O amor tem pele tenra, cabelos sedosos e mãos viçosas

quarta-feira, 05 de outubro de 2016
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Se tudo o que eu disse se provar um engano.
Jamais escrevi, nem amou qualquer ser humano.

William Shakespeare

Quando me aventurei escrever literatura, já que estava acostumada com textos acadêmicos e de grande rigidez, comecei pela dramaturgia, lendo Trabalhos de Amor Perdidos, de William Shakespeare, uma comédia romântica. Como todos seus textos, é uma obra atual, perfeitamente adequada ao que acontece hoje com os jovens que vão prestar um concurso e buscam um lugar tranquilo para estudar. Mas...

Bem, vale a pena ler o texto.

De Trabalhos de Amor Perdidos fui me aventurando nas obras de Shakespeare, como Otelo, Hamlet, A Megera Domada, até me deparar com Os Sonetos, que me foram indicados por um primo de quem gosto muito. Logo, numa primeira leitura, achei os poemas tristes, até pesados. Mas em leituras posteriores, fui me tocando com a profundeza com que Shakespeare tocou o amor e a dor que causa nos amantes e amados. Ele foi o grande filósofo. Como bardo, este contador de histórias e possuidor de um espírito enigmático, que viajou com desenvoltura entre mundos reais e imaginados, conseguindo ir além da verdade aparente e dos mistérios da vida, foi um escritor capaz de ser errante no tempo e ter sua obra conservada com incrível atualidade.

Nesses sonetos, a beleza comovente contida nos versos me fez concluir que o amor sempre foi tocado pela tristeza. Será que é por isso que esse sentimento guarda tamanha beleza? Porque, penso, quando a alma do poeta não se contorce de dor, não há motivos para o sonetar. 

As histórias de amor têm vida; correm ruas de cidades, passam por debaixo de portas, fogem pelas frestas de janelas e não se modificam com o transcorrer do tempo. Shakespeare teve o dom de devassar esse sentimento que invade a essência humana, tal qual estrela guia, e que nunca envelhece como o corpo. Ah, o amor é eternamente jovem; tem pele tenra, cabelos sedosos e mãos viçosas.

Embora seja mau, Velho Tempo, e malgrado seus erros,
Meu amor permanecerá jovem em meus versos.

Shakespeare declama o amor não idealizado, revela um sentimento imperfeito quanto a nossa natureza.

Se eu pudesse descrever a beleza dos teus olhos,
E enumerar infinitamente todos os teus dons,
O futuro diria: esse poeta mente,
Tanta graça divina jamais existiu num ser.

Os sonetos têm realismo. Bom para os amantes conhecerem a si mesmos como seres mortais, antes de olharem para os amados como seres idealizados.

Enfim, termino esta coluna com alguns versos que não nos deixam ser desavisados ante o transcorrer dos dias.

Então, amor, sê tu mesmo; embora hoje preenchas
A fome dos teus olhos, mesmo plenos,
Amanhã de novo vejam, e não matem
O espírito do amor com perpétuo tédio.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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