Mas o tempo é feito de nada

quinta-feira, 27 de abril de 2017
Foto de capa

A hora que chegamos e partimos do planeta Terra é marcada em ano, mês, dia, hora e minuto. Somos mergulhados em tiquetaques e cercados de agendas; tudo é cronometrado. Entretanto. O tempo tem relatividade; o geológico é diferente do nano tempo. E, nós, os humanos, tão rodeado de relógios, padronizados por tarefas, temos um tempo globalizado, comum a todos. Entretanto. Temos um tempo individual.   

Nós a ele nos costuramos com agulhas de tricô. Da mesma forma que os fios se enrolam, o caos que nos inviabiliza. Isso já dizia Aristóteles. Somos tão imperfeitos que sem a orientação temporal não conseguimos harmonizar os tempos individuais com os globais. Não somos acostumados aos infinitos!, precisamos de começos, meios e fins.

O que seria de nós se a morte não existisse?

De certo, pensar no tempo a partir de eras geológicas ou dos universos da nanociência estaríamos nos referindo a um tempo distante de nós. Se bem que o tempo humano faz parte de tantos outros.

Por sorte, o tempo está nos livros através de estudos e histórias que muito nos ajudam a compreender este conceito que talvez seja o mais difícil e complexo de todos com os quais nos deparamos. Compreendê-lo nos oferece uma vida melhor. Lidar com o tempo é sabedoria, desafio e a gente deve apreendê-lo desde o primeiro dia de vida. Ah, dentro do tempo, sofremos transformações; o pé cresce e o cabelo fica branco. Até as montanhas mudam de forma e tamanho.

 Mas o tempo, meu amigo leitor, não existe!

Pensando nestas questões, escrevi Ajelasmicrim. Um livro que tem o nome tão complicado quanto é o tempo. Aliás, tenho estado intrigada com ele há mais de vinte anos e tudo começou quando trabalhava com crianças, como Orientadora Educacional numa escola tradicional do Rio de Janeiro, ao lidar com as dificuldades que sentiam com os horários! 

Para escrevê-lo, precisei de mil dias; estudos, tentativas de elaborar o texto e adequar à linguagem ao público leitor, a criança entre 8 a 10 anos que se encontra na passagem do pensamento concreto ao abstrato, num momento de vida em que a reflexão temporal é imprescindível à compreensão do viver. Grande Piaget. O entendimento do tempo é uma elaboração cognitiva, cujo processo ocorre através do entendimento das complexas relações entre o objeto, o espaço, as leis da causalidade e a velocidade.

Mesmo sem existir, percebemos o tempo quando temos a impressão de que ele passa por nós; às vezes rápido, devagar ou saltitante. Irritado ou amoroso. Quando refletimos sobre o futuro e nos lembramos do passado. Quando vivenciamos o presente através de momentos que começam e terminam. É uma percepção que não tem sentido exato.

Para terminar deixo aqui um pedacinho do Ajelasmicrim. 

Meu avô tinha uma gaveta cheia de caixinhas em que guardava botões de um time de futebol, figurinhas, fotografias e outras lembranças.

Um dia, me disse:

— Aqui, não deixo o tempo passar.

— Ele mora aí? — perguntei com espanto.

— Em cada uma das caixinhas.

— Mesmo?!

— É que tenho o hábito de guardar pedacinhos do tempo.

— Mas, vovô, o tempo é feito de nada. 

Ele abriu uma caixinha que tinha um bilhete de circo.

— O tempo é feito de momentos. Tem dias que é circo na praça e pipoca estourando na panela. Puft! Puft! Puft

TAGS:
Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.