Quando a bola rola na literatura e a literatura quica na quadra

quarta-feira, 17 de agosto de 2016
Foto de capa

Acordei hoje, em plena Olimpíadas no Rio de Janeiro, com uma ideia virtuosa: vou escrever sobre crônicas esportivas. Como sempre, fui serpenteando casa afora, me enrolando, indo lá, vindo cá, sofrendo daquela agonia própria do escritor: como começar?! Em contraponto, tinha a certeza de que seria tomada de súbito por uma inspiração. Esperando-a, corri pelas páginas deste jornal, passei pelo Google e, então, o vôlei explodiu dentro de mim.

Por que não acordei com esta ideia pronta na cabeça se joguei vôlei durante anos? Há coisas que não se explicam... e a gente não deve perder tempo em entendê-las.

Era levantadora e disto muito me orgulhava, talvez porque o vôlei fora uma das poucas coisas na vida que fiz bem, como mera amadora de quadra de colégio e rede de praia, nada mais do que isso. Era jogadora disputada quando estava sentada nos degraus da praia do Leblon, em frente à rede; havia sempre jogo para mim, inclusive em duplas, muitas vezes sendo a única mulher no jogo. Jogava até não aguentar mais e não tínhamos hora para terminar. Às vezes, passávamos da meia-noite, isso porque a rede ficava debaixo de um poste de luz. O vôlei de praia me proporcionou tempos felizes pela relação com meus filhos adolescentes, pelos tantos amigos fiéis que nunca jogavam em outra rede e pela bola, a Mikasa. Certa vez, encontrei um dos rapazes que me disse: aquela rede foi um dos melhores momentos da minha vida.  

Depois desta explosão, comecei a ler crônicas sobre vôlei para saber o que dizer e, aí, fiquei diante de um desafio: relacionar o vôlei à literatura. Tenho um grave problema: quando um pensamento vem em mim em tom de decisão, não volto atrás.

Encarar uma partida e uma página em branco é um desafio que faz um arrepio correr na espinha e uma motivação crescer dentro do coração. Cada jogo é como o fazer de uma crônica: são únicos e devem ser encarados como os mais importantes dos demais. Se o jogador pula, joga-se no chão, busca os vazios do campo adversário para ganhar um ponto, o cronista organiza suas ideias, busca palavras exatas para exprimi-las e cuida dos vazios do texto para dar liberdade ao leitor para pensar e tirar suas próprias conclusões. Ambos vão até o final.

O jogador e o cronista são eternos aprendizes e buscam a superação. Nunca se satisfazem com êxitos e elogios. A partida e o texto exigem leveza, força e objetividade. O jogador, depois de receber o saque, envia a bola para o levantador, que por sua vez, com leveza, coloca nas mãos do cortador para dar uma cortada arrebatadora. Uma crônica bem escrita faz com que os olhos do leitor deslizem sobre o texto com suavidade, as frases têm sonoridade e as ideias, impacto, tornando a leitura inesquecível. Tanto na crônica, quanto no vôlei tudo carece de harmonia, enquanto resultado de plena união entre jogadores e palavras, beleza de jogadas e argumentos, organização de posições em quadra e concatenação de ideias.

O jogo e a crônica precisam de agilidade. Um jogo ruim é moroso, os jogadores pouco se movimentam e deixam a bola cair. Uma crônica emperrada repete as palavras, custa a desenvolver as ideias e cultiva redundâncias. Os leitores e espectadores, coitados, se não pestanejarem, deslizam na cadeira. 

É um prazer assistir a um jogo competitivo e ler uma crônica interessante. O que existe em torno de nós perde o foco; somente o que acontece está na cena: jogadores e letras, ideias e partidas. É um grande entretenimento ver a bola rolar na literatura e a literatura quicar na quadra. Tudo é vida e mais vida. Nada mais do que isso.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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