O sarau faz a vida transbordar

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Certa vez, uma amiga me disse que a literatura une as pessoas. É a mais deliciosa e pura verdade. Viver com literatura é estar com amigos, compartilhando momentos nobres. É interessante observar tal característica desta arte; ante um texto não há diferenças sociais e raciais. As diferenças estão nas possibilidades de usar as palavras. A beleza não está nos cabelos sedosos, no corpo malhado ou nos lábios pintados de batom vermelho. Está na sonoridade das palavras, na ética e sensibilidade das ideias.

O sarau oferece esta possibilidade de apreciação. Não somente pelo toque intimista que possui. É uma festa particular, de afinidades para melhor dizer. Há tempos atrás, foi criado pelo prazer que as pessoas sentiam em admirar as expressões artísticas, como a dança, a música e a literatura. Pela necessidade de estarem juntas em momentos de descontração e alegria. O sarau foi trazido para o Brasil pela família real como um evento da nobreza. Mas hoje, como tinha de ser, se tornou uma festa popular. De todas as idades e gerações. De todos os grupos culturais e sociais. Pode estar até um pouco em desuso, mas quando acontece, torna-se um momento sensível.

 Atualmente, neste turbilhão de acontecimentos que nos agita e atormenta, nos limita e cerceia, pentear os fios que tecem os tecidos do pensamento, faz-se desejado. Volta e meia, estão tão embaralhados que não conseguimos perceber a essência das coisas. Ah, mas um simples sarau... ora, tem um poder maior do que imaginamos. Faz a vida, muitas vezes guardada em nossos cantos, transbordar.

E assim foi o que aconteceu na Academia Friburguense de Letras, no dia 16 de fevereiro, quando abriu as portas para um sarau. Um despretensioso momento. O final de tarde, ainda ensolarado, atiçava a vontade de sair à rua, de ver movimento e escutar palavras belas.

As pessoas foram chegando, às vezes tímidas com seus papéis guardados nos bolsos ou nas mãos. O sarau começou com música bonita, bem tocada que deu o toque primeiro como um berrante que avisava a chegada da literatura.

Pessoas de todas as idades, dos pequenos aos jovens, dos adultos aos idosos. Dos homens às mulheres. Do secretário de Cultura à ex-diretora da Biblioteca Nacional. Do violonista ao pianista. Todos se chegaram, misturando o acanhamento com a vontade de recitarem ou lerem algo que escreveram ou que foi escrito por um autor preferido. Todos se exibiram diante da arte, principalmente os músicos. E receberam da plateia o melhor dos sorrisos, o maior dos aplausos. Falou-se de afetos, de poetas, saudades, felicidades, tristezas e de sonhos. De amizades, amor e de paixão. Do envelhecer ao nascer. Da mãe e do pai. Da serra. De Nova Friburgo.

A música ia entremeando a apresentação dos textos, suavizando as muitas apresentações. Mais de quarenta. Foram duas horas em que a literatura demonstrou como pode ser terna e acolhedora. Como pode sequestrar a todos, pelo menos por breves instantes, das preocupações diárias.

Parece-me que os saraus não são caraoquês, não competem com celulares, Facebook ou Whatsapp. São momentos de encontro entre pessoas. De abraços e sorrisos. De admirar os amigos. De chorar a falta. De trazer amores perdidos no tempo. De dizer: eu existo!

Ah, num sarau, como as almas se regozijam! 

  • Foto da galeria

  • Foto da galeria

TAGS:
Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.