Da maternidade à amizade

terça-feira, 24 de abril de 2018

Lemos Te ajudarei a ir se quiseres, de Ana Beatriz Manier, no Clube de Leitura da Academia Friburguense de Letras. Foi uma leitura sensível por abordar temas relevantes à mulher: os sessenta anos e o reencontro de um amor da juventude, a relação mãe e filha, abrangendo os diferentes âmbitos entre a maternidade e a amizade, o desgaste da relação matrimonial, o amor, a morte, enquanto o fim de uma história de vida construída por decisões.

Foi de tirar o fôlego!

Líamos os capítulos com o olhar dedicado à nossa efêmera essência feminina e com o pensamento pronto para vislumbrar experiências passadas, bem como as fortes vivências com nossas mães e, inclusive, com nossas filhas. Aquele tempo, no Clube, nos fez percorrer estradas diversas, cheias de vieses que nos tocavam com lembranças de realizações e com possibilidades deixadas para trás. A interação entre a leitura, as reflexões e os debates foram emocionantes. Às vezes, nem conseguíamos levar a leitura até o final dos capítulos, tínhamos a necessidade de falar, de exclamar, de lembrar, de rir e de chorar.

Ah, como a literatura faz uma reviravolta na vida, nos abre portas e nos estimula a fechá-las também. E nos permite constatar que somos feitos não somente de tecidos e ossos, mas, principalmente, de alma, de desejos e de decisões.  

Este livro nos colocou face ao destino de cada uma de nós. O Clube, não por causas definidas, mas pelo simples interesse dos participantes, conta com a participação feminina. Se bem que um homem faz parte do grupo, porém dificilmente comparece. Talvez porque se sinta um tanto quanto desconfortável ante tantas mulheres. A figura masculina faz falta na medida em que é um contraponto ao pensar feminino. Essa ausência foi verbalizada algumas vezes. Certamente, sua presença, provocaria mudanças nos modos de olhar para os anos que estão à nossa frente; que devem ser plenamente aproveitados.

Ser mulher é, de fato, um modo mesclado de estar no mundo, numa mistura de intuição, coragem, medo e preconceito. Os preconceitos femininos, pelo menos para a geração que plaina sobre os sessenta, influenciam as decisões por serem inibidores. O livro de Ana Beatriz mostra as limitações das gerações mais avançadas na idade, que se contrapõem com as mais jovens. Mãe e filha emergem de tempos diferentes; não há regras, nem receitas para descrevê-las, dado que suas relações são plenas de diferenças.

Sobre esse livro, tenho motivos para escrever várias colunas. Mas nesta, especialmente, vou tocar nesta relação magistral, única e embalada pelo afeto: mãe e filha ou filha e mãe. Duas pessoas que caminham sobre tapetes de cores distintas. Nem sempre, os passos são dados sobre os tons azuis, muitos sobre cores tristes; outros, sobre os tons encarnados e pastéis. É um relacionamento humanamente perfeito por ser imperfeito, entretanto, de todo o modo, é uma relação única de amor. Não existe relações semelhantes.

Mãe e filha, dois seres em transformação, que modificam o modo de estarem juntas ao longo dos anos. Da maternidade à amizade, é uma relação que navega pelas correntes do afeto, que acalenta e machuca; em cada olhar, asas imensas são abertas.

Muitas vezes, durante a leitura, eu me vi enroscada nas teias amorosas entre minha mãe e minha filha; descobri-me sendo não mais do que um ponto de interseção. Duas mulheres extremamente amadas por mim, que me fazem ser o que sou, com todas as minhas inteirezas e ranhuras, alegrias e tristezas, vontades e determinações. Com elas e por elas sou Tereza.

Obrigada Ana Beatriz por ter me dado a oportunidade de ler sua sensível história, até para aprofundar o entendimento de que a vida é de todo uma responsabilidade pessoal feita de escolhas. Se certas ou erradas, posso contar com duas grandes amigas.  

Obrigada Márcia por ter nos proporcionado tantas reflexões sobre o viver e o ser mulher.

TAGS:
Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.