco mais os significados da própria existência. Nossa obra, apesar de ser uma engraçada aventura que acontece numa biblioteca com um livro sem nada escrito e uma caneta sem tinta, onde, à noite, se encontram com os personagens que saem dos livros e interagem com vários elementos do ambiente, aborda temas importantes, como a solidariedade e a força do querer.

As perguntas percorreram as linhas e entrelinhas do texto. As crianças mais tímidas, até com a voz em tom baixo, faziam questão também de comentar. E, aí, o trabalho daquele professor, quase desaparecido no canto da sala, ia sendo mostrado, uma vez que a fala dos alunos indicavam que o livro tinha sido trabalhado em sala de aula, que o significado das palavras fora debatido, que os fatos da história tinham sido refletidos. Algumas turmas demonstravam a construção do hábito do saber ouvir desenvolvido. Ah, que atitude difícil de construir! Além disso, eram educadas e não cometiam erros de português! Uma vitória na educação escolar.

Os livros estavam bem-cuidados e sem orelhas. Isso é trabalho de professor, sim. Os pais com relação aos cuidados com o material são relevantes também. Mas esse comportamento é resultante da atitude do professor que faz questão de apontar para o manuseio do material escolar com insistência. Que trabalho repetitivo e cansativo, tal qual a água que cai sobre a pedra e faz a erosão ao longo dos anos. Transforma a paisagem.

Os professores são pessoas simples; não usam pingentes de rubi. São os guerreiros do dia a dia que, hoje, muitas vezes, são invisíveis. Eles, tais como os cristais, possuem a mesma estrutura: são movidos pelo ideal de oferecer sustança à existência humana.

Os vidros imitam os cristais, inclusive são, por sinal, muito bonitos. Mas não têm estrutura cristalina e não possuem alto grau de simetria multidimensional. O mesmo acontece com os repetidores de conteúdo que são meros explicadores de conteúdo e não têm a nobreza de espírito. Não sabem fazer a inteligência florescer, nem preparam o homem para a vida. Os vidros quebram com facilidade, mas os professores não vergam nunca.

Aqui faço, para finalizar, uma reverência à professora Leda Hüme, uma filósofa que me mostrou que a vida tinha um sentido maior.

TAGS:
Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.