É tempo das histórias de natal

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016
Foto de capa

É tempo de natal. Gostaria de dar um abraço em cada leitor desta nossa cidade. Natal é época de acolhimento e de aprofundar as conquistas de um ano que está prestes a acabar. É tempo de relaxar e de sorrir para a vida.

Que seja a esperança o melhor dos sentimentos e que guarde o eterno desejo de felicidade através dos sonhos. Que não seja apenas um sentimento, mas o ponto de partida de realizações.

É tempo das histórias de natal. E todos têm uma a contar. Observo que estas histórias não valorizam o lado material da vida, mas as relações afetivas entre pessoas, entre elas e os animais. Até entre nós e os vegetais. Vou, por isso, contar uma que teve seu início há quinze anos, se é que não me falha a memória, e continua a se escrever até hoje. É tão real, quanto as que são contadas nos jornais, e posso dela fazer um capítulo da minha história de vida.

Passamos o natal em nossa casa no Rio e comprei um pinheiro para fazer de árvore de natal. Sempre preferi os naturais, talvez porque gostasse de sentir a textura das suas folhas, bem diferentes de todas as outras, ou do tom verde que nenhuma artificial conseguia reproduzir.

Coloquei o pinheiro no encontro de uma parede com outra, em que faziam um ângulo de 270°, numa quina no centro da sala. Ficou lindo depois de enfeitado e iluminado. Engrandeceu nosso natal, fazendo a gente sentir que era tempo de reunião de família.  

O natal acabou. Levamos a árvore para uma área externa que temos na parte dos fundos do apartamento. E a deixamos ali porque, incrivelmente, o galho criou raiz e começou a se desenvolver com vigor; suas folhas tinham o brilho e o caule consistência.

Passado um tempo, um passarinho fez ninho num dos seus galhos. Ah, foi um raro acaso que nos abençoou, até porque esta área externa estava no primeiro andar de um prédio de cinco andares grudado num outro da mesma altura, numa profundidade de 15 metros. Minha família passou o tempo em que os ovos eram chocados e os filhotes alimentados em torno do pinheiro com os cuidados mais especiais que se poderia ter. Quando acordávamos, íamos afeiçoar o ninho como nosso olhar e, durante o dia, cuidávamos de não fazer barulho para não incomodar os filhotes. Falávamos da nossa casa com orgulho por abrigar algo tão benigno.

Num dia de manhã, antes que os passarinhos voassem, achamos o ninho queimado por uma guimba de cigarro, jogada durante a madrugada. Ah, choramos. Choramos. Escrevi cartas aos moradores. Falei com os que fumavam. Enfim, nunca soubemos quem jogou o cigarro.

O pinheiro continuou lá, crescendo e crescendo e nós torcíamos que outro passarinho fizesse ninho ali. Ganhamos uma cadela de um mês e meio, a Vênus, nascida em Friburgo. No Rio, quando sentia saudade da sua terra, ia cheirar o pinheiro ou se deitava ao lado dele. E eu, solidária aos seus sentimentos, dizia baixinho, no pé da sua orelha, que em poucos dias voltaria à Friburgo e que havia ganho uma família humana.

Quando meu filho partiu encantado para o universo, eu, silenciosa, chegava perto do pinheiro e suspirava pelos passarinhos e pelo Beto. A Vênus, sempre do meu lado, conheceu, da mesma forma que aquele vegetal, minha alma sofrida. Ficamos, nós três, íntimos e amigos.

Com o vaso cada dia menor e o pinheiro já querendo chegar no segundo andar do prédio, não poderíamos mantê-lo no apartamento. Aquela planta que estava deixando de ser um galho fazia parte das nossas vidas e não poderíamos deixa-la na Floresta de Tijuca ou no Parque da Catacumba.  

Resolvemos, então, trazê-la para nossa casa em Friburgo. Veio de caminhão de tão grande que estava. E, aqui, no jardim, escolhemos um lugar onde o sol batia a maior parte do dia e não havia nenhuma outra árvore para abafá-la. A Vênus demonstrou alegria quando a plantamos no Jardim e, nos anos que se seguiram, costumava cheirá-lo e rondá-lo. No seu último dia de vida, ainda chegou perto dele e sentou sob os galhos grandes que lhe deram sombra. Foi uma despedida. E eu tive a oportunidade ou o privilégio, para melhor dizer, de estar presente naquele sensível e sutil momento.     

Hoje, o pinheiro já é uma árvore alta e vigorosa. Para minha alegria maior, vi, noutro dia, um ninho num galho, grudado no tronco. Então, senti a vida se refazendo e continuando naqueles filhotes que abriam a boca quando eu chegava perto, achando que seria um dos seus pais.

Assim, quero saudar este final de ano, desejando um grande 2017 para todos.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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